Talentos

Apesar de todo o aparato tecnológico que a cerca, a atividade publicitária prossegue dependendo – e muito – do talento dos profissionais, empreendedores e empresários que formam esse importante segmento da economia.

Aqui no Brasil, o reconhecimento a esse fato vem desde os primórdios da propaganda, que sempre esteve à frente do seu tempo. Pequenas e criativas agências se instalaram nos centros que já eram então considerados grandes, no final do século 19 e início do século 20, quando sequer o rádio existia, trabalhando na criação e produção de anúncios para jornais, mídia pioneira de massa.

Usava-se o homem-sanduíche, usavam-se os volantes distribuídos em praça pública, os cartazes afixados nos muros e isso atraía cada vez mais artistas para o metier.

Foram artistas que inventaram as primeiras composições musicais publicitárias, sem a existência até então da força do rádio. Esse tipo primitivo de jingle era entoado nos teatros e nas ruas, anunciando ao povo produtos e serviços que ainda não conheciam o marketing, mas já intuitivamente o praticavam.

O país ganhou – como não poderia deixar de ser – com o fim da escravidão, não só através do gesto humanitário de Isabel pondo fim à absurda servidão humana, como em consequência das correntes migratórias da Europa e Ásia, trazendo mão de obra para substituir o trabalho escravo, como junto com elas novas culturas que contribuíram para o nosso rápido desenvolvimento a partir daí.

Terminada a Primeira Grande Guerra, vieram o rádio e todos os avanços que de forma até contraditória as guerras produzem. Um novo Brasil ocupava o seu espaço e a propaganda política, que hoje deploramos no horário eleitoral chamado de gratuito (e infame), alcançou um uso de escala com a implantação do Estado Novo, no início dos anos 30.

De país essencialmente agrícola, começamos ainda que timidamente a fase industrial, que explodiu após a Conferência de Yalta, pondo fim oficialmente ao segundo conflito mundial.

Se já tínhamos até então muitos talentos na incipiente indústria da propaganda da época, a partir daí, com o início de um novo ciclo econômico mundial, e o Brasil sendo um dos seus maiores beneficiários, nosso parque industrial multiplicou-se geometricamente e com ele a necessidade do marketing e da sua comunicação.

A bem da verdade, do primeiro nem tanto nessa fase, pois a população estava ansiosa para consumir os novos produtos made in Brazil como se grafava na época, porque agigantava-se o sentimento nacionalista de norte a sul do país.

Foi nesse enclave histórico que a propaganda brasileira começou a se impor, embora ainda pelas grandes agências americanas que já possuíam domicílio verde e amarelo e contratavam em sua grande maioria profissionais brasileiros para os seus departamentos especializados.

O boom da indústria provocou o boom da comunicação do marketing e se Vargas, de quem se dizia ser o pai dos pobres, desfraldou com astúcia a bandeira do nacionalismo, na década seguinte Juscelino, nascido distante do mar e suas praias, soube entender a necessidade do desenvolvimento, explorando um conceito implantado por Washington Luís (“governar é abrir estradas”) e nele adicionando um complemento representado pelos meios de locomoção que a indústria automobilística por JK implantada iria prover.

A atividade publicitária, que já vinha bem, reforça-se com mais esse salto de Brasil grande, dado por um governo sem ódio e composto por ministros que inauguravam a fase da competência no setor, jogando para segundo plano apenas a que olhava e se deixava levar somente pelo viés político.

Faltava completar a obra cumprindo as várias Constituições até a que vigia no seu governo: o lugar demarcado no mapa para ser a nova Capital Federal precisava ser ocupado. E foi.

À custa de muito sacrifício, de ter provocado com isso o início de uma inflação galopante, mas a coisa tinha que ser feita. Basta apenas imaginarmos o que seria hoje o país sem Brasília, para julgarmos pelo acerto da sua decisão e coragem.

Conseguindo terminar o sonho da sua gestão, passou o bastão em obediência às urnas, ao melancólico Jânio Quadros, que em sete meses de governo ia diariamente do céu ao inferno, até 25 de agosto de 1961, quando anunciou sua renúncia que para muitos não passava de uma tentativa de golpe. Mas, os golpes de Estado não podem ser dados por pessoas instáveis, sob o risco de um contragolpe em seguida.

Jango voltou da China demorando mais que a viagem de Marco Polo, pois a resistência à sua posse era enorme nos hostes militares. Teve de engolir a mudança de regime, com o parlamentarismo permitindo o início do seu governo.

Mais que nunca a propaganda foi utilizada pelo governo e ao mesmo tempo pelas empresas que viam o Brasil crescer, apesar das sucessivas crises políticas.

Com uma atuação atrapalhada pela direita conservadora e a esquerda exagerada, João Goulart deixou-se envolver por um sindicalismo irresponsável, que parava o país dia sim, outro também, causando enormes prejuízos ao projeto desenvolvimentista que ao contrário do Bolsa Família, dava o peixe e ensinava a pescar.

O equilibrista Jango, ajudado por muitas cabeças pensantes do seu Ministério, também de nível excelente, suportou as pressões até março de 1964, quando o anúncio das Reformas de Base, com destaque para a Reforma Agrária, transformou-se na pá de cal para a sua deposição.

Seu cunhado Leonel Brizola, um grande orador, contribuía para diminuir o pavio da bomba prestes a explodir. Na noite de 31 de março para 1º de abril, Mourão Filho resolveu iniciar a deposição pondo suas tropas na estrada em Juiz de Fora, em marcha para o Rio de Janeiro.

Foi o bastante para acontecer tudo o que aconteceu.

Empossado o novo governo, agora militar, e “acalmados” os ânimos dos rebeldes, com presos, mortos e expatriados, o país refez-se de mais uma crise e voltou aos trilhos.

Novamente, a propaganda, agora ainda mais profissional e capaz, é chamada para vender a ideia que culminaria lá adiante com o “Pra frente, Brasil”.

Nenhuma crítica à atividade e aos empresários e profissionais que nela então militavam. Simplesmente, havia sido criado um clima de desenvolvimento ainda maior que o anterior e os talentos eram chamados pelo governo, indústria, comércio, agricultura e serviços, para contribuir com o aumento do bolo econômico, o bolo que Delfim Neto prometia cortar e dividir, mas só depois de crescer.

O resto dessa história até aqui, a maioria dos nossos leitores conhece de ter vivido: aquele país dos 90 milhões em ação de 1970 tem hoje mais de 200 milhões, é a sétima economia mundial, prossegue dividido politicamente, teremos eleições livres e gerais em outubro e cada vez mais é dependente da força da propaganda para atingir suas metas.

A mesma propaganda que ia a Cannes aprender e agora ensina.

A mesma propaganda que forneceu ao 5º Fórum de Marketing Empresarial, entre 15 e 17 deste mês, três dos seus grandes ícones para receberem merecida homenagem que na verdade se estende a toda uma classe de empresários e profissionais que são admirados e aplaudidos lá fora, porque o talento não tem pátria.

A pátria do talento é o mundo.

Roberto Duailibi, Nizan Guanaes e Marcello Serpa conduziram e conduzem grandes empresas que fazem a diferença para outras empresas anunciantes.

São brasileiros, aprenderam estudando e fazendo, construíram grandes marcas para si e para seus clientes e prosseguem amando e enaltecendo este país que pode até ser uma contradição em vários pontos, mas que supera seus irmãos mais próximos e sabe que a força do destino é imutável.

Este editorial foi publicado na edição impressa de Nº 2512 do jornal propmark, com data de capa desta segunda-feira, 25 de agosto de 2014