Um governo sem briefing e sem criativos
Ao longo da carreira, chutaria que uns 30% dos jobs que tive de resolver não tinham um briefing. Quem é do ramo, não haverá de estranhar dado tão expressivo. Para nós, criativos, faz parte do rol de obrigações a que devemos cumprir, desenrolar esse tipo de pepino.
Um briefing bem feito, aliás, sempre foi, é e será uma honrosa exceção. Como se explica, então, que a credibilidade do negócio não tenha ido por água abaixo, diante de tanta falta de informação para que exercêssemos o nosso papel com alguma precisão?
Exatamente por sermos criativos, gente arguta, antenada, curiosa e, portanto, capaz de preencher os ocos de dados com ilações pertinentes. Muitas vezes, inclusive, esses vazios se convertem em campos férteis para um experimentalismo brilhante, ampliando o horizonte dos objetivos (a nós, ocultados) do cliente. E, assim, o que carrega um potencial problema vira uma preciosa oportunidade de vitória.
Mas, repito, isso só é possível com equipes brilhantes. Qual é o caso do governo brasileiro, hoje? Não tem briefing e não tem uma equipe que preste; apenas milhares de jobs em aberto. O Brasil é como uma agência, cujo presidente não tem a menor ideia de como uma agência funciona, e não conhece ninguém do mercado.
Quando o atraso dos jobs se torna insustentável, liga, então, para um ex-colega de farda e convida para resolver o assunto. Imagina o Pazuello sentado na criação, tendo de “tirar” um job urgente, uma campanha de vacinação, por exemplo. Ou a Damares. Ou o Ernesto Araújo. O Paulo Guedes, quem sabe, com certo esforço, pudesse chegar a algum trocadilho infame, tipo “É vacina pra que se vá a sina!”, com uma imagem do presidente, e apresentar ao Bozo, fazendo aquela cara de malandro da Cinelândia: “olha isso, meu preisidienti”. E ouvir uma sonora gargalhada e, em seguida, “não entendi, explica aí.”
Provavelmente, um dos três filhos vai se manifestar: “tá muito criativo, papai, só tem um problema: pode virar meme, com os comunistas falando que a sina é o senhor”. Claro que isso enfureceria o Bozo: “porra, posto Ipiranga, tá querendo me foder? Reprovado! Passa essa porra pro Tarcisio, que é terrivelmente criativo”.
Outro filho atravessaria: “Papai, o Tarcisio é da produção, é outro setor. Por que a gente não resolve aqui, nós mesmos?” E teria início um verdadeiro no-brainstorm para dar um título ao layout recheado de armas de fogo.
O Paulo Guedes, ainda por ali, com expressão de redator injustiçado, faria uma tentativa de salvar a reputação de criativo: “Eu colocaria as armas no rodapé, a imagem de uma senhora aqui no meio e escreveria em cima ‘é uma picadinha pra não levar uma pica, dona!’”
A gargalhada do Bozo faria agitar as águas do Paranoá: “porra, posto Ipiranga, agora, sim, porra! Bom pra caralho! Aprovado!” Os filhos se mostrariam amuados, roídos de inveja. Paulo Guedes, imediatamente, adotaria aquela empáfia clássica de criativo em momento de glória: “Bom, pessoal, vocês tocam aí a arte final que eu tenho uma reunião me esperando.”
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)