Na esteira de polêmicas sobre racismo no Nordeste, marca fecha uma de suas lojas na Bahia

O ano de 2021 não terminou bem para Zara. Nos últimos meses, o nome da marca repercutiu nacionalmente por acusações de racismo em diferentes shoppings no Nordeste.

Em setembro, uma delegada negra foi barrada na loja do Shopping Iguatemi, em Fortaleza (CE), por "questões de segurança"; já em dezembro, um homem negro foi retirado do banheiro do Shopping da Bahia e acusado de roubar uma mochila que havia comprado na loja.  

Não bastassem os episódios, a Polícia descobriu sobre o uso do código "Zara zerou" para indicar a presença de pessoas "suspeitas" que deveriam ser seguidas no interior das lojas.

Mas o ano de 2022 também não começa muito melhor. Além de desdobramentos dos processos como pedidos de indenizações, a marca vai fechar uma loja na região, a unidade do Barra Shopping, em Salvador (BA).

A loja não está diretamente relacionada aos recentes casos, mas encerra atividades no dia 31 de janeiro. A unidade foi aberta em 2006 e tem área de 1200 m². O motivo do fechamento não foi divulgado. A informação, revelada ontem (19) pelo portal Alô Alô Bahia, foi confirmada pelo PROPMARK com o centro comercial. A Zara e o grupo Inditex também foram procurados, mas não houve retorno até o fechamento desta.

Com a mudança, a marca segue apenas com uma loja na capital baiana, no Shopping da Bahia, local onde ocorreu a abordagem ao rapaz no banheiro. O empreendimento, aliás, tem usado o episódio nos treinamentos de conduta. "O Shopping da Bahia não compactua com qualquer ato discriminatório e esclarece que o profissional envolvido no caso foi afastado de suas funções para passar por processo de reciclagem. Os treinamentos de todo o time também foram reforçados, inclusive utilizando esta situação como exemplo para evitar que se repita", informou a empresa.

Reestruturação global
No site do grupo espanhol Inditex, a Zara se apresenta como uma marca que "oferece as últimas tendências em moda para mulher, homem e criança", além de "internacional e diversificada, com lojas nas principais cidades do mundo e também online". "O nosso modelo de negócio está centrado nos clientes, adaptando-se continuamente às suas necessidades. O nosso compromisso com a sustentabilidade é um objetivo de todos os dias, para oferecer produtos mais éticos e responsáveis", diz o texto.

A empresa está em uma reorganização global, processo que começou em 2020. Em junho daquele ano, o The Guardian noticiou que as vendas do Inditex tiveram redução de 44% no primeiro trimestre fiscal, e que seriam fechadas 1200 lojas no mundo para aumentar as vendas online.

Sobre o Brasil, o Estadão falava no fim de sete lojas, escolhidas com base em relevância e tamanho: Joinville (SC), São José dos Campos (SP), Vila Velha (ES), Uberlândia (MG), São Bernardo (SP), Campo Grande (MS) e Goiânia (GO), Não havia menções a unidades no Nordeste.

Histórico polêmico
Seja por reestruturação ou consequência das polêmicas no país, o encerramento de uma loja na Bahia acaba engrossando um histórico que passa longe de ser positivo. Em entrevista em outubro de 2021, Fábio Milnitzky, CEO da iN – Consultoria de Marcas, falou ao PROPMARK justamente sobre os impactos de tantos casos na imagem da empresa.

"Uma simples busca no Google já nos mostra - em inglês e português. Quase todos os grandes veículos nacionais deram ênfase à notícia e diversos veículos internacionais, embora menos tradicionais e relevantes, fizeram o mesmo", comentou.

Para o especialista, chama atenção o histórico negativo que acompanha a empresa ao longo de sua trajetória. Milnitzky lembra que as polêmicas marcam a reputação da empresa há anos. "Em 2007, a marca lançou uma bolsa com o símbolo da suástica. Sete anos depois, a nova coleção apresentava um pijama semelhante àqueles usados por presos em campos de concentração, além de uma blusa em que se lia “white is the new black”, acusada de ser racista. A Zara se desculpou e retirou os produtos das lojas. Em 2017, a marca foi condenada pelas condições de trabalho análogas à escravidão às quais submetia seus trabalhadores da fábrica", cita.

Em sua visão, os casos ocorridos no Brasil, ainda que em locais e anos diferentes, seriam capazes de abalar a reputação da marca fora do país, pois "não existem fronteiras geográficas que sejam capazes de conter uma crise reputacional".

Questionado sobre o impacto dos fatos mais recentes nas vendas da empresa, ele aponta que apesar de estudos demonstrarem uma queda nas vendas de marcas não sustentáveis, isso ainda não é visto com força no Brasil. Mas ele não descarta consequências nos negócios.

"Temos que lembrar que ativismo é uma forma de expressão, mas não necessariamente um estado de consciência. Por isso, não é possível dissociar parte do barulho à representação social que um grupo de pessoas busca ter ao ativismo de redes sociais. Muita gente gosta mesmo é de fazer barulho, mas odeia mudar comportamentos. Então, a Inditex, dona da Zara e que até o início desse ano era a fabricante de roupas mais valiosa do mundo, continua firme e forte. Por outro, não seria de se estranhar que em breve a empresa enfrente uma crise de proporções grandes e com consequências nas vendas", pondera.

Diante do histórico e das associações quase automáticas à simples menção da marca, o caminho para resgatar uma boa imagem passa por muito "trabalho". Para o executivo, não é sustentável agir apenas de forma reativa quando um novo escândalo aflora. "E notas corporativas desconectadas com a prática não são capazes de transformar a imagem de uma marca", acrescenta.

Milnitzky diz ainda que apesar dos bons resultados financeiros, é preciso uma reestruturação interna "capaz de revelar o verdadeiro propósito da Zara, o que a empresa pode entregar ao mundo e quem ela quer por perto". "Ah, e agir antes de falar! Ninguém vai acreditar em uma marca com esse histórico sem ações concretas que unam discurso com prática."

Para o especialista em consultoria de marcas, não há uma relação direta entre o fechamento de algumas lojas e o ato de racismo ocorrido. O plano de redução de 1200 lojas não parece ser causa ou consequência de uma crise reputacional. Em sua visão, o problema da Zara não é regional, mas sim cultural e, por consequência, transcende fronteiras. "No Brasil, a pergunta é: até quando consumidoras e consumidores vão se permitir vestir valores que não condizem com aqueles em que acreditam?", questiona.

Ele lembra que outras marcas de fast fashion já têm trabalhado um conceito mais amplo de construção de marca. A C&A, por exemplo, conectou as atividades de seu Instituto à sua estratégia de negócio, estabelecendo compromissos formais de não apenas se tornar uma empresa melhor para a sociedade, mas de transformar a sociedade para melhor a partir de sua cadeia. No longo prazo, ele indica que a marca será beneficiada por assumir o protagonismo e posição de destaque.

Sobre o fechamento específico de algumas lojas no Brasil, o executivo não acredita que o fechamento destas unidades causará grande impacto para a Zara no Brasil, pelo menos no curto prazo. "Para mim, o mais preocupante é a Zara parecer não se importar (ou pelo menos ainda não falar sobre isso) com as atitudes negativas que acompanham sua história. É quase como se não existisse a consciência da relação simbiótica entre sua marca, seus produtos e seus consumidores. Nesse sentido, a marca se coloca em uma posição mais frágil globalmente, justamente por não se transformar a partir destes péssimos eventos, mesmo que locais, que tem acompanhado a trajetória da empresa", reflete.