"Boas experiências ao consumidor melhoram nossas vidas", diz Federico Grosso

Head da Adobe para a América Latina, Federico Grosso tem origem italiana e uma visão global que o ajuda a gerenciar a empresa de tecnologia no mercado regional. Palestrante em eventos como o Cannes Lions, ele tem carreira com passagem por startups e grandes empresas na Europa, América Latina e Estados Unidos, incluindo Yahoo (atual Oath) e HP Autonomy. Ele defende que, nos próximos anos, o Brasil e suas empresas têm uma grande oportunidade de dar um passo adiante, transformarem seus negócios e se tornarem referências nas questões da experiência do consumidor. Quem hoje sofre nos pontos de contato com as marcas sabe o quanto o país é carente na oferta de serviços bons e simples, como Waze, Uber ou similares. Nesta entrevista, Grosso conta como as companhias do país podem abraçar o conceito de experience maker e até se tornarem referências para o mundo.

Divulgação

Federico Grosso: “A Adobe mudou completamente como empresa”

A Adobe tem um discurso forte sobre experiência do consumidor, e esse é um grande gargalo na relação das empresas com as pessoas. Você enxerga que há alguma evolução nesse debate?
Há uns quatro anos, começamos a falar sobre experiência do consumidor atrelada à força da marca, porque uma coisa não poderia mais estar separada da outra. Um segundo passo foi falar da experiência conectada à geração de negócios para a empresa e em como ela precisa permear toda a organização. Em 2018, nosso discurso evoluiu para algo mais prático, focado nos chamados experience makers, pessoas ou equipes inteiras que já conseguiram tirar essa conversa do papel e transformar os negócios de suas empresas e oferecer uma experiência melhor ao consumidor, sejam elas startups ou grandes companhias.

Por que melhorar a experiência é tão importante para as empresas?
Quando falamos de experiência, estamos tratando da coisa mais antiga do mundo. Os seres humanos entendem o mundo através de experiências sensoriais há milhões de anos. Na época da comunicação de massa, com o rádio e a televisão, essa experiência direta das empresas com as pessoas foi relegada a um segundo plano, mas, com a tecnologia, voltou a ser algo possível e importante. Uma boa experiência envolve tecnologia e personalização da mensagem, mas também a capacidade de surpreender as pessoas. O brasileiro, em particular, é um povo que demonstra emoções e tem um apelo intuitivo por uma experiência mais individual e pessoal.

Qual o impacto desses chamados “experience markers” nas empresas?
Neste ano, estivemos no Adobe Summit em março, em Las Vegas, que reuniu 15 mil participantes, incluindo cerca de 230 pessoas da América Latina. Vimos diversos desses makers, fazedores de experiências, de empresas como Coca-Cola e Virgin, que estão se transformando. O que percebemos é que a discussão sobre experiência não está mais apenas nas áreas de marketing e tecnologia, mas foi abraçada pelos CEOs das principais companhias. Com isso, quebram-se vários silos e a ideia de oferecer uma experiência melhor ao consumidor se propaga por toda a empresa, do CEO aos diversos setores, inclusive RH e finanças. No final das contas, cria-se valor para a empresa e o usuário de seus produtos e serviços. A experiência é um assunto de suma importância para o mercado de comunicação hoje, tanto que empresas como WPP, Publicis e consultorias como Accenture e Deloitte, estiveram presentes para entender melhor esse ecossistema. E acredito que o Brasil tem potencial muito grande para ter os próprios experience markers no palco do evento no ano que vem. O país já tem, inclusive, grandes referências, como o que tem sido feito na Webmotors, pelo CEO Fernando Miranda, ou na Óticas Carol, pelo CEO Ronaldo Pereira. São bons exemplo de excelência em transformação digital e cuidado com as experiência do cliente que são relevantes para as outras empresas.

De que forma as empresas podem se beneficiar ao oferecer experiências melhores a seus consumidores?
Uma pesquisa da Forrester Consulting, a The Business Impact of Investing in Experience, publicada em abril, mostrou que apenas 31% das empresas são, de fato, guiadas pela experiência. Além disso, mostrou que esse tipo de empresa tem lembrança de marca 1,6 vez maior que a média, 1,5 vez mais satisfação dos funcionários, 1,9 vez a mais de retorno sob o investimento publicitário e 1,6 vez a mais de satisfação do consumidor. A base da ideia de experience maker é criar valor agregado para as empresas, otimizando processos e provendo eficiência. Quando se falar em experiência, uma parte dela tem a ver com a beleza e a facilidade de se usar um serviço e aplicativo, mas tem um aspecto prático, que é oferecer eficiência. Nossas vidas foram transformadas e ficaram muito melhores por causa da experiência trazida por aplicativos lançados há poucos anos e que transformaram nossa vida, seja a forma como nos comunicamos, andamos no trânsito pelas ruas ou monitoramos nossa saúde. Se dois ou três aplicativos já melhoraram as coisas, imagine se fossem dezenas deles? Essas boas experiências ao consumidor melhoram nossas vidas. Há um grande potencial inexplorado no Brasil para a oferta de experiências mais agradáveis, seja por startups ou por grandes empresas. Por outro lado, esse atraso nos dá uma vantagem competitiva grande se pensarmos no futuro.

O Brasil e suas empresas podem se tornar referências da nova economia, com a criação de startups e soluções inovadoras?
Países como o Brasil, que se atrasaram na adoção tecnológica, podem evitar erros cometidos em outros mercados. Existem muitas empresas com excelência que têm líderes que olham para a transformação digital de seus negócios de forma muito séria. Os usuários brasileiros já demonstraram de muitas formas a curiosidade intelectual em relação a novas tecnologias e facilidade de adoção de plataformas. No Brasil, as pessoas são mais abertas a novidades tecnológicas do que na Itália, onde nasci. Nas redes sociais, por exemplo, o país tem a quarta maior quantidade de usuários no Facebook, sendo que se trata apenas da oitava economia do mundo. Essa representatividade mostra que os brasileiros estão abertos tecnologicamente a adotar soluções que tornem sua vida mais fácil. Coisas que encurtem filas, que não os deixe tanto tempo no trânsito. As empresas brasileiras, sejam startups ou players tradicionais, têm diante de si um grande potencial de responder a essas novas demandas.

Você consegue enxergar mais startups surgindo no Brasil, de olho no que ocorre no Vale do Silício?
Sim, mas a excelência não está apenas no Vale do Silício. Os brasileiros são hipnotizados pelo que ocorre lá, com as inovações de grandes empresas e a cultura dos unicórnios (empresas que nascem pequenas e conseguem superar valor de mercado de US$ 1 bilhão). No país, apenas 99, PagSeguro e Nubank conseguiram a marca. O risco de olharmos só para o Vale do Silício como referência é que são empresas já nascidas puramente digital, com investimentos grandes de fundos de venture capitals, e isso não vale para a maioria das empresas. As boas referências para o mercado brasileiro podem estar em outros lugares, como Índia, China, Canadá e países europeus. Se você é dono de um teatro no Brasil, por exemplo, precisa ver experiências como a do Sydney Opera House, que tem um modelo de transformação digital único no mundo.

De que forma a Adobe tem se comportado para fomentar o mercado com tecnologia para melhorar a experiência do consumidor?
Temos a plataforma de tecnologia Experience Cloud, mas vamos além de ser um fornecedor. A Adobe mudou completamente como empresa e já passamos por nossa própria transformação digital. O que estamos fazendo é compartilhar essas práticas e demonstrar como o fator tecnologia é só uma parte do quebra-cabeça da experiência, que precisa muito também do talento humano. A nossa chefe mundial de RH também cuida de nossa experiência de clientes. A mensagem é clara: queremos ser boa empresa para nossos colaboradores, e oferecer essa mesma experiência para nossos clientes. Queremos criar parcerias estratégicas de negócios com as companhias, ficando atentos à forma como a jornada do cliente é orquestrada e conectada e ao uso de machine learning para entender o perfil único do usuário.

Um dos grandes desafios do marketing é identificar o consumidor individualmente e oferecer a melhor experiência e publicidade mais dirigida de acordo com seu perfil. Como a empresa trabalha com essa questão?
A identificação do usuário único é um dos grandes desafios das marcas hoje. Significa nada mais do que a empresa reconhecer o consumidor em vários pontos de contato. Uma das maiores reclamações minha, sua e de qualquer um sobre as experiências com as marcas é que você vai na loja e, depois, quando liga no call center, as pessoas não te reconhecem, não sabem do seu histórico. Essa identificação do consumidor ajuda a marca a ter comunicação relevante e personalizada, abrindo as portas ao que identificamos como personalização de massa.

Há uma grande discussão sobre o papel da criatividade em meio a tantas plataformas digitais para se oferecer uma melhor experiência de marca. Será que as máquinas serão suficientes para fazer todo trabalho?
Por muito tempo, tecnologia e criatividade ficaram separadas. Os times que cuidavam da beleza da experiência ficavam distantes, em setores diferentes dos que eram encarregados da eficiência da experiência. O grande diferencial que vemos nos experience makers de hoje é que eles conseguem conectar as duas pontas. Há um movimento de criação de times interdisciplinares onde criativos, designers, analistas e profissionais de tecnologia se juntam de forma harmônica. É um tipo de colaboração impossível há até bem pouco tempo. Ter uma grande tecnologia para melhorar a experiência das pessoas é importante, mas apenas com a criatividade e a surpresa é que veremos as grandes mudanças de mercado e a mistura entre inteligência e arte que criam experiências memoráveis ao consumidor.

Leia mais
“Nosso objetivo é criar coisas que não tenham preço”, diz Sarah Buchwitz
“Em ano de Copa, a gente tem um segundo Carnaval”, diz Pedro Adamy