Walled gardens
Deparei-me com a expressão Walled garden, ou Jardim murado, apenas recentemente e tive de dar uma olhadinha na definição correta para entender por que plataformas como Amazon, Apple, Facebook e Google ganharam este rótulo. “Plataforma fechada, jardim murado ou ecossistema fechado” de fato define bem a operação desses players digitais, que foram colocados em uma caixa a partir de um comportamento e ações no mundo bastante peculiares. Claro, nunca houve um Google no mundo até 1998.
Antes dele, como costuma brincar o escritor e professor de marketing Scott Galloway, havia Deus. Em uma de suas palestras, Galloway – que previu que a Amazon ia comprar a rede de supermercados Whole Foods e é autor do livro Os Quatro – Apple, Amazon, Facebook e Google. O Segredo dos Gigantes da Tecnologia – costuma dizer que o Google é o nosso “Deus moderno”, para quem são feitas, diariamente, milhões de perguntas nunca feitas antes a ninguém.
Este “Deus Google”, que ganhou a privilegiada e sem precedentes confiança de grande parte da humanidade, foi notícia semana passada pela multa à União Europeia da ordem de cerca de US$ 5 bilhões por práticas consideradas ilegais pelas autoridades antitruste. Entre as práticas condenadas estão a conhecida pré-instalação
do navegador Chrome, do Google Play e outros aplicativos em smartphones com o sistema Android. O Google também foi acusado de receber dinheiro de fabricantes de smartphones por essa pré-instalação. A terceira acusação foi proibir os fabricantes de smartphones com Android de comercializarem nos celulares versões alternativas do sistema operacional. Sob pena, claro, de perder os aplicativos da Google, como YouTube, Chrome e assim por diante.
De alguma forma, o mundo parece estar acordando de um longo e profundo sono e se perguntando por que fomos “dominados” por meia dúzia de empresas, travestidas de boazinhas, que agiram livremente no mundo. No fundo, isso ocorreu simplesmente porque as pessoas disseram sim. Como noivas apaixonadas, sequer consideramos a possibilidade de dizer não – ou de pelo menos questionar a escolha. Dissemos sim para todas as maravilhas tecnológicas e facilidades que de repente passaram a caber na palma das nossas mãos.
No Cannes Lions, este ano, Galloway teve a chance de levar sua palestra feita em diversos cantos do mundo, na qual questiona como foi possível que a capitalização de mercado de apenas quatro empresas seja equivalente ao PIB da Índia. O que hoje se percebe mais claramente é que faz tempo a atuação dessas empresas deixou de ser saudável e está longe de qualquer conceito de competitividade aprendido nos bancos de Harvard, em qualquer tempo. Depois de anos admirando tudo o que saiu da Silicon Valley, esses caras bonzinhos dispostos a salvar o planeta e nos salvar da irrelevância, estamos diante de algumas perguntas indigestas, mas que – como exames de toque e colonoscopias – precisam ser feitas: para que, afinal de contas, tudo isso? De que nos servem possivelmente 90% das traquitanas tecnológicas criadas ou em processo de prototipagem? E que conta estamos pagando por toda essa tecnologia?
Galloway – que em suas previsões fala que uma “fab four” do mundo digital será banida de alguma nação da Europa – chama a atenção para o fato de termos nos focado mais em valor ao acionista do que em humanidade. “Perdemos o controle com a idolatria grosseira da inovação e da juventude, não adoramos mais o caráter e a gentileza, mas sim a inovação e pessoas que geram valor aos acionistas”, diz.
Como ouvi semana passada em uma encontro sobre sustentabilidade, podemos não ter todas as respostas, mas pelo menos começamos a fazer todas as perguntas. Ainda bem!
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