Sobre meias verdades e pós-mentiras
Nunca na história da humanidade fomos tão mentirosos como hoje. A afirmação é de Luiz Felipe Pondé, filósofo no estilo “ame ou odeie” e foi pescada em seu livro Filosofia para corajosos. Concorde-se ou não com suas intempestivas opiniões, é preciso reconhecer que a frase é oportuna e me faz voltar a um dos meus assuntos favoritos: o valor do bom jornalismo.
Não por acaso, o “filósofo” que Pondé mais invoca em seu livro é Nelson Rodrigues, talentosíssimo jornalista que tinha entre seus vícios o dom de dizer a verdade. Nestes tempos em que virou moda a expressão pós-verdade, o mundo anda carente daquele olhar nu e cru, sem firulas, sem mimimi. Que festa faria Nelson Rodrigues hoje escrevendo em algum jornal, revista ou blog?
Em meio à Lava Jato, ao escândalo da carne, à farsa da publicidade online, fica a gigantesca responsabilidade da imprensa de relatar os fatos separando o joio do trigo.
Tanta coisa soando a meia verdade e pós-mentira nos atordoa, confunde, e me parece uma ótima oportunidade para que os veículos com marcas (ainda) bem estabelecidas se posicionem com base em um princípio muito simples: o da honestidade.
Uma oportunidade se abre para veículos sérios se posicionarem mais claramente, voltando-se para alguém muito importante, cada vez mais essencial, e por que não dizer (já que o mood de hoje é “rodrigueano”) um pouquinho renegado pelo modelo de negócios da imprensa que vivemos até aqui: o leitor. Falemos francamente: o leitor nunca foi fundamental para pagar a conta do jornalismo qualificado ou garantir a liberdade na imprensa. Mas essa conta vem mudando. Talvez, nunca antes na história, o futuro do bom jornalismo tenha pertencido tanto aos leitores. E também o do mau jornalismo – esse vale tudo desenfreado onde tudo pode e que jogou farsantes e competentes em um grande caldeirão confuso e impreciso.
O The Guardian captou o espírito do tempo e percebeu a força do movimento de “empoderamento” (desculpem o uso do clichê) dos leitores: sua editora Katharine Viner escreveu, há uns dez dias, um editorial histórico. Dirigiu-se aos leitores e “apoiadores” para agradecer pela aposta que eles vêm fazendo no jornal. Não agradeceu empresas ou anunciantes. Agradeceu pessoas, especialmente as que individualmente têm desembolsado valores variados para ajudar a apoiar o jornal, que escancarou suas crenças progressistas e liberais sem medo e posicionou-se, claramente, entregando jornalismo de altíssima qualidade. Isso tem valor. E levou o jornal a superar a baixa de publicidade, retomando sua força com a ajuda dos assinantes e desses novos figurantes em cena: pessoas que apoiam, simplesmente, o bom jornalismo.
Anunciantes são e sempre serão essenciais para a liberdade e a sobrevivência de qualquer negócio no jornalismo, mas quem não abrir os olhos e se preocupar em estreitar laços com a audiência, reconquistando e cuidando dos seus leitores, muito em breve não estará aqui para participar dessa história.
Em tempo: Pondé, que eu mencionei no início, falará sobre a disseminação de notícias falsas e os males de uma sociedade que acredita em mentiras no encontro que a Aner promove no dia 4 de abril, em São Paulo.
Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK no Rio de Janeiro