Sobre amor e ódio

Já diziam os antigos que, depois que alguém cria fama, basta deitar na cama para continuar sendo lenda. As pessoas, por um motivo que Freud tentou desvendar, todo psicanalista iniciante conhece. E eu não sei por que arrumam o mundo construindo um enredo que possa lhes dar um pouco mais de tranquilidade na vida. A surpresa irrita o ser humano. Constantemente estamos estabelecendo cenários e papéis que podem ou não se aproximar de uma realidade compartilhada (nem por isso verdadeira). A loucura, assim como entendemos, é fruto de uma mente inconformada com o drama já montado e aceito.

A iconoclastia é, simplesmente, a raiva que sentimos quando, depois de eleger alguém como ídolo, esse alguém insiste em agir por conta própria. Temos verdadeiro ódio quando nossos ídolos agem de uma forma que os tornam parecidos conosco, principalmente nos defeitos. Se temos admiração por uma pessoa, criamos imediatamente para ela um modelo de comportamento absolutamente sem liberdade. É bem verdade que, em alguns casos, somos capazes de perdoar alguns traços humanos como o alcoolismo de Garrincha, as manias de Roberto Carlos ou as trampolinagens de Romário.

E somos cruéis com a maioria daqueles que escolhemos para admirar. Chico Buarque (ó Deus!) é um merda de um petista, como se isso tivesse algo a ver com seu incomensurável talento. Pelé, maior atleta do século, ganhou fama de boquirroto e mau pai por causa da filha que só conheceu já quase velho e que lhe exigia amor. Não me lembro de uma besteira que ele tenha falado, a não ser que eu acreditasse que considerar o brasileiro como péssimo eleitor seja uma injustiça. Chico, além de petista, dizem que não sabe cantar, mesmo que evidentemente seja, em muitos casos, o melhor intérprete de suas músicas. O vilão do momento é Neymar ou, pelo menos era, quando comecei a escrever estas linhas semana passada, antes do jogo com a Sérvia. Quando vocês estiverem lendo ele pode estar sendo considerado um perna de pau sonegador de impostos ou o maior jogador de todas as Copas em todos os tempos.

Dependendo da classificação brasileira, é capaz de louvarem sem reservas sua imensa capacidade de influenciar o juiz, talento histriônico que nenhum outro jogador de futebol jamais teve. Não se sabe qual a reação pública a favor ou contra aqueles que escolhe amar ou odiar. Outro que está na mira dos linchadores é Galvão Bueno, como leio e ouço nas conversas e nas redes sociais, mesmo que o número de pessoas que tiram o som da TV para se livrar do Galvão seja ínfimo. Mesma coisa acontece com as novelas. Há muito tempo que não conheço ninguém que confesse acompanhá-las.

Mas as audiências só aumentam. Pode ser mentira do Ibope, claro, ou da TV Globo, que ninguém admite assistir. Na contramão da maioria eu tenho imensa simpatia pelo Neymar e sou fã de seu futebol. E acho o Galvão Bueno muito bom. Também gosto dos comentaristas, que muitas vezes falam o óbvio, embora eu acredite que seja quase impossível numa partida de futebol de 90 minutos ser permanentemente original. Agora você há de perguntar: onde esse animal desse Lula Vieira quer chegar? Eu respondo. Não sei sobre o que falar.

A pior coisa do mundo é escrever um artigo com muita antecedência. Que leitor eu encontrarei? Um cara que acha que o Brasil é o pior país do mundo, falido, povoado por um bando de ignorantes ou a mãe gentil do povo mais esperto, inteligente e bem-humorado da face da Terra? Estaremos nos preparando para liderar o mundo civilizado ou imigrando todos para o Haiti? Dependendo do resultado da Copa vamos sair às ruas de verde e amarelo ou vamos jurar que detestamos futebol? Esse é o problema. O que você vai achar de mim, um cronista de merda, velho e sem graça que volta a um assunto que a ninguém mais interessa, ou um arguto observador da vida? Depende de nossa classificação na Copa. Eu só tenho um consolo. Seja qual for a conclusão a que se chegue, todos estarão errados.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)

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