Venda do Washington Post é bem avaliada
O que levou Jeffrey Bezos, CEO da Amazon, a comprar na semana passada o centenário The Washington Post, pagando US$ 250 milhões por um jornal que há alguns anos valia bilhões? Ele segue o exemplo de outros grandes executivos como John Henry, um dos donos do Boston Red Sox, que comprou o The Boston Globe por US$ 70 milhões (comprado pelo The New York Times em 1993 por US$ 1,1 bilhão), e Warren Buffett, CEO do fundo Berkshire Hathaway, que vem comprando jornais – como o Omaha World-Herald. Buffet comprou, até maio passado, cerca de 28 jornais, gastando US$ 350 milhões e somando uma circulação de quase um milhão de leitores.
Fundado em Washington D.C. em 1877, o The Washington Post foi o grande responsável pelas investigações do caso conhecido como Watergate e que culminou com a queda do presidente Nixon, em 1974, levando os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein a conquistarem o Pulitzer Prize. Também revelou documentos secretos detalhando o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã – a série Pentagon Papers. O jornal ganhou, ao longo de sua história, 47 prêmios Pulitzer.
Bezos torna-se o único dono do jornal, sendo que a compra envolve ainda outros veículos, como o Extress, o The Gazette e o Southern Maryland. Em carta aberta aos profissionais do jornal, Bezos prometeu respeito aos valores éticos da publicação, informou que não há demissões previstas entre os mais de dois mil empregados e manteve no cargo a editora e CEO do jornal, Katharine Weymouth – filha de Eugene Meyer, que comprou o The Washington Post em 1933. Aos 79 anos, ela recentemente publicou sua autobiografia, intitulada “História pessoal”. Seu filho, Donald Graham, é o executivo-chefe do jornal.
Repercussão
O jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM, Eugênio Bucci, diz que o primeiro aspecto surpreendente é mesmo a “pechincha” que saiu o jornal que revelou os Pentagon Papers e o Watergate. “Isso ilustra, com uma ponta de crueldade, o esboroamento do preço de um modelo de negócio que não consegue mais respirar. Ninguém dá mais nada pelos jornais. Agora, fora o preço, nós deveríamos nos perguntar: qual o valor (não o preço) de uma marca como o The Washington Post? Qual o valor das pessoas que hoje estão naquela redação? Qual o valor da cultura que elas carregam? Do conhecimento que elas têm? Dos contatos, das fontes que elas têm? Qual o valor da confiança que os públicos americano e mundial têm nesse título?”, argumenta.
Bucci acredita que Bezos fez o melhor negócio de sua vida. E não apenas porque comprou um gigante da imprensa “a preço de banana”, mas também porque as redações digitais começam a dar dinheiro. “Os jornais estão encontrando um equacionamento além do papel – a coisa ainda demora, teremos idas e vindas, mas a saída parece que existe mesmo. Bezos fez um excelente negócio porque ele conhece os negócios da era digital e sabe, muito bem, o valor (não o preço) do bom conteúdo. Ele, afinal, é um livreiro. Quero apostar que ele vem por aí com algumas soluções surpreendentes, que ajudarão a dar ainda mais luz para o nome do jornal que ele comprou. Quero apostar que vai dar certo”, reforça.
Pensamento digital
O otimismo em relação ao negócio de Bezos vem mesmo do fato de ele, ao contrário dos “colegas” Buffett e Henry, ser “uma das mais brilhantes cabeças da civilização digital”, segundo Thomaz Souto Corrêa, vice-presidente do Conselho Editorial e consultor para revistas do Grupo Abril. Para Corrêa, nunca foi tão interessante “perder por esperar”. “Sim, é verdade que todo mundo fala que os jornais vão acabar. Então por que será que Bezos comprou um jornalão? Pelo jeito, ele não acha que vai acabar. E aí reside a melhor notícia para a mídia impressa dos últimos tempos. Uma das mais brilhantes cabeças da civilização digital comprou um veículo decadente. Que perspectivas ele viu? Que modelo de negócio ele vai implementar? O que será o The Washington Post daqui a 10 anos?”, questiona.
Marcio Moreira, ex-vice-chairman do McCann Worldgroup, considera emblemáticos os dois fenômenos que as aquisições têm em comum: o encolhimento desses jornais como negócios ao longo do tempo, com receitas cada vez menores, e o fato desses jornais estarem sendo adquiridos por homens de negócios extremamente bem-sucedidos, quem sabe capazes de encontrar para eles um melhor equilíbrio entre custo e receita. “Buffett simplesmente acha que os pequenos jornais locais ainda são viáveis porque têm uma audiência cativa, que precisa deles para se informar, e comerciantes locais, que precisam deles para anunciar seus negócios. O segredo, para ele, é encontrar um melhor equilíbrio entre custo e receita, coisa na qual ele é mestre. Henry viu em seu investimento uma forma de consolidar sua presença política e social no mercado da Nova Inglaterra, onde atua. Custou-lhe uma bagatela, já que o The New York Times continua arcando com US$ 110 milhões em encargos referentes a aposentadorias. Já Bezos parece motivado pelo poder que o The Washington Post ainda confere e pela boa intenção de mantê-lo vivo e vibrante – afinal, esse foi o jornal que derrubou Nixon!”, opina Moreira.
Marca forte
Ben Edelman, professor associado da Harvard Business School, diz que é de fato possível que Bezos esteja disposto a implementar um novo modelo de negócio para o jornal, aproveitando seu óbvio prestígio como marca. “O negócio dos jornais tem se tornado cada vez mais difícil: custos fixos altos, faturamento com o impresso em queda e o faturamento do online ainda baixo. Talvez Bezos possa cuidar de alguns desses aspectos, criando quem sabe novas maneiras de reportar ou disseminar notícias, ou tornando-as mais lucrativas. Qualquer que seja seu plano, ele ainda não foi esclarecido”, ressalta Edelman.
Jorge Nóbrega, vice-presidente executivo das Organizações Globo, afirma que será preciso acompanhar os próximos lances da compra e destaca os três aspectos importantes que ajudam a compreender o movimento de Bezos. O primeiro deles é que jornais impressos, nos Estados Unidos, estão “baratos”. “Há queda de circulação nos EUA e há vários exemplos de jornais em recuperação usando bem a plataforma digital, como o próprio The New York Times”, reforça Nóbrega. O segundo aspecto é que, nesse caso, trata-se de um jornal cuja marca tem valor comparável a outros “monstros sagrados” do jornalismo impresso como o The New York Times e o Wall Street Journal. E o terceiro aspecto diz respeito à verticalização entre plataformas de distribuição e conteúdo.
“Tem sido uma tendência nos Estados Unidos, mas não no Brasil. Exemplo mais forte foi a compra da NBC Universal pela Comcast, operadora de telefonia, banda larga e TV paga, concluída esse ano. A Amazon poderá produzir conteúdo com a marca The Washington Post exclusivamente para seus kindles, por exemplo. Ela poderia fazer isto do zero (como fez o Huffington Post), exclusivamente para a plataforma digital”, especula o executivo.
Para Armando Strozenberg, chairman da Havas Worldwide Brasil, o jogo principal parece estar apenas começando. “Será que um dia alguns sites serão mais poderosos que os jornalões? Ou, quem sabe, os jornalões serão ainda mais poderosos ainda apoiados nos seus sites? Pelo menos um codinome o jogo parece já ter: credibilidade”, destaca.
Na semana passada, a jornalista Kara Swisher, que iniciou sua carreira na área de correspondência do Post, escreveu uma surpreendente carta aberta a Bezos, em que conta sobre sua entrada na cobertura do mundo digital e como escreveu inclusive sobre o início da Amazon, em 1994. No longo relato, Kara revela que o The Washington Post – como muitos outros jornais impressos – se manteve bastante resistente às mudanças da tecnologia da informação e que apesar de todos os seus esforços “nunca pareceu desejoso de entrar na internet de maneira significativa”.
Boas notícias
Carlos Lindenberg Neto, presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e diretor-geral da capixaba Rede Gazeta, afirma que por enquanto as notícias são boas. “Jeff Bezos é um empresário jovem, visionário, e montou de maneira pioneira esse ícone da internet que é a Amazon.com. Ele demonstrou sua capacidade ao ser um dos poucos a resistir ao estouro da bolha da internet, portanto não lhe faltam empreendedorismo e gestão para dar a vitalidade que o The Washington Post necessita para enfrentar esse momento de transição vivido pela indústria jornalística”, opina.
Para ele, Bezos tem dado sinais importantes, como a afirmação de que manterá os pilares éticos e jornalísticos do The Washington Post. “Bezos tem acesso a recursos financeiros e vasto conhecimento sobre o comportamento de consumidores digitais, que podem ser importantíssimos não só para essa publicação, mas também para ajudar toda a indústria a trilhar sua trajetória no universo digital”, conclui Lindenberg Neto.