Vinhos e chutes

Durante as inúmeras festas de fim de ano, mais uma vez tive de fingir que entendo alguma coisa sobre vinhos. E, para minha desgraça, entrou na moda a cerveja artesanal, assunto cuja minha ignorância é verdadeiramente abissal. Entre um chope vagabundo de pé sujo e uma cerveja feita por um ex-operador do mercado financeiro que mistura água, malte e lúpulo mais especiarias vindas do Oriente Médio, meu cansado paladar teima em não saber exatamente a diferença entre um e outro. Mas voltemos à enologia. Confesso que sou totalmente incapaz de reconhecer as diferenças entre os vinhos de preço médio dos absurdamente caros. Claro que depois de passar uma vida bebendo vinho, consigo perceber a diferença entre um vinho verde e um Barolo. Eventualmente, antes de começar a beber, posso até mesmo distinguir um Malbec de um Camernere. Claro que também consigo reconhecer, antes da azia, a diferença entre uma zurrapa e um vinho de categoria mediana, produzido por uma vinícula de responsabilidade. Mas não passo muito disso. Não chego a afirmar que todas as pessoas que deitam falação sobre as sutis referências olfato-gustativas entre um produto e outro estão chutando. Longe de mim. Sou um crédulo de nascença e não duvido que existam papilas educadas capazes de perceber um fugidio traço de sela velha com pitadas de amoras orvalhadas num único gole de vinho.

Não só acredito como tenho vontade de aplaudir de pé, como na ópera. Entre os talentos que invejo, não existe outro. Seria eu um homem extremamente feliz se numa degustação pudesse extrair de uma taça tantas sensações. O melhor exemplo de orgasmo múltiplo para mim é exatamente esse: fazer de uma coisa boa, uma coisa infinitamente boa. Pois bem, a BBC acaba de divulgar uma pesquisa realizada durante o Festival de Ciência de Edimburgo, pelos pesquisadores da Universidade de Hertfordshire, que prova, com números indiscutíveis, que a maioria das pessoas tem esta mesma limitação sensorial. Eles fizeram um teste com 578 pessoas apreciadoras de vinho. Pediram para que elas separassem os vinhos que experimentavam num teste cego entre produtos baratos e caros. Eram considerados baratos os vinhos com preço abaixo de 5 libras (R$ 13) e caros entre 10 e 30 libras (R$ 26 e R$ 78). Ou seja: garrafas que num supermercado são vendidas a R$ 20 (os baratos) e entre R$ 50 e R$ 100 (os caros). Por consequência, algo em torno de R$ 60 na categoria barato e de R$ 100 a R$ 300 num restaurante médio. Claro que entre duas opções, as pessoas têm 50% de chance de errar e 50% de acertar e isso foi levado em conta. Vai daí que a absoluta maioria das pessoas não conseguiu distinguir as diferenças dos vinhos por esse critério. Neguinho precisava de rótulo, garrafa e ambiente para saber a diferença de preço entre os vinhos que tomava.

O psicólogo Richard Wiseman, que conduziu o estudo, disse que no momento
de dificuldades econômicas que estamos vivendo (ele se referia à Europa), ter consciência da enorme influência que fatores externos tem sobre a apreciação de um vinho pode ser importante. Fico muito feliz em saber disso. Quando saio com amigos, alguns, para impressionar, pedem vinhos que significam meio mês de salário-mínimo. Fico constrangido em sugerir baixar a bola, e acabo tendo de engolir os olhares de desprezo de minha mulher (que, aliás, ganha mais do que eu) pela minha fraqueza. Nos últimos tempos desenvolvi uma técnica. Quando saio com algum perdulário desse tipo, tomo a iniciativa. Peço a carta de vinho, passo uma eternidade estudando, chamo o maître e aponto para um vinho de preço intermediário. E sentencio: “este é um Malbec que está fazendo o maior sucesso, pois traz toda a característica da uva, mas seu tempo de permanência na madeira lhe empresta uma consistência raríssima, principalmente num vinho jovem. É bem verdade que esta safra foi boa na região inteira, mas esses caras da Finca Guason Del Retiro acertaram em tudo!” Um dia me pegam, mas não vou fazer isso com quem realmente conhece. No dia que jantar com Robert Paker não pretendo abrir a boca para falar de vinhos.