USNS Comfort, o preço do achismo
Podemos decidir e resolver fazer o que quer que seja. Claro, desde que previsto, planejado e ativado antes. Durante costuma dar merda. Não é em momentos de crise ou durante tempestades que se constroem abrigos. É antes, sempre antes. De preferência, muito antes.
Se no passado, por falta de conhecimento e recursos, em muitas situações, planejar-se antes era uma impossibilidade absoluta, hoje, não planejar-se e, se possível, fazer-se antes é, no mínimo, imprevidência, desleixo, quem sabe crime culposo.
No ano passado, por exemplo, o governo brasileiro foi pressionado e chamado de incompetente por não conseguir fazer chegar aos beneficiários os tais R$ 600 e outras providências mais, votadas e aprovadas para atenuar a coronacrise.
Com a tecnologia mais que disponível e abundante, o Brasil, assim como todos os demais países, já deveriam ter se organizado com um cadastro único e completo de identidade de todos os seus cidadãos, onde figurassem todos os brasileiros a partir do nascimento, com os dados necessários e suficientes para que pudéssemos acioná-los sempre que preciso.
Mas, como somos um “País 3Is” – imprevidente, incompetente e ignorante –, não fizemos antes e nos açodamos em momento de crise dramática com uma única certeza: em maiores ou menores proporções iria dar merda. E deu!
Dentro dessa linha de continuar acreditando que no final tudo dará certo, que Deus se encarregará de suprir nossa imprevidência e despreparo, o governo dos Estados Unidos decidiu porque decidiu, sem ter tido a responsabilidade mínima de estressar todas as possibilidades, mandar um de seus grandes navios-hospital, o USNS Comfort, para atracar em Manhattan e aliviar todos os demais hospitais das internações de rotina, abrindo mais e muitas vagas para os pacientes da Covid-19.
Construído no ano de 1975, batizado em 1976 e lançado ao mar em fevereiro de 1978, com 272 metros de cumprimento e 32 de largura, atracou em New York City no dia 30 de março de 2020, e por lá permaneceu, exatos 30 dias, partindo em 30 de abril.
E o que aconteceu…? Nada!
Mesmo porque nada acontece desde que não devidamente planejado.
Conclusão, para perplexidade e revolta de todos os nova-iorquinos e demais estadunidenses, a esperança-navio que atracou nos portos da cidade numa segunda-feira, até a quinta-feira, de seus 1.000 leitos, tinha apenas 20 ocupados.
E as 12 salas de cirurgia, com as luzes apagadas, jamais foram usadas, os 1,2 mil médicos de braços cruzados, e profundamente incomodados, constrangidos, putos, revoltados.
Jamais nos esqueçamos dessa lição, uma vez mais repetida à exaustão na presente crise. Do céu só continua caindo chuva, granizos e, vez por outra, felizmente, algum meteorito de pouco risco. Deus, para os que creem, ou a natureza, para os agnósticos, já nos deram tudo o que poderiam nos dar.
A partir daí é com a gente. Sem pensar, planejar e agir, no tempo certo – e tempo certo é na maioria das vezes e situações antes –, continuaremos condenados a repetir as mesmas e infinitas tolices, depois reclamarmos de supostos e eventuais terceiros irresponsáveis…
Francisco Alberto Madia de Souza é consultor de marketing
(famadia@madiamm.com.br)