Christian Rôças fala sobre como a creator economy movimenta o mercado e a importância da educação no processo de profissionalização

Christian Rôças é um nome conhecido no mercado. Crocas, como é chamado por ai, já passou pelo Instagram, Facebook e foi CEO do Porta dos Fundos. Atualmente, ele é um dos principais nomes quando o assunto é creator economy, tema que está latente nas rodas de conversa das empresas que compõem a indústria criativa.

Recentemente, ele se juntou com outros profissionais como Fernanda Paiva (ex-head global de cultural branding da Natura); Antonio Abibe (idealizador do Creators Connect e ex-CEO do Manual do Mundo); Monique Evelle (cofundadora da Inventivos e membro do Shark Tank Brasil) e Evandro Fióti (cantor, compositor e CEO do Laboratório Fantasma) para lançar o projeto Flint, um hub dedicado à educação na creator economy.

"Flint é um selo de educação e entretenimento e que vai trabalhar nesses lugares para ensinar que a linguaguem creator é uma mistura entre tecnologia, cultura, comunicação e todas as possibilidades de recursos de linguagem", explicou.

Para Crocas, é importante que o mercado entenda que a creator economy é a junção de uma série de fatores e que impacta diretamente não só na vida daqueles que estão ali, mas na economia como um todo com a geração de empregos, por exemplo.

Ao propmark, ele fala sobre as suas visões sobre o mercado, a importância da educação no processo de profissionalização e, com a proximidade do Dia do Trabalho — comemorado em 1º de maio — também dá um alerta para as empresas.

Mercado
A creator economy fala, atua e mostra o que está trazendo de possibilidades econômicas, porque no final das contas, quando falamos de economia criativa, estamos falando de mercado econômico, quando gera de grana, emprego, oportunidades... Esse mercado é o ecossistema de produção inteiro, não só o creator que está na frente da câmera. Ele é isso também, mas também são os produtores de vídeo, os roteiristas, os editores, a empresa que vende ring light, a empresa de plataforma de monetização, as empresas de dados... O tamanho desse mercado é muito maior do que a gente lembra. Eu acredito que conforme a demanda de consumo de conteúdo em plataforma aumenta, esse mercado se distribui melhor, gera emprego e tudo mais. O BNDES está de olho nesse assunto porque a estimativa de dados é que o mercado, nesse ano, chegue a US$ 250 bilhões mundialmente. Tudo que é economicamente interessante, importante e mexe no bolso passa a ganhar uma atenção especial, que é o que estamos vivendo agora, que passa pelo lugar de profissionalização, assim como o jornalismo já passou. Tempos atrás, essa não era uma profissão que existia mas aconteceu um momento em que a demanda pelo jornalista aconteceu e precisou-se criar a profissão trilhada, organizada e certificada.

Linguagem creator
Hoje em dia nós temos dois olhares, que é o Flint traz, que são: o do mercado do creator se profissionalizando e trazendo a indústria junto e o da linguagem creator. Nessa segunda, a gente pode fazer um paralelo com o inglês, por exemplo. Claro que existem pessoas que não tiveram a oportunidade e os privilégios para aprender, mas as que tiveram, têm mais chances profissionais em suas carreiras. Isso é fato. Quando a gente pega essa analogia e pensar que todos os profissionais hoje que falarem essa linguagem também vão poder expandir seus públicos e suas carreiras. Muitas pessoas perguntam se é para o personal trainer, por exemplo, virar um influenciador e, se ele quiser, tudo bem, mas se ele não quiser, ele pode aprender a linguagem e aplicar na sua carreira para ter mais clientes, aumentar o valor do serviço, licenciamento de produto, lançar um livro se quiser... Ele vai construir a sua marca pessoal de um jeito tão forte, que ele vai poder ter mais produtos ao redor, ao invés de só vender uma aula. Se o mercado profissional de conteúdo subir a barra e a gente conseguir incluir as pessoas nessa linguagem creator, todo mundo ganha.

Ascensão
A pandemia deu um empurrão que faltava para as pessoas que não tiveram muita escolha e tiveram que achar uma forma de fazer dinheiro, seja com seus próprios conteúdos produzidos falando sobre um tema, uma história, alguma narrativa ou para vender os seus produtos. Aquele medo inicial de 'não vou ficar bem na câmera' e 'não sei fazer' nos trouxe vários autodidatas e isso expandiu muito o mercado. De novo, nós estamos falando sobre economia. Foi uma necessidade para gerar renda e, nesse caso, a pandemia ajudou muita gente a aprender a falar a linguagem creator ou aperfeiçoar o que já sabia. Claro que muita gente começou e parou, o que é normal, mas também teve muitas pessoas que viram que dava certo e é nesse nicho que nós queremos trabalhar.

Aprendizado
Eu acho que todo mundo está aprendendo muito. É um momento em que quem diz que sabe tudo ou é mentiroso ou tá bem perdido sobre qual lugar do mundo está. Eu atuo de uma forma que eu gosto de não saber. Gosto de ter a sensação de que eu não sei sobre algo, vou procurar por informações e, quando eu souber, vou ter um conhecimento enorme sobre aquilo para poder falar para os outros. Os mercados da publicidade, do jornalismo, da produção de conteúdo, do streaming, do audiovisual notarem que estão juntos e não mais separados como já foi uma vez no passado, quando as indústrias as vezes davam uma namorada uma com a outra. Hoje, nós estamos passando por esse 'crash' e eu prefiro olhar para como a gente se cuida para não achar que só aquele mercado específico tem razão. Eu passei por algumas indústrias que são da comunicação e que são muito diferentes umas das outras e, muitas vezes, dizia 'espera, vocês estão dizendo a mesma coisa, só que em termos e ângulos diferentes, além de um ego muito grande'. Eu quero que a creator economy dê dinheiro para as pessoas, movimente a economia para ter mais emprego e, assim, mais felicidade porque isso é um fator que dá dinheiro e acho difícil que alguém não queira isso. Essa discussão precisa passar por um lugar aonde a gente deveria resetar a barra para o 'não sei' e começar dali. Como a gente vai fazer para juntar o que eu sei com o que você sabe para surgir uma nova coisa?

Multidisciplinaridade
Esse ano eu estive tanto no SXSW e no Web Summit Rio e esses eventos tocaram em um assunto que eu, particularmente, adoro, que é a multidisciplinaridade. A publicidade sozinha não resolve mais o problema da marca, o audiovisual sozinho não resolve sozinho o problema do lançamento dos seus filmes, os creators sozinhos também não vão resolver os seus próprios casos. É uma mistura de disciplinas e a gente precisa gostar disso. A resistência vai acontecer, o que é normal, e é nosso papel como indústria dizer que para as empresas olharem pro lado para ver como os outros estão fazendo, inclusive na questão dos cachês.

Digital é mais barato?
Eu escutei muitas indústria e percebi que as pessoas vão se confundindo nos seus dizeres. Por exemplo tem muitas pessoas que acreditam que o conteúdo para o digital é mais barato e isso me incomoda porque eu não acho que é mais barato, mas que é uma estrutura de desenho de produção tem custos menores dependendo do conteúdo que você vai fazer para o digital e isso não significa que o cachê das pessoas precisam ser menores. Você tem que ter um profissional para cada função necessária em uma produção. Aqui, eu estou falando sobre como remunerar melhor essas pessoas e como a creator economy, ao se profissionalizar, precisa tomar cuidado e ter um jurídico e um advogado, por exemplo. A gente tem nas outras áreas, por que não vamos ter nessa? Outro ponto é que o desenho de produção que uma televisão e um streaming tem é muito mais parrudo e isso é óbvio. Se a gente testa e erra em um volume de produção que tem cem pessoas, esse teste é milionário e eu vou ser burro se fizer isso. Agora, se eu tenho a vantagem de testar um desenho de produção pensado para o digital, eu não vou gastar esse dinheiro, além de poder testar e corrigir a rota com mais fluidez, algo que o mercado publicitário e do audiovisual deveriam aprender. Se funcionar, a gente parte para outra janela porque não tem uma melhor do que a outra.

Visão do mercado
Eu gosto de olhar inovação visitando o passado e, se a gente olhar para lá, quando as radionovelas foram para a televisão, rolou um preconceito, uma coisa de 'quem faz televisão não bom ator, eles não são do rádio'. Isso sempre vai acontecer com as novas gerações e novas mídias, mas a medida em que as coisas vão se profissionalizando, ajuda e a nossa hipótese como Flint contribui nesse processo. Antigamente, as pessoas tiveram que aprender umas com as outras e, para isso, contaram com os preparadores de elenco, os empresários, agentes, maquiador, iluminador... Toda a estrutura da indústria que a gente conhece hoje foi montada no passado. Agora, a gente vive a oportunidade de montar uma também. O mercado vai amadurecer e a gente bebe da água um do outro, entende? Eu acho que existe um lugar de pensar em como ajudar as pessoas a falarem a linguagem da creator economy, seja uma atriz, um roteirista, um empresário, um advogado... Ao mesmo tempo, o mercado precisa tomar cuidado e parar de fazer coisas do tipo 'vou contratar uma criadora pra ser a atriz em uma série porque ela tem mais seguidores que a outra pessoa', porque esse papo vai ficar para trás. É importante ter audiência, ter uma comunidade mas isso não é tudo. Os algoritmos estão mudando e, hoje, o conteúdo e a reputação são as coisas que mais valem.

Poder da creator economy
Essa é uma economia que é transversal, conversa com todas as indústrias e pode ajudar elas a crescerem seus números financeiros, sua profissionalização, a remuneração dos funcionários, a sofisticação dos trabalhos e muitas outras coisas. Ela é uma felicidade e pode ajudar a economia do país crescer, além de mudar a realidade das pessoas, é só a gente olhar a quantidade de pessoas de periferia que estão trabalhando, vivendo e ganhando dinheiro com isso.

Educação como destino
A Flint é um selo de educação e entretenimento. É multiplataforma né, então nós produzimos conteúdos para os nossos próprios canais digitais e criamos trilhas e cursos sobre essa linguagem e todas as suas necessidades. As pessoas precisam aprender, mas tem que aprender com gosto, de uma forma gostosa. Nós vamos começar com alguns cursos livres, mas as pessoas também podem ir para lugares com certificação, pós-graduação, formações mais profissionalizantes reais. O selo Flint vai trabalhar nesses lugares para ensinar que a linguaguem creator é uma mistura entre tecnologia, cultura, comunicação e todas as possibilidades de recursos de linguagem. Eu costumo dizer que ela é um conjunto de habilidades e métodos, que mistura o técnico e o acadêmico. As universidades estão começando a entrar nesse jogo também e isso é muito importante porque elas precisam da linguagem do entretenimento dentro do que ensinam e nós precisamos do amparo do acadêmico e do teórico. Nós precisamos um do outro para que o mercado melhore e aconteça. O Flint nasceu da necessidade de todo mundo ter que falar creator, não ser creator. Se você não quer ser um, tá tudo bem, mas você precisa se comunicar como um.

Responsabilidade
O dia 1º de maio está chegando e nós estamos falando de profissão, de como nós movimentamos economicamente as pessoas e traz possibilidades financeiras e de movimentação social e econômica para vários públicos. Então, você que é uma marca, uma agência ou um cliente dê uma raciocinada sobre como você consegue trabalhar a sua responsabilidade social para pensar em como a gente poderá educar e trazer mais repertório, sofisticação, inclusão e possibilidades por meio de uma de uma linguagem creator e dar mais aberturas de portas para um monte de gente que está precisando. Educação é a saída para a movimentação social e financeira, além de melhorar o mercado de creator economy e da indústria criativa. Nesse primeiro de maio, ao invés de gastar dinheiro com um monte de ação inútil, investe em projetos de educação porque, com isso, todo mundo sobe de barra e o mercado melhora.