Seconds
Francisco Madia
Arthur gostaria muito de ter uma segunda vida. Bancário de meia idade, família convencional e relação fria com a mulher e a filha já adulta. Mas nada aconteceria não fosse um telefonema aterrador. O de um amigo que julgava morto e tinha comprado os serviços de uma segunda vida com a “Companhia”. Pediu a direção e foi adiante. Meses depois, um mendigo é atropelado e morto. Vai para uma cirurgia facial e vira Arthur. Enquanto isso, na sala ao lado, Arthur ganha uma nova identidade – Tony Wilson – e uma segunda vida.
O filme, de 1966, com direção de John Frankenheimer, adaptação do livro Seconds, de David Ely, Arthur é protagonizado por Rock Hudson. E os letreiros de abertura levam a assinatura do mestre do design Saul Bass. Anos depois, por curiosidade, Arthur volta para conferir, a distância, a família. A mulher casara-se novamente, a casa permanecia a mesma, mas a sensação de ter renascido desaparecera. Renascer, conclui, é uma impossibilidade absoluta. Então, por que deixar-se morrer? Ou matar?
Abilio Diniz vendeu seu sonho. No momento da entrega, fez tudo para recomprar. Isabela Capeto vendeu seu sonho e trabalhou feito uma condenada para recomprá-lo. Michael Klein vendeu o sonho de sua família, pai, seu, e hoje, volta e meia, tenta se reaproximar do sonho, à semelhança de Arthur. Na busca de um Seconds. Sua filha, Natalie Klein, fashion designer, casou-se com Tufi Duek, com quem tem dois filhos, Ava e Ezra, e é muito feliz. Poucas pessoas fizeram carreira, prosperaram, e construíram marcas de forma tão visceral, compulsiva e arrebatadora como Tufi. No início, jovem, vendia camisetas para amigos e construiu um pequeno império e marcas legendárias trabalhando 14 horas por dia: “De 52 fins de semana por ano, eu trabalhava 45”, declarou a Sylvain Justum, da GQ Brasil. Hoje, aos 61 anos, explode: “Destruíram o que levei quatro décadas para construir. A marca Forum merecia mais respeito”.
Março de 2008. A campanha de Barack Obama empolga o mundo. A crise das hipotecas, uma hipótese aparentemente distante. Em meio a uma série de circunstâncias, incluindo a morte de sua mãe, Tufi sucumbe e vende tudo – sua empresa, marcas, nome – para a AMC, de Alexandre Menegotti e mais três sócios. No portfólio da AMC estão Colcci, Sommer, Carmelitas, mais licenciamento da Coca-Cola Fashion. Vendeu tudo, repito: Forum, Triton, Forum Tufi Duek e Tufi Duek. Pela bagatela de R$ 251 milhões – o que equivaleria hoje, segundo Tufi, a R$ 700 milhões: “uma empresa saudável, com lucro líquido de R$ 40 milhões ano”. Maio de 2016, GQ Brasil: “Nos tempos áureos, os desfiles da Forum viajavam pelo Brasil como forma de fortalecer mercados regionais e expandir a marca. Fazer parte do universo Forum dava status, envolvia o sentimento aspiracional em uma calça com o célebre F no bolso traseiro…”. Tufi reconhece: “fui ingênuo, acreditei nas promessas que o grupo não mexeria na filosofia que implantei e fazia a engrenagem funcionar perfeitamente…”, hoje posso assinar Tufi Duek como designer, mas nunca mais como marca. Menegotti, o comprador, concorda e lembra: “A marca Tufi Duek foi adquirida pelo AMC e, portanto, não pode ser utilizada por terceiros, tampouco por quem a vendeu…”.
Goethe dizia que “quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a favor”. Aristóteles, que “a esperança é o sonho de um homem acordado”. E, Mario Quintana, que “sonhar é acordar-se para dentro”. E mesmo assim, Abilio, Isabela, Michael, Tufi, Herchcovitch e muitos outros empreendedores acreditaram ser possível venderem seus sonhos. O que existe de comum entre todos, e apenas, é que nunca mais conseguiram dormir em paz. Permanecem despertos; para dentro e para fora. Resta o conselho do saudoso Barão de Itararé: “Nunca desista de seu sonho. Se ele acabou numa padaria, procure em outra”.
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing