Turismo cresce e concentra estratégias no digital, TV e OOH
As constantes altas do dólar e a prolongada crise econômica não parecem ser um problema para o setor turístico. De acordo com diferentes empresas do ramo, os últimos anos registraram crescimento nos negócios e ampliação no mix de produtos e serviços.
Segundo Roberta Vernaglia, VP de marketing da Accor na América do Sul, a crise impactou o mercado, mas a rede, que conta com 35 marcas na região, não deixou de investir.
“Durante o momento de instabilidade, o setor todo teve impacto, é inegável, mas, ao contrário de outros players, a Accor não diminuiu o seu investimento em marketing, justamente por entender que é um momento em que precisa reforçar a comunicação.”
Para Gustavo Bueno, diretor de marketing digital e eventos da Forma Turismo, agência de viagens especializada em formaturas dos ensinos fundamental e médio, “a crise não chegou”. “Abrimos mais praças no Brasil, hoje atingimos o país todo e nosso público aumentou. O crescimento de 2018 para 2019 foi perto dos 30% e para 2020 estamos mais otimistas com relação às vendas”, diz.
Reconhecida por viagens para Porto Seguro, Disney e Dubai, a Forma Turismo diversificou a sua entrega para atender a outros públicos. “Hoje temos produtos na empresa que se enquadram nas classes A, B e C”, aponta.
O mesmo ocorre com a MaxMilhas, site de venda de passagens aéreas. Para Tahiana D’Egmont, CMO da empresa, a crise não os impactou. “Crescemos muito nos últimos anos, a Maxmilhas é uma empresa que triplica de tamanho. […] Se formos olhar ferramentas de análise de tráfego, somos a segunda maior empresa de vendas de passagem online do Brasil”, defende.
Ainda que em 2019 os valores das passagens aéreas tenham encarecido por conta da crise da Avianca, a executiva mostra otimismo com os resultados do site. “Este ano os preços subiram especificamente no período pós-falência e não durante o processo de crise econômica. O preço subiu bastante, vimos uma redução do ritmo de crescimento e, ainda assim, continuamos crescendo.”
Comunicação
Embora economicamente fortalecido, o segmento ainda comunica de forma tímida quando comparado a outros setores de consumo. Segundo o publicitário Ricardo Freire, que acumula passagens pela W/Brasil, Lew’Lara e é editor do blog Viaje na Viagem, o setor “comunica pouco”.
“É preciso mais imagem, mais vídeos virais. Agora o Instagram está começando a pegar como meio de divulgação, mas de conceito, de destino, estamos parados há muito tempo.” Para Bueno é “difícil detectar o que falta no mercado”.
“Temos grandes players, mas vejo que poucos sabem tirar proveito do digital de uma maneira engajada e efetiva. A Forma tem no digital um caminho porque o público dela está presente lá”, pondera.
A empresa direciona 100% de seus esforços em mídia para o online. Recentemente, a agência gravou sua segunda websérie com influenciadores da Argentina e do Chile para promover Porto Seguro. A peça é parte da estratégia de expansão da agência para países da América do Sul. “Temos um departamento de marketing de influência e no ano passado fizemos o Porto é Para Todos, onde levamos 70 influenciadores para o destino e desenvolvemos diversos vídeos.”
Já na MaxMilhas, além do trabalho no digital e com influenciadores, a aposta é também em Pay TV, OOH e ações de branded content. “A maior parte do nosso investimento é digital, desde Google, Facebook, redes sociais e influenciadores, mas principalmente em comparadores de preço e e-mail marketing”, aponta Tahiana.
Pela segunda vez, o site se uniu ao Porta dos Fundos na produção de conteúdo. “Fizemos não somente o branded, como também o primeiro comercial do Porta dos Fundos para televisão. Foi produzido e roteirizado por eles e está sendo superbacana porque temos este posicionamento de inovação e de trabalharmos com humor”, conta.
“Nosso primeiro comercial de TV foi com a Tatá Werneck e agora a gente vem com o Porta dos Fundos consolidando essa proposta de ser digital first, com linguagem feita para a TV, mas calcada no digital.”
A rede Accor também adota uma estratégia priorizando o online. “Além de digital, trabalhamos OOH em aeroporto e com geolocalização”, aponta Roberta. Com quase 90% do esforço em mídia direcionado ao digital, as campanhas das marcas Accor são always on e levam assinatura da Isobar e iProspect, ambas do Grupo DAN.
Os franceses também investem na relação com influenciadores dos ramos do esporte, viagens e lifestyle. “Para 2020, planejamos uma série de ativações”, comenta Roberta, sem dar detalhes sobre as ativações já programadas.
Outra empresa que vem diversificando a comunicação é o Kayak, que apresentou novo posicionamento de marca para a América Latina. De acordo com Eduardo Fleury, country manager do metabuscador no Brasil, o conceito Não é sorte. É Kayak foi desenvolvido “a partir da necessidade de aproximar a sua comunicação da realidade e dos hábitos dos viajantes locais”.
A empresa entendeu que, no imaginário do viajante latino, bons preços e o processo de planejamento estão atrelados à sorte e a truques. “Com o novo mote afirmamos que somos o melhor aliado dos viajantes neste processo”, diz.
A primeira campanha com o novo posicionamento inclui peças para as redes sociais, banners digitais, OOH, filmes para Pay TV e uma ação com influenciadores.
Em 2018, um post sobre a Grécia no Instagram de Bruna Marquezine gerou, segundo o Kayak, 24% de aumento em buscas pelo destino, se comparado à semana anterior. E, ainda que a TV aberta não seja a mídia preferida para os anunciantes de turismo, é de lá que vem grande parte de seus potenciais consumidores. De acordo com dados do metabuscador, somente as novelas globais foram responsáveis pelo crescimento de 525% na busca por destinos retratados em seus folhetins entre 2015 e 2019.
Até por isso, o Kayak se considera “uma grande plataforma de intenção de compra”. Além das informações sobre destinos e planejamento aéreo, hospedagem e passeios, o site conserva um inventário de hábitos do consumidor.
“O viajante brasileiro que voa a partir de São Paulo tem renda média 2,4 vezes maior que a média da população. O público do Kayak é um e-consumidor, ou seja, usa a plataforma para comparar ofertas e comprar online”, indica Fleury.
Não-endêmicas
Para o Kayak, o consumidor de turismo pode arcar com outros tipos de serviços e produtos que não somente a viagem. Assim, a intenção de compra desses potenciais clientes abre diferentes frentes de negócios e parcerias com marcas que fogem ao arquétipo turístico. Para a rede Accor este “é um eixo superestratégico”.
Em 2019, promoveram o Ibis Music, uma parceria com Sony e Spotify. A gravadora auxiliou na busca de embaixador, indicando Lucas Lucco para uma ação nos hotéis, onde serviu de coach para artistas emergentes selecionados pelo Spotify. A ação gerou diferentes pockets shows, além de awareness nas redes sociais das marcas.
Com longo histórico de apoio a diferentes modalidades esportivas, a Accor anunciou este ano o patrocínio ao clube Paris Saint Germain (PSG). “O Brasil é a segunda maior comunidade de torcedores fora da França. O brasileiro é o que mais compra dentro da loja PSG em Paris”, diz Roberta.
Na MaxMilhas as parcerias são em diferentes segmentos, como Nubank, Dog Hero e Foto Registra. “Apesar de o nosso papel ser vender a passagem, queremos que a pessoa tenha acesso a essa gama de serviços e possamos contribuir de alguma forma com sua experiência”, diz Tahiana.
A Forma Turismo vem transformando seu mix e agora investe no Porto Festival, uma festa nos moldes dos grandes festivais musicais. “Este foi o primeiro ano que tratamos o destino como um festival mesmo, colocamos roda gigante, tirolesa, tinha um palco hip-hop e uma arena game”, aponta Bueno.
A empresa leva toda a estrutura de São Paulo para a Bahia e ainda não trabalhou com agências de live marketing. No entanto, firmou parcerias com casas noturnas locais e as atrações são escolhidas por meio de pesquisas junto ao público em suas redes sociais.
Já no Viaje na Viagem, as parcerias passam por alguns critérios. O canal do YouTube conta com patrocínio do Kayak e também fecharam com a agência To Go Travel. No entanto, antes mesmo de darem as dicas de como comprar pela parceira, indicam como realizar o passeio por conta própria. Segundo Freire, o blog não participa de press trip e nem faz publipost.
“A gente conhece muitos blogs que entregam pouco e anunciam muito. A gente faz a coisa mais discretamente e sempre no lugar onde tem de estar, onde é útil para o viajante”, defende.
Marca Brasil
Se no setor privado há espaço para aprimorar a comunicação e as parcerias, no público o caminho parece ser ainda mais longo. Em julho, o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) criou uma marca para promover o país no exterior. Sob o slogan Brazil visit and love us, o órgão recebeu diversas críticas sobre a peça, criada pelos próprios servidores da Embratur, sem auxílio de uma agência de publicidade.
A polêmica se estendeu ainda para a tradução, que poderia gerar uma mensagem ambígua, já que o termo love pode ser entendido como amor, mas também com conotação sexual.
Na época, o Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo (Fornatur) solicitou à Embratur a retirada da campanha do ar alegando que o órgão não ouviu os secretários e havia outras demandas prioritárias na área de marketing.
Para Bruno Wendling, recém-eleito presidente do Fornatur, com a implantação do Plano Nacional de Turismo, de 2003, o secretariado deve ser consultado para “qualquer tipo de decisão estratégica”.
“O que cobramos quando mandamos o ofício é que essa campanha, na visão da maioria dos secretários e do Fornatur, não representa o que é o destino Brasil. Solicitamos que pudéssemos ter uma participação, afinal a composição de uma campanha nacional tem, naturalmente, de estar alinhada aos estados”, defende.
Segundo Wendling, ainda não houve uma devolutiva da autarquia sobre o tema. “Não teve um chamamento por parte da Embratur para a gente conversar em relação a proposta de uma nova campanha de marketing. Não consideramos que essa nova marca seja de fato turística, não foi trabalhada para isso. É só uma logomarca e na minha visão – de quem trabalha com turismo há 20 anos – não consegue representar (o país) porque não tem um conceito. […] Não estamos satisfeitos com esse posicionamento da Embratur”, conclui.
Procurado, o Ministério do Turismo afirmou que a campanha é da Embratur e que não tem gerência sobre a comunicação da autarquia.