Telespectador aceita o “merchan” com mais naturalidade
Não por acaso soap opera foi o nome dado às primeiras novelas ainda nos anos 1960, patrocinadas por fabricantes de produtos de limpeza – leia-se sabonetes e sabões – interessados na imensa audiência feminina. Sinônimo de entretenimento “barato” e sem valor artístico nos Estados Unidos, por aqui elas se tornaram obras de entretenimento de maior valor, e sua audiência fenomenal nunca deixou de atrair os anunciantes.
Cena de Rio e Lázaro, maior destaque da Rede Record em abril; audiência e história boa são variáveis para retorno comercial
Já se foi o tempo, no entanto, em que chegava a causar um certo desconforto ver as marcas inseridas inadvertidamente no roteiro das telenovelas: personagens abrindo vidros de maionese ou sacando dinheiro em bancos, em contextos nem sempre muito “orgânicos”.
Hoje, novelas são projetos monetizados de inúmeras maneiras e o chamado merchandising é apenas uma das suas muitas possibilidades. “Ficamos mais seletivos em aceitar ou não um merchan. E mais exigentes na hora de escrever e produzir a cena. E vale lembrar que o merchan nas novelas não é só comercial, mas também social”, diz Ricardo Hofstetter, roteirista da Globo e presidente da Associação Brasileira de Autores e Roteiristas.
O publicitário Lula Vieira afirma que o bom merchan é aquele em que o espectador aceita como natural, verdadeiro e relevante, quando não há ruptura entre a dramaturgia e a mensagem.
Marcelo Duarte, diretor de comercialização da Globo, afirma que hoje os projetos para anunciantes são abrangentes, permitindo às marcas estar presentes durante toda a jornada do consumidor pelas várias “janelas” de exibição do conteúdo. Não se fala mais em uma ação isolada numa novela.
“No Gshow, por exemplo, nosso portal de entretenimento, criamos enquetes, concursos e desdobramentos de histórias no ambiente digital, além de poder atrelar tecnologia e dados à criação de conteúdos que fomentem a interação e permitam a conexão da marca nas mensagens”, comenta Eduardo Becker, diretor de comercialização de mídias digitais da Globo.
Walter Zagari, vice-presidente comercial do Grupo Record, afirma que as novelas são o segundo maior faturamento da Record TV, atrás somente do jornalismo. As novelas bíblicas – filão inexplorado por outras emissoras – têm alcançado ótimos índices de audiência. Em abril passado, no mercado nacional, Rico e Lázaro foi a maior audiência da emissora. “Dois fatores são atrativos para anunciantes de novelas: a audiência e uma trama envolvente. Uma vez que tais variáveis são satisfatórias, o retorno comercial é garantido”.
E mesmo a audiência, hoje, é um conceito mais abrangente: inclui, por exemplo, o live-tweeting sobre a novela, já contabilizados pela Kantar, ou o engajamento em redes sociais de maneira geral.
Para a Embelleze, por exemplo, novelas são importantes para construir marcas, um branding que interfere no aumento do faturamento, segundo Eduardo Tegeler, diretor de marketing do Instituto Embelleze. A marca se fez presente na trama de novelas como Fina Estampa e Avenida Brasil, ambas da Rede Globo.
Cena de Fina Estampa, que teve merchandising do Instituto Embeleze, que acredita na importância das tramas para construção de marcas
“Estar presente numa novela significa estar dentro da casa das pessoas, junto delas em seu momento de lazer, onde estão extremamente receptivas para receber informações”, diz Eliz Mota, supervisora de publicidade e trade marketing do Beach Park, marca que esteve recentemente no episódio de estreia da atual temporada de Malhação, da Globo.
Para a Natura, o importante é passar seus valores e crenças. O fato de as novelas tratarem de temas relevantes para a sociedade, propondo reflexões em relação a padrões de comportamento, com pluralidade de pontos de vista e valorizando a tolerância, é um fator atrativo, pois tem a ver com os valores da marca. Hoje, na novela A Força do Querer, a personagem Abigail (vivida por Mariana Xavier) é consultora Natura.
A Natura, por exemplo, vem patrocinando as novelas das 21h da TV Globo há quase dez anos, e chegou a se envolver em uma polêmica em 2015, quando um beijo gay na novela Babilônia escandalizou o público evangélico. Ana Carolina Soutello, gerente de marca, afirma que hoje as ações na emissora estão mais abertas que em outros tempos, são cocriações, coconstruções, interativas. “O importante é passar nossos valores, nossas crenças, nosso propósito”, diz.