Um criativo exportado
Passei um bom tempo no Brasil sem me sentir desafiado. Sempre fui inquieto, sempre tive essa vontade de conquistar coisas grandes só que nunca consegui ter coragem suficiente para tomar uma decisão de vida dessas. A ideia de morar em outro país rondava a minha cabeça toda a hora, especialmente pelas oportunidades de carreira. Daí, chegou um dia em que eu cansei de viver só da hipótese e comecei a correr atrás disso de verdade. E na época uma conjunção de fatores me fez ver que eu estava no momento certo para fazer isso. Demorou, não foi fácil, mas aconteceu.
Não imaginava que a barreira da língua seria tão grande. Além de simplesmente falar, pedir uma cerveja em um bar ou conversar com outras pessoas, o dia a dia do trabalho exige uma agilidade de comunicação e um vocabulário que eu ainda não possuo e isso ainda é bastante frustrante. Sempre fui uma pessoa comunicativa e sinto que minha versão em inglês é como um figurante que, na hora da ação, não atua bem.
O nova iorquino tem uma relação com o tempo muito diferente. Cada minuto é milimetricamente aproveitado, até aquele intervalo entre uma reunião e outra. Acho que os brasileiros, especialmente os cariocas, tem outra visão sobre o passar dos minutos. A gente precisa de mais pausas, de mais tempo ocioso para refletir e digerir tudo que absorve. E isso ao meu ver não é errado ou preguiçoso, é cultural, não tem jeito. O ritmo dos nova iorquinos às vezes é muito frenético e embora por aqui as coisas sejam bem diferentes, acho que faz bem tirar um tempinho para contemplar o teto.
Eu sinto que aqui, muitas vezes, eles estão mais preocupados em entregar, apenas, do que fazer bem feito. As coisas para eles só precisam fazer sentido. É muito comum o publicitário americano reservar meia hora para um brainstorm e a ideia que sair dali já estar quase pronta para o cliente ver. Na minha experiência no Brasil essa dinâmica era bem diferente. Acho que o brasileiro tem um cuidado maior na hora de gerar ideias e sempre desconfiamos das primeiras, porque, na maioria das vezes, elas não estão suficientemente maduras. A ideia que nasce através da exaustão e da repetição está muito mais pronta para levar surra. E até, quem sabe, sair ilesa pelas ruas.
E falando na campanha ir para a rua, têm hábitos que você só descobre vivendo aqui e algumas vezes é preciso pesquisar um pouco mais a fundo para saber se aquela ideia tem a ver com aquele público. O bom senso ajuda principalmente quando falamos dos consumidores de cidades grandes e ocidentais, mas têm coisas que só americanos fazem e isso me surpreende sempre, como por exemplo, passar manteiga de amendoim em toda e qualquer coisa comestível.
No começo o choque cultural é muito grande, é um pouco assustador até. Tudo parece muito estranho e diferente. O ideal é perguntar sempre que tiver qualquer dúvida, não ter vergonha de perturbar ou pedir para que seus colegas de trabalho repitam a informação quantas vezes for preciso. Nova Iorque, especificamente, é uma cidade cheia de gente de outros países, que entendem que a adaptação do estrangeiro leva tempo. E, além disso, as pessoas adoram saber como é a cultura do seu país.
Eu não senti preconceito, mas existe uma desconfiança de início, e isso é natural. Você acabou de chegar, não domina a língua e nem conhece tão bem como a agência funciona. Os processos são muito bem organizados aqui eles priorizam muito isso. Aprendi nesse meio tempo a ser muito mais objetivo porque o fluxo de trabalho não para. É um pouco linha de produção, você precisa fazer direitinho para não afetar a pessoa depois de você, eles funcionam assim. Isso de fato torna o dia bem mais produtivo e por isso quase não existem horas extras por aqui. Eu acredito que isso facilitaria muito a vida do profissional brasileiro, mas por outro lado entendo que existem algumas barreiras. Em Nova Iorque existem muito mais recursos e estrutura para que esse comportamento seja uma constante.
Se sinto falta do Brasil? Sim! Sempre trabalhei em clima de amizade e isso fazia com que as dificuldades e problemas fossem mais leves. Os nova iorquinos sãolegais também, mas muito protocolares. Perguntam como foi o seu fim de semana meio que no piloto automático. No Rio de Janeiro a gente se divertia muito trabalhando e acho que a natureza da nossa profissão permite um pouco essa certa informalidade. Acho vital para um bom entrosamento de equipe e isso facilita muito na hora de sentar e gerar ideia para algum projeto. Achei curioso que aqui eles almoçam correndo e, de preferência, na mesa. São raros os dias que dá para tirar um tempinho mais longo para comer. O refeitório do prédio não tem prato de louça, tudo é pensado “para viagem”. Mas o pior, é claro, não é isso, é o nosso conhecido hábito de escovar os dentes depois das refeições. Nessa hora, denunciamos que somos, sim, muito brasileiros.
João Miller é diretor de Arte na Geometry Global North America