Setor de eventos prevê mudanças e novos formatos no pós-pandemia

Era 11 de março de 2020 quando a Organização Mundial de Saúde decretou a pandemia do coronavírus. A previsão da OMS, à época, era de que o número de pessoas infectadas e de mortes aumentaria em todos os países. Dali em diante, então, o que se viu foi uma série de decretos determinando o fechamento de shoppings centers, lojas de rua e parques, além do cancelamento de eventos por tempo indeterminado. O Brasil, que organiza e recebe cerca de 590 mil eventos anuais, parou.

Esse foi o capítulo mais trágico da história de um segmento que representa quase 13% do PIB do país e movimenta mais de R$ 930 bilhões por ano. Por conta da pandemia, o setor registrou um prejuízo de R$ 270 bilhões entre março e dezembro do ano passado, quando 98% dos eventos tiveram de ser cancelados. Ainda de acordo com levantamento do Sebrae Nacional, divulgado no início de 2021, o Brasil concentra 60 mil empresas e 2 milhões de microempresários dependentes, direta ou indiretamente, da realização de eventos. E o estrago foi grande: 3 milhões de pessoas, que trabalhavam no setor, perderam o emprego entre março e dezembro de 2020.

A queda na taxa de ocupação de leitos de UTI e de mortes, nos últimos meses de 2020, chegou a animar o setor. Em outubro, por exemplo, foi realizada a primeira edição da Expo Retomada, que ainda aterrissaria em Salvador e Goiânia, respectivamente em novembro e dezembro. O ano de 2021, que prometia começar já com uma retomada, não vingou. Os números voltaram a crescer e a preocupar especialistas e o poder público.

Primeiro dos 30 eventos-teste anunciados pelo governo de São Paulo, a Expo Retomada foi realizada em Santos: mostrar a aplicação dos protocolos de biossegurança contra o vírus (Divulgação)

No entanto, com o avanço da vacinação, novos horizontes voltaram a ser vistos, apesar de as consequências da Covid-19, e suas novas cepas, ainda preocuparem infectologistas do país – no dia do fechamento desta matéria, o número de mortes ultrapassou 1.300.

A primeira boa notícia para o segmento foi o anúncio do governo de São Paulo da realização de 30 eventos-teste, que vão contemplar de congressos a festas de casamento. Realizada nos dias 21 e 22 de julho, a Expo Retomada recebeu 1.264 visitantes e contou com 240 profissionais envolvidos na montagem, além de 50 expositores, no Santos Convention Center, no litoral paulista.

Uso obrigatório de máscaras, planta do evento desenhada para respeitar o distanciamento, acesso por QR code e dispensers com álcool em gel foram algumas das medidas adotadas no encontro, cujo objetivo era demonstrar a aplicação dos protocolos de biossegurança e, principalmente, a possibilidade da realização de eventos de negócios com a segurança necessária.

Como parte desses protocolos, na última semana, a organização divulgou o primeiro resultado da retestagem feita em alguns dos participantes: dos 463 participantes convocados, apenas três testaram positivo para a Covid-19. O resultado representa 0,64% das pessoas que circularam na Expo Retomada.

A notícia é positiva, mas a pergunta que fica é: como será o futuro do mercado de eventos no Brasil? 

Um dos idealizadores da Expo Retomada e diretor da Live Marketing Consultoria, Paulo Octávio Pereira de Almeida acredita numa readequação do setor no pós-pandemia. “Muitos novos eventos deverão surgir e outros vão se juntar”, prevê.

PO: eventos bianuais são mais propensos a mudanças (Divulgação)

Tendência que já pode ser vista na Europa, como o Salão Internacional do Automóvel. Além de ter mudado de Frankfurt para Munique, um fato histórico, o encontro vai ampliar o foco e passará a falar de mobilidade, segundo a Associação da Indústria Automotiva (VDA).

E o Brasil deverá seguir essa tendência, na opinião de PO. Os eventos bianuais, diz, são os mais propensos a buscar novos formatos, mais disruptivos. “Tenho uma leitura que o ciclo de inovação de eventos bianuais é mais baixo do que outros, como a moda por exemplo, que ocorre duas vezes por ano”.

O híbrido também é um formato que deverá permanecer no radar das empresas e organizadores de evento por um tempo. Fernando Lummertz, idealizador da Expo Retomada ao lado de Paulo Octávio, vê o virtual como um complemento do presencial. “Acho que, nesse sentido, há uma demanda reprimida dos eventos presenciais, que iremos ver serem complementados por transmissões digitais”, afirma. “Mas eu acredito que o ambiente online funciona muito melhor para um congresso, que pode ter sua audiência expandida pela tecnologia, do que para uma feira”, completa.

Lummertz fala que a feira é um evento que precisa do face to face, do contato e do ‘pleno funcionamento dos cinco sentidos’. Por isso, ele aposta em uma retomada mais forte justamente desse segmento. “É o mais avançado porque está ligado à retomada dos negócios, da economia”, afirmou.

Em relação ao tempo para este retorno acontecer, ele é otimista e prevê que em setembro ocorrerá uma volta gradativa de feiras e congressos. Em São Paulo, especificamente, o prefeito Ricardo Nunes autorizou a realização de feiras, convenções, congressos e outros eventos.

Presidente da Francal Feiras e da Ubrafe (União Brasileira dos Promotores de Feiras), Abdala Jamil Abdala afirma que o setor já estava pronto para a retomada desde o ano passado. Ele ainda enfatiza que é preciso diferenciar os diversos tipos de eventos que existem. “Em uma feira a gente consegue fazer um controle muito maior, além de ter as condições de colocar em prática os protocolos de uma maneira mais fácil”, diz.

Ainda segundo Abdala, a Expo Retomada foi o que chamou de aditivo para mostrar às autoridades que é possível, sim, fazer um evento com segurança. “É a separação do joio do trigo que demorou mais de ano para que as autoridades entendessem”, critica.

O executivo conta que, no ano passado, apenas uma das 16 feiras programadas pela empresa teve tempo de ser realizada. Entre as canceladas, estava a Francal (Feira Internacional de Moda em Calçados e Acessórios), que não foi realizada pela primeira vez em mais de 50 anos de história.

Outro evento tradicional no calendário do turismo brasileiro, o Fórum Panrotas também foi adiado pela primeira vez em 18 anos de trajetória. José Guilherme Alcorta, CEO da Panrotas, lembra que foi cogitada a possibilidade de migrar para o digital em 2020, mas faltaria o relacionamento, uma das principais características do fórum.

“A gente não queria ir para o digital porque, além do conteúdo, que sempre teve um peso enorme no fórum, outra característica é o momento do relacionamento, do encontro”, ressalta. Encontro este que será realizado entre os dias 29 e 30 de novembro deste ano, no Centro de Eventos Fecomercio, em São Paulo.

Além da falta do encontro, o presidente-executivo da Associação Brasileira de Marketing Promocional, Alexis Pagliarini, alerta que os recursos financeiros envolvidos nos eventos virtuais são, em média, 10% do que é empregado no presencial. “E isso não sustenta toda a cadeia”, frisa.

EVENTOS REPRESADOS
Ao ter a retomada, enfim, consolidada, o setor vai precisar lidar com outros problemas. O primeiro deles: a demanda represada. Fernando Lummertz acredita que as organizações terão de se rearranjar. “Por conta da quantidade de feiras, congressos, as organizações precisarão, em alguns casos, reduzir o número de dias, por exemplo”, sugere.

Outro problema, alertado por Paulo Octávio, será a falta de mão de obra para o setor. “Com o desemprego gerado pela crise da Covid-19, muitas pessoas migraram para outros setores, uma vez que o de eventos estava estagnado, e eu acredito que possa, sim, faltar mão de obra”, fala PO, que lembra também da Copa do Mundo, do Bicentenário da Independência do Brasil e do Centenário da Semana de Arte Moderna. Isso sem falar no Rock in Rio, adiado deste ano para setembro do próximo, e o Lollapalooza, previsto para ser realizado em março de 2022.

No mundo, no entanto, a situação está mais adiantada em relação ao Brasil, principalmente por conta da vacinação. Um dos principais campeonatos de futebol do mundo, a Eurocopa recebeu torcedores em algumas partidas, como a decisão entre Itália e Inglaterra, assistida por mais de 65 mil pessoas no estádio de Wembley.

Dados divulgados no começo do mês passado pela Imperial College London apontaram uma relação no aumento de número de casos no país com a boa campanha que a seleção inglesa fazia na Eurocopa.

O estudo React testou mais de 47 mil pessoas na Inglaterra entre 24 de junho e 5 de julho, e chegou a confirmar o que cientistas chamaram de ‘terceira onda substancial de infecções’. No entanto, o estudo mostrou que as infecções não se traduziram em um grande número de pessoas hospitalizadas ou de mortes. O motivo: a vacinação.

Luiz Calainho, controlador da holding L21 Corp, também aposta na imunização como um catalisador para a retomada dos eventos. “Não tenho dúvida de que haverá uma grande corrida aos eventos, de todos os tipos, de teatro a grandes shows”, ele diz. Calainho usa como exemplo o caso de Nova York, onde a procura por entretenimento presencial ‘virou uma loucura’.

A vacinação também é um ponto fundamental na opinião de Juliana Constantini, gerente de conteúdo musical do Multishow. “Acredito que teremos um segundo semestre mais otimista, com um pouco mais de possibilidades de criação, mas ainda com bastante cautela e sempre com protocolos muito rígidos”, defende.

MARCAS
Parte mais do que fundamental para a realização dos eventos, as marcas também aguardam o retorno do setor, muito embora elas ainda não tenham uma definição, e algumas informaram que preferem aguardar o avanço da vacinação e o maior controle da pandemia para se manifestar sobre a possibilidade de retorno.

Patrocinadora do GP Brasil de F-1 deste ano e da modalidade, a Heineken informou que ainda não existe uma definição sobre a realização de ativações. “Estamos olhando para o GP do Brasil 2021 com uma expectativa muito boa”, disse Guilherme Bailão, head of brand experience & sponsorship do Grupo Heineken no Brasil, sem dar muitos detalhes.

Mesmo assim, de acordo com o executivo, já existe planejamento desenvolvido e “parceiros novos comprometidos em promover experiências sem abrir mão da segurança e bem-estar do público presente”.

Mas a palavra que os anunciantes também têm usado bastante, além de planejamento, é adaptação. Por exemplo, a marca de lubrificantes Mobil participava das edições de feiras importantes, como a Fenatran e o Salão Internacional do Transporte Rodoviário de Cargas.

“Esses eventos deixaram de fazer parte da nossa nova realidade durante a pandemia. Mas nos adaptando ao contexto do cenário de distanciamento. Além disso, encontramos novos projetos, como o Cine Autorama, que apoiamos desde o ano passado”, lembra Marília Goldschmidt, gerente de marketing da Mobil.

ESPAÇOS, SHOWS, ARTES
Presidente-executivo da Ampro, Alexis Pagliarini faz questão de ressaltar outras empresas, de segmentos diferentes, que vivem da realização de feiras, congressos e shows, entre outros. “Cada R$ 1 investido num evento é capaz de movimentar R$ 30 nas atividades que gravitam em torno dele”, afirma.  

Os espaços de shows e eventos são um bom exemplo. Silvia Albuquerque, diretora do Riocentro e da Jeunesse Arena, está otimista com o reaquecimento do setor, e conta que, ainda neste ano, o Riocentro receberá as feiras Mega Gestante & Bebê e da Providência, além da Bienal do Livro, em formato híbrido.

Silvia Albuquerque, do Riocentro: reaquecimento do setor (Divulgação)

“Vemos um movimento do mercado de acompanhar a situação da cidade e os planos municipais de vacinação, propondo em paralelo novos modelos e formatos que preservem o bem-estar de todos, com áreas ao ar livre mais amplas, público reduzido, visitação em turnos e ingressos apenas online, entre outros protocolos”, afirma.

No entanto, o diretor de operações da GL Events Brasil, responsável pela São Paulo Expo, Daniel Galante, enfatiza que é necessário tempo para ser realizado após a liberação. “Tendo a liberação, necessitamos de um prazo de 60 dias, porque muitos atores estão envolvidos nessa engrenagem”, diz.

Empresa de shows e eventos, a Opus Entretenimento retomou a programação na capital paulista e em Natal (RN), mas o vice-presidente Lucas Giacomolli acredita que já em outubro será possível receber mais pessoas.

“Já no primeiro trimestre de 2022 a nossa expectativa é de que não teremos mais restrições de público e inclusão de protocolos. Mas é claro que isso ainda é muito incerto, que depende da efetividade da vacina e tantos outros pontos”, diz.

Um dos players do segmento de emissão de bilhetes de ingressos, a Eventim Brasil também está se preparando para a retomada. O CEO da empresa no Brasil, Donovan Ferreti, revela que já existe conversas com produtores a fim de planejar justamente a venda de ingressos. “A demanda será altíssima”, diz o executivo.

Um exemplo foi a venda dos ingressos para o GP Brasil de F-1, previsto para ser realizado no dia 7 de novembro, no autódromo de Interlagos, em São Paulo. “O evento que entra em venda, logo desaparece, porque as pessoas estão buscando atividades fora, que se pode socializar”, destaca.

A socialização também é uma questão importante para as artes, como defende o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron. E isso, na sua concepção, será um dos fatores que farão as pessoas demandarem por atividades artísticas. “As artes do palco exigem presença, exigem interação com o público. O enfoque do olhar influencia bastante na dramaturgia”, diz.

Pesquisa realizada recentemente pelo Itaú Cultural em parceria com a Datafolha mostrou que, diante da oferta simultânea de shows de música ao vivo e online, 62% optariam pela experiência presencial, patamar igualmente verificado entre os visitantes de centros culturais.

Em apresentações de circo, teatro ou dança, a modalidade presencial também surge como a preferida, segundo 64% dos respondentes. O mesmo índice é encontrado para apresentações infantis.

Além disso, o estudo revelou que a volta das atividades culturais deve provocar maior circulação dos indivíduos nas cidades. Segundo o levantamento, 51% dos entrevistados disseram que pretendem realizar atividades culturais fora de seus bairros, quando a rotina voltar ao normal. Em 2020, o índice era de 44%.

Os que diziam que frequentariam atividades culturais em seus bairros somavam 47% em 2020. Este ano, são 32%, uma redução de 15 pontos percentuais, o que mostra maior disposição para circular pela cidade para desfrutar de atividades culturais.