Varejo multimarcas ou loja própria?
Henrique Russowsky, sócio e diretor de mídia da agência Jüssi
A diretoria da maior fábrica de calçados do país está discutindo sobre a estratégia de distribuição de sua nova marca a ser lançada. Abrir lojas próprias ou vender por meio de multimarcas? Esse não é um dilema rotineiro e, justamente por isso, é uma decisão que deve ser muito bem ponderada.
Distribuindo via o varejo multimarcas ganhamos agilidade para dar início às vendas. O tráfego nas lojas já existe e os custos fixos iniciais são menores. Por outro lado, as margens são mais baixas. Além disso, os visitantes da loja dispersam o interesse entre várias marcas concorrentes. A inteligência histórica da área de compras visa maximizar as vendas do varejista. Logo, se a nossa marca está contribuindo de forma crescente, ganhamos mais apoio. Mas, mesmo assim, a margem pode diminuir ainda mais, por uma eventual falta de poder de barganha. Ou seja, o crescimento pode ser rápido, mas a tendência é que fiquemos a mercê das decisões do varejista.
Se decidimos por começar a vender por lojas próprias, podemos construir a loja da forma que queremos. Decidimos tudo: desde o conceito do projeto até a forma que os vendedores vão abordar os clientes. Mas, para isso, é preciso investir e os custos não são baixos: pagar arquiteto, decorador, material de construção, mobília e tudo que está envolvido na obra. Depois que a loja abre, ainda é necessário pagar aluguel alto, vendedores, treinamento, segurança, luz e assim por diante. Tudo isso para que, no início, alguns curiosos entrem, deem uma olhada nos produtos, façam cara de desconfiados e saiam. Sendo um pouco mais otimista, as vendas podem até começar a acontecer com alguma velocidade e as margens devem ser bem mais altas, mas ainda assim o break-even pode demorar a chegar, graças aos altos custos iniciais.
Corta para o universo da compra de mídia digital: o que é melhor? Usar ad networks, native ads e ferramentas de retargeting one-size-fits-all ou operar de forma programática, com uma visão 100% integrada da audiência, fazendo uso de DSP, DMP, ad server e bid manager? Assim como no dilema anterior, qualquer uma das opções apresenta vantagens e desvantagens e se adaptará melhor de acordo com o contexto.
Trabalhar com uma suíte de ferramentas programáticas é como construir sua loja própria. Mas, neste caso, estamos falando de uma loja de dados e não de calçados. Com uma DMP, organizamos nossos produtos – os dados – da forma que for mais conveniente. Temos total mobilidade e flexibilidade para criar listas, exportar cookies, inseri-los em outra ferramenta, dividi-los para criar grupos de controle ou confrontar a eficácia de diferentes plataformas. Enfim, manipulamos os dados da forma que queremos, porque eles pertencem a nós.
Mas, tudo isso tem um custo: para armazenar os próprios dados é preciso investir. Além disso, apesar de todo aprendizado que adquirimos ser mantido apenas para nós, esse aprendizado parte do zero. Toda a inteligência é capturada a partir dos primeiros esforços de campanha. Ou seja, como na loja própria de calçados, se demoramos demais para aprender, o custo vai ficando cada dia mais elevado. Por outro lado, se aprendemos e temos sucesso, as margens são mais altas e toda a glória é nossa.
Análogo ao caminho de distribuição através do varejo multimarcas é o uso de dados primários em plataformas não programáticas. Assim como varejistas concentram muito conhecimento, pois trabalham com uma série de marcas parceiras, ferramentas de publicidade como AdWords e Facebook Ads desenvolvem a inteligência de seus algoritmos de publicidade sobre um volume intenso de dados de diversos anunciantes.
Talvez nem todos saibam, mas os dados que você acha que são seus, como uma lista de remarketing do AdWords (do Facebook ou de qualquer outra plataforma similar) não são exatamente seus. Tente exportar uma lista de cookies do AdWords para rodar em outra plataforma. Essa possibilidade não existe no sistema. O que acontece é que você usa o ferramental de alta tecnologia que o Google te oferece, sem ter que investir em ferramenta. A contrapartida é que o Google te ajuda a coletar e organizar seus dados, mas ele tem a propriedade dos mesmos e permite que você os use apenas nas campanhas no AdWords. Não se preocupe: isso não quer dizer que o Google vai sair dando ou vendendo seus dados para outras empresas. Muito pelo contrário: seus dados estão muito bem guardados com eles.
Veicular campanhas em plataformas não programáticas é um caminho válido e muitas vezes eficiente no curto, médio e longo prazos. Mas é um caminho que gera maior dependência. O ponto aqui não é avaliar o risco dessa dependência, até mesmo porque ela pode variar caso a caso. O ponto, sim, é apresentar fatores que influenciam na tomada de decisão sobre qual estratégia adotar.
Corta para a realidade da mídia digital, hoje: o AdWords e o Facebook, entre outras plataformas de publicidade, oferecem a capacidade de segmentar e otimizar campanhas de forma tão precisa, que fazem parte de qualquer plano no digital. Além disso, a maioria dos anunciantes ainda está em fase de entendimento das soluções programáticas. Ou seja, no momento, o caminho percorrido é o do meio. Quem sabe, em um futuro próximo, as próprias plataformas tidas como não programáticas, que hoje mantêm seus dados ilhados, permitam que os mesmos sejam manuseados com maior flexibilidade, tornando-se, assim, plataformas programáticas acessíveis para muito mais anunciantes. Quando isso acontecer, esqueçam das lojas próprias e dos varejos multimarcas. Vamos aguardar.
Henrique Russowsky é sócio e diretor de mídia da agência Jüssi