Vale deve priorizar a verdade no discurso para enfrentar a crise
Manifestante participa de ato em frente à sede da Vale, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro: marca enfrenta revolta da população
Após enfrentar a crise de Mariana, em 2015, a Vale se vê novamente envolvida numa tragédia: rompimento da Barragem de Brumadinho. Até o fechamento dessa edição, o número de vítimas fatais era de 121 mortos, além dos 226 desaparecidos.
No campo da comunicação, a Vale enfrenta a crise com assessoria de imprensa, publicidade e digital. Na primeira, a empresa promove, através de sua sala de imprensa, uma intensa atualização sobre as iniciativas para ajudar as vítimas. Na segunda, a marca utilizou o break no intervalo do Jornal Nacional do dia da tragédia para atualizar o público, além de veicular anúncios impressos nos principais jornais. Já no digital, a marca tem respondido grande parte das dúvidas dos internautas nas redes e publicou, até o momento, 14 vídeos em seu canal do YouTube com atualizações sobre a tragédia.
Mas nada disso tem evitado a revolta dos brasileiros. Os protestos, aliás, ultrapassaram a barreira do ambiente online. Na segunda-feira após a tragédia, manifestantes se reuniram em frente à sede da empresa no Rio de Janeiro.
Efetivamente, algumas medidas foram tomadas, como a doação de R$ 100 mil aos familiares dos mortos e desaparecidos e a eliminação de todas as barragens a montante, conforme anunciou o presidente da empresa, Fabio Schvartsman.
Questionada pela reportagem sobre sua gestão de imagem, a mineradora preferiu não responder e disse que “está concentrando esforços no apoio ao resgate e atendimento das vítimas”. A empresa é atendida por Africa (publicidade) e Artplan (digital). Para especialistas, há um longo caminho para a recuperação.
Daniel Domeneghetti, especialista em marketing da consultoria DOM Strategy Partners, analisa a estratégia: “ela é ok quando fala que vai dar apoio aos familiares, quando fala que vai dar R$ 100 mil […]. Mas as explicações que ela dá tanto para a causa quanto para o pré-acidente e para a não resposta do sistema de segurança no dia são muito ruins”, analisa.
Sendo uma empresa de capital aberto, a performance na bolsa é relevante. Depois do acidente de Mariana, a empresa conseguiu recuperar seu valor de mercado. Dessa vez, o cenário é outro. “Agora é muito pior. Tem a reincidência das condições do desastre, que ficam potencializadas pelo grande número de vítimas, além do meio ambiente”, alerta Luiz Marcatti, presidente da consultoria Mesa Corporate Governance.
Fabio Schvartsman, presidente da Vale, anuncia o fim das barragens a montante
Para o especialista, resta à empresa passar por uma profunda mudança no modelo de operar o negócio, gerir e monitorar seus riscos. “Esta transformação deve ser feita e comunicada de forma transparente, inclusive mostrando resultados efetivos, não apenas ficar no campo das intenções”, comenta. A verdade também é defendida por Domeneghetti. “É preciso estabelecer um novo piso de sinceridade e construir o discurso a partir daí. Esse piso de sinceridade precisa ser comprovável e fidedigno”, finaliza. No pós-tragédia, vale lembrar, a empresa teve a maior perda de valor de mercado num único dia na Bolsa brasileira: R$ 71 bilhões.