A executiva Fiamma Zarife comanda a operação do Twitter no mercado brasileiro, onde está desde 2015, com foco principal nas vendas de publicidade. Iniciou carreira no segmento petroleiro e migrou para telecomunicações, sempre na área de inovação como jogos no celular, SMS e aplicativos. O elo com a tecnologia é o fio condutor da sua trajetória, mas com o viés mercadológico na veia. Casada e mãe de dois filhos, Fiamma é completamente envolvida com a plataforma que tem como DNA estimular conversas e se tornou a preferida de presidentes como Barack Obama, Donald Trump e Jair Bolsonaro. 69% dos acessos ao Twitter são realizados simultaneamente quando o usuário assiste TV. Confira sua entrevista.

Alê Oliveira

Sua pegada com marketing e tecnologia é inspirada no Steve Jobs?
Sim, ele impactou muito o meu trabalho. Principalmente no sentido da simplicidade e serviços mais intuitivos.

Há desconfiança do mercado com a mulher que trabalha com tecnologia?
Já senti isso em telecom, mas no Twitter a curiosidade sobre uma mulher ter assumido uma multinacional de tecnologia, sem ser engenheira, além de equilibrar vida familiar, foi grande. A partir daí vi a minha responsabilidade, que chamo de moral e social, aumentar. Gosto muito de dizer que sucesso não é ser CEO. Nunca trabalhei pensando no cargo. Minha carreira sempre foi pautada por coisas capazes de impactar e influenciar o mundo. Quando trabalhei no mercado financeiro, lancei o internet banking. Em telecom ajudei a lançar o SMS, que hoje é o WhatsApp, e também a banda larga.

Mulher trabalha mais do que o homem?
Ela se cobra mais e por isso seu volume de trabalho é maior. A mulher precisa estar 100% preparada para tudo que vai fazer.

Qual é o seu ponto de equilíbrio?
Primeiro eu sempre deixei bem claro para a minha família que eu sou uma pessoa melhor trabalhando. Certa ocasião, quando fiquei quatro meses em casa, marido e filhos me perguntavam quando eu ia voltar ao trabalho. Quando estou trabalhando fico muito mais feliz, inclusive como mãe e mulher. Deixar isso claro facilita. O segundo ponto é ter ajuda. Eu não estaria sentada na cadeira de diretora-geral do Twitter sem a colaboração do meu marido, que é meu parceiro. Na verdade, somos uma equipe. Se há um problema na escola que não consigo resolver, ele está presente.

Isso tem a ver com a tecnologia, que é siamesa com a interatividade?
Precisamos fazer conexões proativas o tempo inteiro. O conselho que dou é que temos de ajudar em todos os níveis. Há um ponto importante para equilibrar essa vida louca: não traçar modelos inatingíveis. Coloco minha energia no que é importante pra mim e pra minha família. Por exemplo, se meu filho vai de verde para o colégio e deveria ter ido de amarelo, vai dar um probleminha, mas não me mato. Cobro apenas resultados e notas. Gosto de ter meus momentos de ligar o fio terra, como a meditação. O download da cabeça e ver o que está te cansando ajuda a controlar o environment.

Quais disciplinas você se impõe para a posição que ocupa no Twitter?
Acredito que se não há pessoas felizes e motivadas não se constrói nada. Se não estão satisfeitas, elas boicotam. As pessoas precisam sentir que fazem parte. Meu desafio maior no Twitter é que sou responsável por uma das áreas, a de vendas de publicidade. A empresa tem mais de dez setores que não se reportam a mim, mas para lideranças que estão fora do Brasil. Tive de aprender a comandar por influência e não por autoridade. Isso só ocorre quando o líder se preocupa genuinamente com esse todo. Tenho o conceito um a um com todos os heads, sempre com o propósito de ajudar com suas demandas. E, consequentemente, ter a confiança para que comprem a estratégia, mesmo não sendo da minha equipe direta. Quando se trabalha em uma empresa que é muito matricial, o líder precisa dar o norte. Se estiver meio torto, ninguém acompanha. Por isso, preciso da área de brand strategy porque são eles que vão nos clientes dizer como a marca deve trabalhar sua comunicação. Então, cada setor precisa acreditar na minha estratégia de vendas e por isso os envolvo em todo o planejamento. Nas reuniões vamos concordar e discordar bastante, mas no final precisamos ter um agreement. Não pode ter conversa de banheiro. É extenuante e consome muito tempo, porque o Twitter é uma empresa extremamente democrática e com gente brilhante. Nossa cultura permite a liberdade de expressão e espaço de voz, principalmente para mulheres. Mulher no Twitter não é para fazer número e mostrar que tem 50% de share feminino na estrutura. Nossa tensão criativa faz com que tenhamos melhores resultados e melhores ideias.

Alê Oliveira

O que está além dos 280 caracteres do ponto de vista de vendas?
Para entender isso é preciso uma compreensão da missão do Twitter no mundo, que é estar a serviço das conversas públicas. O Twitter é uma plataforma aberta, pública e conversacional. Ninguém precisa pedir autorização para seguir ninguém, do Trump ao Neymar, sem restrições, nos debates e conversas. Ou seja, dar o poder de criar e compartilhar informações sem barreiras. As pessoas entram no Twitter para ver o que está acontecendo no mundo. Na economia, cultura, política, esporte e em qualquer área do seu interesse.

O que é mais rico na plataforma?
Quando você entra em uma conversa, como empoderamento feminino, por exemplo, aumenta o repertório pessoal sobre o assunto. Algumas redes sociais são ‘Look at me’: comida, viagem, festa, família etc. O Twitter é ‘look at this’: o que está acontecendo no mundo. Mostramos imediatamente como um argelino subiu em um prédio de quatro andares para salvar uma criança e como prêmio ganhou a cidadania francesa. Ou o movimento que surgiu na Copa do Mundo após uma repórter ser beijada sem sentido no meio do seu trabalho. Ou os incêndios na Califórnia e a tragédia de Brumadinho.

Como essas conversas colaboram para fomentar o interesse das marcas?
As marcas têm vários territórios. Uma instituição bancária que fala do empoderamento da mulher, finanças e temas sociais tem à disposição as reflexões desses assuntos. Por isso buscam na plataforma o que as pessoas estão falando e entram nessa conversa de forma muito natural. Um cartão de crédito pode se oferecer para melhorar viagens. O anunciante entra com sua publicidade nas conversas do Twitter e é isso que nós vendemos. Claro, tem um preço. O que incomoda as pessoas é a forma intrusiva. No ambiente ‘Look at me’, como uma festa de casamento, entra uma propaganda de pet shop, algo que não faz sentido. O Twitter consegue vender os espaços de forma natural.

Como essas tendências são identificadas?
Além do nosso lab, as marcas usam a ferramenta ‘listening’ para ouvir as conversas. Assim, conseguimos mapear os assuntos para fazer uma segmentação comportamental ideal para que a publicidade do anunciante esteja dentro de um contexto correto.

E como é a linguagem dos formatos?
Pode ser foto, meme, brincadeira, live e até um influencer. No Lolapalooza, influenciadores faziam filmes para o Periscope dentro de uma estratégia para o Bradesco. E é assim que geramos receita.

Dá para viver sem o Twitter?
Não! Mas eu sou adiccted. Não tem nenhuma plataforma com a cobertura do Twitter. Ainda tenho o hábito de ler jornal e livro físico. Mas a rapidez de acordar e ver o que está ‘trendando’, ou instantaneidade do que está sendo falado, já faz parte do meu dia a dia. Para quem trabalha com comunicação e notícias não tem preço. O acidente da Chapecoense foi noticiado primeiro no Twitter. Isso significa que a plataforma pauta os veículos de comunicação. Líderes políticos e religiosos recorrem ao Twitter para se manifestar. A Primavera Árabe teve voz com o Twitter. Não consigo ver outra plataforma cumprindo esse papel.

O Twitter vem pautando a mídia desde a primeira campanha presidencial de Barak Obama?
Como é cronológico, quando alguém posta alguma coisa, a cadeia de seguidores reverbera em segundos. No acidente com o avião da Amazon em Houston, no Texas, as pessoas foram para a asa do aparelho para pedir socorro. E pelo Twitter. A partir daí, a mídia correu para lá, assim como bombeiros etc. O jornalismo tem papel fundamental na sociedade. E os veículos são parceiros. Muitos jornalistas fazem cobertura com o Twitter. Temos oito jornalistas na plataforma que não criam notícias, mas fazem uma curadoria dos conteúdos mais relevantes.

E como funcionam as parcerias comerciais com os canais de mídia?
Temos projetos de cobertura como a Copa do Mundo no handle de um veículo no Twitter. Podemos vender cotas para marcas interessadas em se apropriar desse território, ou de qualquer outro, com conteúdo brand safe. E dividimos a receita. Tem outros, como o Masterchef, que disponibiliza pílulas no Twitter e as marcas que patrocinam o programa na TV podem se aproveitar do pre-roll. As possibilidades são infinitas. Temos uma relação simbiótica com os veículos e não de concorrência. Para se ter uma ideia de grandeza, 69% dos usuários acessam a plataformas enquanto assistem TV. Portanto, conversas no Twitter geram audiências para a TV. Se acontece algo no Big Brother, por exemplo, quem está no Twitter liga a TV para acompanhar.

O trend topic é automático?
É o algoritmo que decide. Muitas vezes as pessoas questionam que tem uma informação com menos tweets, mas está no trend topic. O que ocorre é que há uma combinação de volume de tweets e espaços de aceleração. Se as pessoas começam a falar, ele sobe, mesmo com volume menor. Mas é o algoritmo que calcula.

Como o Twitter lida com os bots?
Temos um projeto de saúde e civilidade para a plataforma. Temos usado machine learning para identificar contas que mandam muitas mensagens em um curto período de tempo para usuários que não seguem. Queremos sempre identificar se são pessoas ou robôs que estão fazendo isso. Se forem robôs, vão ser derrubados. Porém, nunca olhamos conteúdo, mas comportamento.