"Streaming é a bola da vez do segmento fonográfico", diz diretor-geral do Deezer
Com apenas 100 milhões de assinantes pagos no mundo, os serviços de streaming ainda enfrentam o desafio de fazer o consumidor pagar por conteúdo na internet, mas, aos poucos, esse cenário está mudando. Para conquistar não apenas novos usuários, mas também marcas interessadas em formatos de mídia menos ortodoxos, o Deezer tem explorado conteúdos customizados em parcerias com operadoras de telefonia, clubes de futebol, gravadoras e grandes marcas. Bruno Vieira, diretor-geral do Deezer no país, fala sobre as estratégias da plataforma.
Bruno Vieira: “tivemos uma geração que nunca pagou por música. É um trabalho em conjunto”
Qual é o perfil dos consumidores de streaming de música no Brasil e no mundo?
Quando a gente olha o perfil de faixa etária, o Brasil é bem similar em relação aos outros países. A gente tem um público que vai dos 18 aos 40 anos de idade, mas quando observamos a base de pagantes, ela está na faixa entre 25 e 35 anos. Falando de classe social, diferentemente do perfil global, o Brasil tem essa característica sociodemográfica das classes A, B, C, D e E, que não há nos EUA e Europa, mas a gente atinge principalmente as classes B, C e D. O consumo no mobile é nosso principal carro-chefe. E a gente vê um público cada vez mais jovem aí.
Como é o modelo de monetização do Deezer, além da base de assinantes?
Temos diversos formatos, entre os mais procurados estão mídia display, spot com imagem associada ao áudio e vídeo. Recentemente, também lançamos o feature FM, formato que em vez de o usuário ouvir uma propaganda, a gravadora disponibiliza uma música patrocinada que deseja divulgar. Temos ainda formatos customizados em que o anunciante pode comprar um canal ou patrocinar uma playlist específica.
Vocês têm investido em projetos de co-branding também. Pode explicar como funcionam?
Há dois anos temos contrato com a Tim. No Tim Music by Deezer, todo cliente nos planos pós-pago e controle tem nosso serviço gratuito, sem precisar utilizar seu pacote de dados. As operadoras dominam uma base que tem acesso a tecnologia por meio do smartphone, além de serem um meio de tarifação para o serviço de streaming, algo superimportante quando vemos as limitações de penetração de cartão de crédito no Brasil, que é de apenas 30%. Quando vemos uma operadora de celular com mais de 70 milhões de usuários e todos eles têm um meio de pagamento à mão, é superestratégico para a gente usar esse meio de pagamento para tarifar esse serviço na hora que convertermos esse consumidor em assinante premium.
E quanto às parcerias de conteúdo com clubes de futebol, como Barcelona e Flamengo?
Essas parcerias com grandes nomes do futebol mundial são relevantes tanto para aumentar o awareness da marca Deezer quanto para atrair novos consumidores. Com a criação desses canais oficiais dos clubes, trazemos uma oferta diferenciada de conteúdo. Ali, o usuário tem a playlist de cada jogador, músicas dos anos históricos e principais títulos, enfim, vamos desenvolver uma série de conteúdos exclusivos em áudio, como entrevistas com a equipe e narrações de gols. Com isso, criamos uma nova modalidade de relacionamento com os torcedores.
Qual é a abertura dos anunciantes para investir em novos formatos?
É um desafio global e local. Se você olha os números globais do streaming, o advertising é muito pequeno, por isso nosso foco de tentar converter o usuário gratuito em assinante pago, porque a margem e a receita é muito maior. Falando localmente, o profissional de mídia que compra no digital ainda não sabe o que é o áudio spot. Ele nunca comprou uma mídia de áudio digital e não sabe nem com quem produz o material. Outro problema é que o cara do digital está querendo comprar inventário com tiro de canhão, enquanto o streaming é mais focado em experiências. E em um ano de crise, o volume de mídia alocada para experiência é o primeiro a ser cortado. O mercado de publicidade ainda acha o streaming muito complexo.
Há alguma sinalização de que esse cenário esteja mudando?
A gente vê formadores de opinião que trabalham nas grandes marcas e são usuários dos serviços de streaming liderando esse movimento. Eles veem as plataformas como instrumento de aproximação e de relacionamento com seus clientes. É daí que têm surgido projetos customizados muito bons, às vezes, via agência de publicidade, ou com contato do anunciante diretamente com a gente.
Pode citar alguns desses cases?
Tivemos, por exemplo, para a Renault, uma ação envolvendo um gift card. O cliente comprava um automóvel e recebia degustação de seis meses do Deezer, além de uma playlist customizada para diferentes tipos de viagem. A ideia é a possibilidade de a marca personalizar a experiência musical de quem está comprando. É como associar o estilo de vida que a marca identifica no comprador com a música.
Quais mercados tendem a incorporar os serviços de streaming de música?
O mercado de automóveis é um grande filão, porque a música está muito presente nos carros, e a evolução tecnológica possibilita a nossa entrada. As gravadoras, obviamente, representam uma fatia importante, mas temos percebido também o interesse de marcas de cosméticos, como Natura, Cenoura & Bronze e Avon.
Como o streaming de música tem impulsionado o mercado fonográfico?
A receita do mercado fonográfico digital já passou a do físico, e a maior parte do segmento digital vem do streaming, portanto, é natural que a gente tenha se tornado o foco das gravadoras. O streaming é a bola da vez do segmento fonográfico. Trabalhamos da seguinte forma: dividimos a receita proporcionalmente entre as gravadoras de acordo com o número de execução das músicas dentro do serviço. Se o usuário ouve muito o conteúdo de uma gravadora, ela vai crescer e ganhar maior parte do bolo. Por isso elas investem em publicidade na plataforma.
Quais são as iniciativas para oferecer ao consumidor experiências além da plataforma digital?
Este ano queremos nos diferenciar pela proposta de conteúdo exclusivo, quer seja gravando, fazendo entrevistas ou podcasts, e abrindo novas oportunidades para as marcas participarem. Na hora de fazer um live de determinado artista, por exemplo, uma marca que tenha a ver com aquele contexto pode estar junto, como patrocinadora. Vamos dar mais foco para determinados estilos musicais, como o sertanejo, que representa 60% da nossa audiência. Olhando nosso top 10 artistas, todos são brasileiros. Percebemos que o público gosta de música nacional, ele quer cantar junto, daí a nossa feature que o usuário acompanha a letra enquanto ouve música, como em um karaokê. O gospel, em que começamos um trabalho mais forte ano passado, abre outra janela de oportunidade.
Como funcionará o estúdio Deezer e a geração de conteúdo nele?
A gente acabou de fechar o andar de cima aqui e acredito que até o fim deste mês a gente já tenha esse espaço para entrar no calendário dos artistas da mesma forma como era o rádio antigamente. No passado, quando a gravadora ia lançar um artista, ele tinha uma agenda de visitas às rádios locais, agora ele vai ter uma agenda de streaming de música também. Vai passar aqui, cumprir uma série de atividades que gerem proximidade e engajamento. O estúdio é para criar conteúdo, entrevistas, fazer live, enfim, vai ser bem multiuso.
O fato de o serviço de streaming ser pago ainda é um dificultador?
O desafio do streaming é a mudança no hábito de consumo, principalmente em mercados emergentes em que a pirataria se expandiu de diversas formas. Por muito tempo não se pagou pelos direitos fonográficos, e ainda hoje há muitas brigas na Justiça, mas o uso do YouTube, por exemplo, que não é ilegal, tem suas limitações. Você não consegue ouvir offline, nem em segundo plano no mobile. Se olharmos na escala global, há 100 milhões de assinantes de streaming de música pagos no mundo. É muito pouco. É um negócio pequeno, mas que já é a maior receita da indústria fonográfica mundial. Nos últimos 10 anos tivemos uma geração que nunca pagou por música. É um trabalho que precisamos fazer em conjunto. Tem de haver o movimento do artista, porque, se ele passar a mensagem, é mais fácil de o fã assimilar.
Cativar esse fã com conteúdos exclusivos é uma forma de fidelizá-lo?
Exatamente isso. É por esse motivo que estamos nos especializando na produção de conteúdos exclusivos. O formato faixa a faixa, por exemplo, permite que o artista comente o próprio álbum. Temos também os shows ao vivo, que são transmitidos de nosso estúdio, além de outro projeto de “sessions”, em que o artista faz versões acústicas de seus sucessos. E o fã só vai encontrar isso na nossa plataforma, o que nos possibilita estabelecer uma relação de lealdade com ele.