Simbiose com publicidade inspira novo momento criativo no PR

Em fevereiro deste ano, as crianças da comunidade amazônica Tapara Miri, no Pará, recebiam visita inusitada. Homens e mulheres da cidade grande trouxeram livros para colorir, giz de cera e capas de super-herói. Mais do que entreter os pequenos, a iniciativa tinha outro propósito: proteger a população local contra malária e febre amarela. 

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Crianças da comunidade Tapara Miri, no Pará, receberam kits para colorir com repelente. Ação faz parte do projeto Histórias Seguras

A ação fez parte do projeto Histórias Seguras – Guerreiros da Amazônia (Amazon Warriors Safe Collection), idealizada pela Little George/Ketchum para a Ananse, empresa que utiliza nanotecnologia para fragrâncias de perfumes. A ideia de combinar óleos naturais e aplicá-los no material infantil como repelente acaba de ganhar um Leão de bronze em Health & Wellness e prata em PR no Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions. O ano foi histórico para o mercado brasileiro de relações públicas, que levou dez prêmios, melhor desempenho desde que o PR Lions foi criado, em 2009.

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Projeto Histórias Seguras – Guerreiros da Amazônia (Amazon Warriors Safe Collection), idealizado pela Little George/Ketchum para a Ananse, ganhou dois Leões em Cannes

“Agências de PR têm esse raciocínio de pensar a campanha já desde o início baseada em mídia conquistada. O que fazemos de melhor é gerar grandes conversas e engajar diversos públicos”, ressalta Gabriel Araújo, vice-presidente executivo de criação da Little George e integrante do júri no festival.

O publicitário está à frente da operação desde que foi criada, há pouco mais de um ano, e reforça o movimento de migração de criativos para o mercado de relações públicas. A mudança é um dos fatores que tem contribuído para o fortalecimento do chamado creative PR. Globalmente, a Little George é a única no Grupo Ketchum a oferecer serviços 360º para anunciantes, inclusive desenvolvendo campanhas publicitárias e compra de mídia, o que antes era visto como o limite de onde termina o trabalho de relações públicas e começa o de publicidade.

Para Yacoff Sarkovas, CEO da Edelman Significa, as mudanças impostas pela tecnologia tornaram a indústria da comunicação mais cinzenta, com áreas de atuação integradas, exigindo das agências de PR novos olhares para se manterem relevantes. “A área do PR saiu do armário, não se esconde mais apenas na estratégia de divulgação, mas em todo o projeto criativo. Está todo mundo tentando se deslocar para esse mundo com menos fronteiras”.

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Yacoff Sarkovas é CEO da Edelman Significa

Monica Lourenci, diretora-geral da Zeno em São Paulo, que acaba de conquistar a conta global de PR da Avon, concorda. A executiva destaca que criatividade não deve ser patrimônio de determinado setor da comunicação. “Uma ideia criativa pode vir de qualquer lugar. Os muros caíram. Creative PR é isso, os muros caem nas mídias, na comunicação e nas disciplinas também. Integramos, de fato, a comunição”, diz.

Com a conquista da conta, a agência estará à frente do desenvolvimento de estratégias globais de PR para os principais lançamentos e iniciativas para os 15 mercados-chave da Avon. “O PR sempre esteve próximo da estratégia das empresas, da gestão da marca corporativa, e hoje temos a vantagem de ter essas duas perspectivas aliada à criatividade”, afirma Monica.

Cultura de relações públicas

Os últimos cinco anos foram marcados pelo movimento mais intenso de aquisição de agências de PR por grupos de publicidade, que impactou diretamente seu modelo de negócio. Se no passado o trabalho de relações públicas estava ligado ao relacionamento com a imprensa, a proximidade com o ambiente de propaganda influenciou não só a estrutura do PR, como serviços e posicionamento.

Esse foi o caso da Máquina Cohn & Wolfe, adquirida pela Cohn & Wolfe, ligada ao Grupo WPP, em 2016. Segundo Marcelo Diego, CEO da empresa, a companhia já se posicionava como agência de marketing integrado, mas evoluiu seu posicionamento global, oferecendo serviço completo de brand experience. Como resultado, passou a ter papel mais ativo em todo projeto para marcas.

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Marcelo Diego é CEO da Máquina Cohn & Wolfe, do Grupo WPP

“As agências de PR eram incluídas já no final do processo criativo, mas hoje participamos desde o começo. Isso nos tirou da zona de conforto, mostrando necessidade de agregar pessoas de perfis diferentes. Antes éramos focados em jornalismo e RP, hoje agregamos profissionais de comunicação corporativa, game, TI, ciências sociais e publicidade. Tem de ser uma equipe multidisciplinar porque nunca se sabe o tamanho do desafio do cliente”, afirma Diego.

No caso da Sonae Sierra Brasil, rede que administra shoppings center em todo o país, o desafio era desenvolver campanhas promocionais que atraíssem os clientes ao mesmo tempo em que gerassem engajamento em longo prazo. Foi então que a companhia decidiu centralizar sua conta 360º numa agência de PR, apostando na comunicação mais horizontalizada e na capacidade de mobilizar atenção do consumidor.

Desde 2016, então, a Edelman Significa assumiu a responsabilidade de criar e executar as campanhas promocionais, além de ações de digital, relacionamento com influenciadores e relações públicas. “Deixamos de fazer concursos que premiavam com automóveis, algo comum no mercado de promoção, e apostamos na comunicação baseada em histórias reais. O conceito de determinadas efemerides do varejo também foram ampliadas. Mudamos o Dia dos Namorados para o Dia de Amor, celebrando novas formas de relação”, explica Sarkovas.

“Queremos que os nossos clientes recordem das experiências vividas nos nossos shoppings, além de ocupar um espaço na sua memória afetiva. Conseguimos identificar essas mudanças com a repercussão do tom mais humano das nossas novas campanhas”, conta Laureane Cavalcanti, diretora de marketing e comunicação da Sonae Sierra Brasil.

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Laureane Cavalcanti lidera o marketing da Sonae Sierra Brasil

Num momento em que a imagem das marcas está cada vez mais à prova e evidenciada com a popularização das redes sociais, a reputação volta a exigir dos anunciantes atenção com sua imagem. “Os consumidores querem mais que uma marca em um outdoor ou anúncio de TV. Eles buscam informações sobre as marcas em todos os lugares, a decisão de consumo envolve a construção dessa imagem e reputação”, ressalta Jô Ristow, VP da CDN, agência de PR que integra o Grupo ABC.

Para Edson Giusti, da agência de PR que leva seu sobrenome, as redes sociais abriram nova oportunidade para o mercado, uma vez que multiplicam as ações realizadas. Não à toa, o relacionamento com a imprensa foi estendido para novos formadores de opinião na internet. “Com o surgimento de novas plataformas, a comunicação se tornou mais veloz. As redes sociais deram força para o PR à medida que funcionam como multiplicadoras de conversas”.

Com a rapidez das interações no digital, o consumidor assume um novo perfil, tornando-se mais exigente e “vacinado” sobre os possíveis truques para atingi-lo, na opinião de Sarkovas, da Edelman Significa. “A criatividade tem a capacidade de ‘essencializar’ as mensagens e estabelecer ligação afetiva com a audiência. Ninguém está disposto a se relacionar com a marca simplesmente por algo curioso ou engraçadinho que ela faça. Hoje o público é mais cascudo, vacinado para aquilo que constitui a essência da criatividade e, se não tiver lastro de substância, terá pouco poder de engajar”, afirma.

A esse caldo, acrescenta-se o cenário de crise econômica e política no país, que exige das marcas soluções mais assertivas de investimento. Para Monica, da Zeno, o ambiente não poderia ser mais propício para o PR, que consegue entregar ações que não despendam grandes budgets, mas que traduzem a personalidade da marca por meio de uma comunicação de igual para igual.

“O vídeo de 30 segundos está deixando de ser tão milionário à medida que há hoje múltiplas plataformas de mídia e verbas cada vez menores. É preciso criar maneiras de planejar, criar e contar histórias de forma mais acessível, e o PR está no meio disso. A publicidade era top-down e, quando o PR entra nessa conversa, ela se torna mais horizontal”, defende.

Benefício mútuo

Apesar do resultado histórico de PR em Cannes este ano, nove dos dez prêmios foram concedidos para agências de publicidade, o que evidencia como a cultura de PR tem sido assimilada e reproduzida por outros players no mercado. Apenas a Little George tem origem em uma empresa de PR, revelando um caminho de oportunidades ainda pouco trabalhado.

Ainda assim, executivos do setor enxergam com bons olhos o desempenho, e ressaltam que Cannes mostrou ao mercado que é possível que as boas ideias também venham do PR. “A boa ideia vem de qualquer disciplina da comunicação, a partir do momento que você pesquisa, entende o consumidor, a mídia e o business do cliente. Cannes reflete um pouco desse movimento. Essa vai ser cada vez mais a tendência para PR”, aposta Monica, da Zeno.

Marcelo Diego, da Máquina Cohn & Wolfe, chama a atenção para o debate não virar disputa entre agências de publicidade e de PR. O executivo lembra que em um cenário onde as funções não são mais definidas, o trabalho conjunto e integrado é a melhor forma de garantir resultado esperado pelo cliente. “Esse cenário não deve criar disputa entre irmãos. Somos complementares. Fazemos parte do Grupo WPP porque ele se deu conta que o mercado está mudando, daí a integração em seu portfólio de agências com perfil mais analítico, consultorias e PR para que o cliente tenha tudo dentro de casa. Se uma agência de publicidade tiver a melhor solução, nada mais natural que ela faça. Nosso mercado é hoje mais simbiótico do que exclusivo”.

Para garantir soluções cada vez mais criativas, como em qualquer outra disciplina, o processo criativo do PR também passa pela atualização profissional e de tecnologia. Para Gabriel Araújo, da Little George, sem isso é impossível gerar as conversas, carro-chefe do PR. “Há várias parcerias criativas com agências de PR, mas a maioria das ideias ainda vem de agências tradicionais. A tendência é crescer e já percebo um grande movimento de empresas como In Press Porter Novelli e Edelman Significa, que já possuem escopo criativo. Hoje em dia buscamos a big idea para gerar awareness media, mas se a ideia não for boa, vai gerar o quê?”.

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Gabriel Araújo é VP executivo de criação da Little George

Em busca justamente dessas boas ideias, as agências estão aprofundando seu conhecimento em big data, números e estatísticas para novos insights criativos. “O que é criatividade, afinal? Não é coisa de gênio que vem de uma agência mágica. Trabalha-se com imersão. O mercado exige novas narrativas, jeitos de transmitir a mensagem, e isso é revolucionário”, finaliza Marcelo Diego.