Zona eleitoral
Dos orgulhos que tenho na vida, um deles é ter participado da campanha do Gabeira para prefeito no Rio de Janeiro. Gabeira é uma pessoa que foge completamente do estereótipo do político. Sem desmerecer outros, alguns com os quais tive a honra de conviver, é um dos poucos que fazem política (no caso dele, fazia, pois está fora) para prestar um serviço à sociedade. Ele acreditava de verdade que poderia fazer alguma coisa útil.
Hoje, vendo a corja que está se destacando neste mundo político – aqui e em outros países –, com as exceções conhecidas, parece impossível que exista quem mantenha um mínimo de decência. Parece ingenuidade crer que nesse mar de lama alguém mantenha algum ideal cidadão. Conheço alguns outros – infelizmente poucos –, mas quero me deter no Gabeira que, já afastado do ramo, não precisa dessas linhas para nada. Um episódio retrata com perfeição quem é o cara.
Ele calculou em detalhes o custo de sua campanha e, tão logo a arrecadação junto aos apoiadores chegou naquela quantia, mandou parar. Não lhe passou pela cabeça embolsar a diferença. Essa atitude de abrir mão das chamadas eufemisticamente de “sobras de caixa” não foi tomada com arrogância nem diante de uma plateia. Foi apenas uma frase curta, direta, para quem cuidava do dinheiro, como se fosse natural.
Quando eu falo de verba de campanha, falo de uma quantia minúscula se comparada com o que os concorrentes gastavam e continuam gastando. Sob a brilhante direção de Moacir Gois, a televisão tinha magros três minutos por dia no primeiro turno. Eram duas equipes para produzir material, embora a maior parte fosse feita em estúdio, num cenário que reproduzia um escritório.
Gabeira falava sobre seus planos diante da mesa. Só isso. O resto do tempo eram clipes que o Moacir criava, utilizando músicas cedidas por artistas amigos. A assinatura, uma criação do Campanelli com um ritmo alucinante, falava apenas: “O Rio é de Gabeira… Gabeira… Gabeira”. Um chiclete que era elogiado até pelos adversários. Cesar Maia confessou que seus netos atravessavam a sala de jantar marchando ao ritmo de “O Rio é de Gabeira… Gabeira… Gabeira”.
Para surpresa geral, fomos para o segundo turno e só perdemos porque, num golpe de mestre, Sergio Cabral criou um feriadão na segunda-feira após o domingo de votação. Muitos milhares de cariocas foram para cidades do litoral ou para a serra, levando consigo os preciosos votinhos que, sem dúvida, fariam Gabeira prefeito.
Um detalhe curioso desta eleição foi quando soubemos que os adversários estavam pensando em usar uma foto de Gabeira na praia, de sunguinha de crochê. Nós criamos o boato que sonhávamos com essa oportunidade para colocar no ar um filme que contava a história daquela foto, passada no primeiro dia que Gabeira voltou do exílio. Por ter o comércio fechado, usou a única peça encontrada no armário de sua prima, Leda Nagle.
Uma historinha encantadora (e verdadeira) que falava muito sobre a personalidade do candidato, pouco ligado às convenções. “Espertamente” os adversários não tocaram no assunto, para não dar motivo para uma resposta. Escrevo esta coluna sem saber os resultados das votações do domingo. Mas – pelo menos no Rio –, seja quem for que ganhar, terá sido uma campanha de inacreditável mau gosto.
Tanto o bispo como seu oponente deram demonstração de total falta de modos. Briga de moleques de rua, com direito a acusações da maior baixaria. Não houve escrúpulos em trocar insultos. Comportamento de bêbados em zona de baixo meretrício, mostrando, antes de mais nada, o que os candidatos acham de seus eleitores. Mesmo Eduardo Paes, líder absoluto nas pesquisas, não conseguiu se manter com um mínimo de compostura.
O bispo, esquecido de sua condição de líder religioso, não teve o menor pudor em criar mentiras, como acusar Paes de querer distribuir nas escolas do Rio a cartilha que pregava o aborto e o sexo livre. Pálido, cabelos pintados, Crivella era o próprio fantasma carola, ameaçando as pessoas de viverem em pecado, caso votassem em Paes. Esse, por sua vez, não poupou seu oponente, falando o que lhe vinha à cabeça, completamente alheio à verdade. Valeu tudo nessa eleição. Seja quem for o eleito, quem perdeu feio foi a população do Rio.