Sociedade dos publicitários mortos

 

Obladi, obladá

 

Certa vez fui ao clínico geral para exames gerais. Ele começou com aquela anamnese sobre hábitos e estilo de vida. Fez algumas perguntas e chegou ao quesito bebida. Sondou-me:

–       Bebe?

–       Sim.

–       Socialmente?

–       Em termos.

–       Saberia quantificar?

–       Hummm, pergunta difícil…

–       Pouco, médio, muito?

–       Mais que muito.

–       Quanto?

–       Publicitário.

Em meu caso, e de muitos outros colegas de Publicidade, grande parte dessas libações era feita no mitológico Pandoro, casa que encantou gerações e hoje não está mais entre nós. Tomei contato com o local ali por 1999, quando trabalhei nas cercanias da Avenida Europa, mais precisamente na DPZ Propaganda.

Depois que me socializei com os colegas de agência formamos um grupo batizado de “Sociedade dos Publicitários Mortos”. Sentávamos numa daquelas mesas, com cadeiras forradas em couro fake, todas as quintas-feiras para conferenciar sobre as moças da firma. Aquela era um avião, aqueloutra estava livre e solta e assim por diante —e por trás também.

A bebida da moda não era o negroni, mas o whisky on the rocks. Nos dias em que recebíamos a paga íamos de Dimple, nos outros 25 dias do mês de Cavalo Branco. O Pandoro possuía uma grande cozinha “internacional”, mas pouco experimentávamos dela. O destaque era para as coxinhas-creme e empadas preparadas numa espécie de rotisserie anexa ao salão principal.

Por causa do Pandoro, os membros da nossa irmandade secreta desenvolveram um infalível xaveco à época. Perguntávamos às vítimas se já tinham ouvido falar de uma bebida chamada caju amigo. Como tratava-se de uma beberagem absolutamente underrated, as moças a ignoravam solenemente. Era a deixa para se dizer que o drinque era algo que elas precisavam conhecer imediatamente. No Pandoro, claro.

Conversa mole, vodca, açúcar e caju caramelizado derrubam as muralhas mais intransponíveis.

E assim seguimos, durante mais de três anos, fazendo daquele velho bar —que parecia o saguão do antigo aeroporto de Congonhas —o nosso segundo lar.

Namoros começaram, casamentos acabaram, aprovação de campanhas foram celebradas, demissões pranteadas.

Não conheço mais nada parecido com aquilo na cidade de São Paulo hoje. Até tentaram reabri-lo, mas a gourmetização obscurantista acabou matando o macróbio estabelecimento.

Quem bebeu, bebeu; quem comeu, comeu. Só acho que ainda deviam fazer uma estátua na porta em memória ao caju amigo.