Sobre dificuldades e amigos

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Fabio Seidl

A feijoada foi inventada na escassez. Na falta de coisa melhor, os escravos resolveram aproveitar as partes dos porcos que seus senhores não comiam e acrescentá-las ao feijão preto.

Aleijadinho, filho de escravos, tinha uma doença degenerativa nas articulações, o que não o impediu de continuar sendo artista, um dos maiores do seu país.

Garrincha, artista de outra área, tinha as pernas tortas. Ronaldo voltou a ser um fenômeno depois de ter uma perna quebrada, dilacerada e depois reconstruída.

Alguns dos maiores craques da música brasileira surgiram em tempos complicados de repressão: Caetano Veloso, da Tropicália, Mutantes, Chico, Raul e Tim Maia.

Foi também nos anos de chumbo que surgiram os punks das canetas e máquinas de escrever: o Pasquim de Jaguar, Millôr, Ziraldo, Henfil, a maioria deles, aliás, acabou presa.

Quando José Padilha meteu na cabeça que queria fazer um documentário sobre o Bope descobriu que nenhum policial queria dar depoimentos. Mesmo sem nenhuma experiência na área de ficção, ele não desistiu e filmou Tropa de Elite, o filme mais bem-sucedido da história do cinema brasileiro.

É. Nada inspira como a dificuldade.

Foi ela quem lançou o homem ao mar e depois ao espaço. Essa fixação pela inconsequência de mostrar o que só você está vendo. O alarme despertador que toca na cabeça quando alguém usa a palavra “impossível”. A vontade de fazer primeiro e de apagar o sorrisinho preguiçoso daquele incompetente que prefere dizer que você é teimoso, maluco e não dá para fazer.

Quando me falam que não dá para fazer alguma coisa que eu acho que dá, aí é que eu quero fazer mesmo. Só é maluco quem acha que dá para fazer sozinho.

Padilha descobriu apenas na edição que seu filme, que foi inteiro filmado com o personagem André Mathias como protagonista, ficaria melhor se fosse montado de novo em volta da história do Capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura. Foi sugestão da mulher de um dos roteiristas e contou com um debate com os produtores.

No Pasquim, depois da prisão dos seus editores, mais gente boa se juntou a eles. E os leitores do jornal fizeram ele ser mais vendido que as duas maiores revistas do país juntas na época: a Manchete e uma tal de Veja.

Quando vários músicos brasileiros saíram do cárcere ou voltaram do exílio encontraram outros músicos, produtores e radialistas que acreditaram neles.

Garrincha teve Pelé. Ronaldo teve Rivaldo. E mais 20 no time e no banco.

Aleijadinho teve um amigo e ajudante que amarrava as ferramentas nas suas mãos.

E feijoadas, como sabemos, são impossíveis de comer sem amigos, que sempre trazem uma cervejinha gelada. E tem sempre aquele que faz a melhor caipirinha.

Nada inspira como a dificuldade e os parceiros, companheiros e amigos que estão ao seu lado na hora da dificuldade. Criativos, atendimentos, planejamentos, mídias, clientes, produtores, chefes, gente que acredita que, se fosse fácil, a gente tinha escolhido outra profissão.

Fabio Seidl é Group Creative Director da 360i NY