Tempos de vergonha
Acho que fui o único brasileiro que não deu pitaco sobre Bolsonaros, Haddads, Ciros e Cabos Daciolos.
Confesso que estive pasmo com tudo, não acreditando, como não acredito até agora, que pudéssemos chegar onde chegamos.
Descobri um brasileiro que não conhecia, pessoas que jamais imaginei terem um lado tão rancoroso, odioso e violento, pessoas portadoras de ódios inacreditáveis, que não é a situação do país que explica, mas apenas é prova definitiva que a capa de civilização é frágil como uma casca de ovo.
Eu me enganei quando, tempos atrás, eventualmente, lia notícias de linchamentos por engano, com a alegre participação de transeuntes que ajudavam a matar por nada, só pelo simples prazer de fazer mal, de ver sangue.
Eu lia – e li muito – sobre as manifestações de barbárie que desde tempos imemoriais são a característica do aglomerado urbano.
Os espetáculos montados para o sacrifício de condenados por heresia, descrença, crimes de lesa-majestade.
Confesso que nunca consegui absorver como um maluco cria uma situação como a da Alemanha, cujo considerado povo superior, conscientemente, fechou os olhos para o Holocausto, muitos apoiando, em nome de uma supremacia racial e o direito inato de um povo de destruir os semelhantes de outra etnia.
Eu achava que tínhamos evoluído.
E percebo que estava errado. Tenho acompanhado com horror nas redes sociais manifestações sem nenhuma racionalidade, apenas o efeito daninho da turba açulada como matilha.
Alguém pode dizer que não houve mortes e batalhas campais.
Houve sim, a morte do bom senso, da empatia e da solidariedade. Houve a disseminação da mentira como estratégia de campanha eleitoral.
Houve a fala destruidora convocando para a morte, sob os urros frenéticos de multidões enlouquecidas.
Pais com crianças no colo gritavam sua imensa desesperança na humanidade, convocando seus iguais de ocasião para destruir, arrasar, extirpar inimigos, também pais, também filhos.
Demos um passo atrás na aceitação dos desiguais, no amor pelos nossos artistas, na busca por entender os outros.
Demos sim um passo atrás, que espero tenha sido curto e que os puros de coração não se deixaram ainda contaminar. Não, não estou sendo catastrófico.
Acobertados pela aparente distância das redes sociais, li troca de insultos vergonhosos, pessoas revelando com despudor sua adesão ao vale-tudo para ganhar.
Gente que pretende ser exemplo para seus filhos divulgando evidentes mentiras.
Vi imagens de religiosos (de todas as correntes) vociferando impropérios como se possuídos por Satanás, talvez o verdadeiro grande vencedor desta disputa.
E digo mais: tenho medo, de verdade, que se alguém der o primeiro tiro, o primeiro tapa, já que não há mais insultos que não tenham sido usados, passemos da palavra à ação.
Mesmo que isso não aconteça, já demonstramos o que somos.
E me envergonho profundamente pelo que vi.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira@grupomesa.com.br)