Tiago Trindade, cofundador da Digital Favela: “A favela está na mesa da sua marca?”
Executivo fala sobre o mercado, o início da agência e destaca que, sem diversidade, não há criatividade
Tiago Trindade tem 39 anos, 20 destes são de mercado publicitário. Ele conta que pensar “será que estou sozinho aqui?” era recorrente, até que em 2020 uniu forças com Celso Athayde, Guilherme Pierri e Felipe Branquinho para fundar a Digital Favela, a primeira empresa do mundo dedicada a influenciadores da periferia.
“Para muitas marcas, essa é uma jornada nova, mas o público periférico não é um nicho. Pelo contrário, 74% da população é periférica. O nicho, na verdade, é quem não está na periferia”, ressalta o publicitário.
A missão da empresa é valorizar a diversidade de talentos e a criatividade das favelas, mostrando que esses territórios têm tanto poder de negócio quanto o ‘asfalto’. “Nosso modelo na Digital Favela é sempre de ganha-ganha. É sobre negócios, não assistencialismo”, diz Trindade.
Como surgiu a ideia da Digital Favela?
A Digital Favela nasceu em 2020, mas a inquietação existe desde que eu entrei na propaganda, em 2004. Comecei como produtor gráfico e depois demorei quase quatro anos para entrar na criação, para virar redator. E eu olhava para um lado, olhava para o outro, não via ninguém dos nossos, não via ninguém dos meus, nem das minhas ali. Isso me causava essa inquietude, “será que estou sozinho aqui?”. E um ou outro foi chegando ali no meio do caminho, mas a gente se sentia bem isolado. Tanto na hora de criar, quanto na hora de contar as ideias, a gente acabava meio que ‘hackeando o sistema’ e colocando um pouco do olhar do outro nas criações, isso acabou dando certo durante um tempo, mas me fazia um pouco mal. Então eu já tinha essa provocação e essa vontade de colocar mais vozes e mentes criativas da quebrada e de pessoas pretas no mercado.
Como foi o começo?
Santander foi o primeiro cliente que apostou na gente. A gente fez uma campanha de PIX e eu lembro que se nem o ‘asfalto’ sabia o que era, imagina a quebrada? Mas foi um sucesso! Depois veio o Facebook, outros clientes e hoje são quatro anos conectando a galera e a criatividade periférica com as marcas. Eu lembro que a campanha que a gente fez para o Facebook, cara, a galera dentro de casa com o celular ‘nem tão bom assim’, fazendo conteúdo. E foi uma das primeiras campanhas que a gente fez. Acho que essa linguagem começou a pegar daí, sabe? Pô, dá pra fazer conteúdo com o celular sem ser um ‘iPhone Pro’. Acho que isso foi o que ajudou a impulsionar a relevância do assunto também.
Quais desafios vocês enfrentaram?
Os desafios são diários. A gente tem de provar, a cada dia, que a criatividade não vem só de um lugar, e eu falo muito que sem diversidade, não tem criatividade. Eu sempre falo aqui internamente que a gente sempre foi relevante, as periferias sempre foram relevantes, as marcas só não viam isso como relevante, né? Então eu acho que a gente tem um caminho muito, muito grande aí pra seguir. Mas os resultados das marcas que falam com a Digital Favela mostram que estamos no caminho certo, que, aos poucos, estamos transformando esse mercado. Estamos muito longe da realidade ideal, não só a Digital Favela, como outras empresas que têm feito esse trabalho de descentralização de narrativas, mas nosso crescimento só prova que é um assunto muito relevante, uma pauta relevante.
Quais os principais erros que as marcas cometem ao tentar se comunicar com o público periférico?
Uma frase que eu uso muito é: “Sua marca já está na mesa da favela, mas a favela está na mesa da sua marca?” Acho que é uma provocação que a gente sempre faz. A marca quer entrar na periferia para conversar com um público que tem um potencial de consumo muito grande, então precisa primeiro entender onde, como chegar e por quanto tempo quer falar, porque não adianta também fazer um flight ali de campanha durante um, dois meses, até um ano e nunca mais voltar, porque a quebrada não vai voltar, não vai mais lembrar da sua marca. É um público muito exigente, que está esperto, que está sabendo qual marca está e qual marca que não está de verdade ali. A gente tem sempre um modelo da Digital Favela que é o de ganha-ganha, é sobre negócio, não assistencialismo. É da conversa à conversão.
Por que é tão importante empresas como a Digital Favela fazendo essa ponte?
Como eu falei antes, sem diversidade não tem criatividade. Diversidade de corpo, origem, tom de pele, de tudo. E eu acho que cada vez mais a gente está provando isso nos resultados das marcas e das campanhas. São quase 20 anos de agência apresentando campanhas, nunca apresentei para um líder preto ou preta. E eu acho que empresas como a DF, que têm esse olhar de descentralizar as narrativas, fazem um papel importantíssimo. Eu até falo de ‘traduzir os territórios’.
Leia a entrevista completa na edição do propmark de 25 de novembro de 2024