Guerra dos streamings fortalece a indústria e desafia a publicidade
Na obra As Crônicas de Gelo e Fogo, levada às telas como Guerra dos Tronos, apenas uma pessoa/casa poderia ocupar o espaço mais cobiçado. Criada por George R. R. Martin, a narrativa foi cheia de batalhas, baixas, alianças, traições e reviravoltas para que o poder supremo não fosse dividido.
Em breve, o legado de GoT terá uma série derivada no HBO Max, streaming da WarnerMedia. Lançado há um ano nos Estados Unidos e marcado para estrear dia 29 de junho no Brasil, o serviço também vive de certa forma uma guerra: a dos streamings.
O tabuleiro desse jogo reúne competidores que mesclam tradição e experiência digital: Disney+, Netflix, Prime Video, Star+, Hulo, AppleTV+, Paramount+, PlutoTV, Globoplay e possivelmente outros enquanto você lê este texto. No entanto, diferentemente da ficção, o trono, formado pela atenção e pelo bolso do consumidor, permite mais de um vencedor.
Sem considerar eventuais descontos e promoções, hoje os principais competidores têm preços até R$40: Netflix (R$32,90), Disney+ (R$27,90), PrimeVideo (R$9,90), HBO Max (R$28,90), Globplay (R$22,90), AppleTV+ (R$9,90), Paramount+ (R$19,90) e Telecine (R$37,90). Diante dessas e outras opções, cabe ao consumidor decidir quem será digno de seu investimento e quais cabeças vão rolar.
Em evento na última quinta-feira (20), Adriana Naves, head de Distribuição de Conteúdo Latam da Roku, empresa de streaming para a TV que está no Brasil desde janeiro de 2020, falou sobre o crescimento da indústria.
Líder nos Estados Unidos, a companhia possibilita, por exemplo, que os provedores de conteúdo criem e monetizem grandes audiências, e fornece aos anunciantes recursos para envolver os consumidores. “Temos 56,3 milhões de contas ativas no mundo e 18,3 bilhões de horas consumidas. Nosso portfólio agrega mais de 100 mil séries e filmes, e mais de cinco mil canais”, disse, indicando uma forte demanda por conteúdo e serviços que facilitem o consumo. Por tudo isso, os principais players se movimentam intensamente com diversas estratégias no campo de batalha.
Cartas na mesa
Com apenas seis meses de vida no Brasil, o Disney+ ganhará um irmão: o Star+. Enquanto o primeiro é voltado à família, reunindo Disney, Pixar, Marvel, Star Wars e National Geographic, o segundo chega aqui em 31 de agosto focando no adulto com entretenimento geral.
Estão previstos materiais da ESPN, além de séries, desenhos animados, filmes, documentários e produções originais Star, regionais e internacionais. Como a oferta complementar, não é difícil imaginar pacotes promocionais entre os dois.
Nesta quinta-feira (27) o próprio HBO Max estreia o aguardado #FriendsReunion, especial com os amigos mais famosos da televisão. No ar de 1994 a 2004, a sitcom marcou época, conquistou fãs pelo mundo e seguiu através de 17 anos multiplicando sua audiência, aproveitando o digital.
O teaser e o trailer anunciados semana passada encheram as redes sociais de reações emotivas, com endosso de celebridades, empresas de mídia e até elencos “concorrentes”. A expectativa é grande, especialmente para os brasileiros. O especial chega ao Brasil marcará a entrada da plataforma na América Latina e no Caribe. Curiosamente, o Globoplay anunciou How I Met Your Mother no catálogo. Com nove temporadas, a série é bastante comparada com Friends e também reúne um fandom fiel e engajado.
Outra notícia que sacudiu a batalha dos streamings foi o anúncio da AT&T e da Discovery: um acordo para unir o conteúdo da Discovery com os da WarnerMedia. O novo serviço deve ter canais como HBO, TNT, CNN, Cartoon Network e Animal Planet, entre outros.
A expectativa é que o acordo entre em vigor em meados de 2022, caso aprovado em todas as etapas habituais. “A nova empresa poderá investir em mais conteúdo original para seus serviços de streaming, aprimorar as opções de programação em sua TV paga linear global e canais de transmissão, além de oferecer experiências de vídeo mais inovadoras e opções de consumo”, informa o comunicado conjunto.
Em paralelo, a Amazon comprou o estúdio MGM (mais de quatro mil títulos e 17 mil episódios) por US$ 8,45 bilhões. O portfólio tem franquias como 007, Rocky e Creed, filmes como Nasce uma Estrela e O Silêncio dos Inocentes, além das séries Vikings, Fargo, The Handmaid’s Tale, e realities como Survivor e Shark Tank.
Há pouco mais de um ano, a MGM já havia indicado a intenção de vender seu conteúdo e despertou interesse de Apple (dona do AppleTV+) e Comcast (que divide o Hulu com a Disney), mas sem concretização.
Em abril deste ano, a Netflix revelou, junto a resultados financeiros do trimestre, sua intenção de ampliar os investimentos em conteúdo para 2021, ano que marca uma década da empresa no Brasil.
Segundo o deadline, a empresa citou a preocupação com o atraso nas vacinas como uma das principais preocupações para realizar o investimento. “Apesar de a distribuição de vacinas ser muito desigual ao redor do mundo, estamos retornando e produzindo com segurança nos principais mercados, com exceção de Brasil e Índia. Presumindo que isso continue, vamos investir mais de US$ 17 bi em conteúdo neste ano”, informou a publicação. Para efeito de comparação, a empresa gastou um pouco mais de US$ 15 bi em 2019 e US$ 12 bi em 2018.
Há poucos dias a empresa revelou ainda o teaser e a data de estreia das duas partes de ‘La Casa de Papel 5’, um de seus maiores fenômenos de audiência e publicidade. Outro anúncio semelhante é o da quarta temporada de Stranger Things, que também fez história na plataforma usando a presença de marcas dentro do contexto da narrativa.
E não acabou. Hoje, a ViacomCBS fará o evento “A revolução do streaming começa aqui”, destacando o Paramount+ e o gratuito PlutoTV, bem como o momento em ebulição desse mercado.
Desafio para a publicidade
Se de um lado as novidades oferecem um parque de diversões para o consumidor, do outro exigem da publicidade ainda mais relevância e criatividade.
Na avaliação de Paulo Ilha, VP de Mídia e BI da DPZ&T, essa grande disponibilidade evidencia na prática que as pessoas consomem aquilo que é relevante para elas. “Esse fato torna-se ainda mais nítido no ambiente digital, onde temos mais dados e conseguimos acompanhar com bastante precisão o comportamento dos usuários”, resume.
Além disso, apesar do impacto na indústria, ele vê a transformação como positiva. “Nos obriga a produzir conteúdos mais efetivos e pensar em novas estratégias de mídia”, diz.
Ampliando o debate para além dos streamings de vídeo, ele aponta como oportunidades comercial o formato de players gratuitos, mas que contêm publicidade, como o Spotify. “É um business model importante, sobretudo na América Latina, que tende a ganhar ainda mais força no Brasil, considerando a limitação financeira das pessoas para contratar serviços por assinatura”, reflete.
Na mesma linha de raciocínio, André França, VP de mídia e dados da WMcCann, analisa que o aumento da relevância do streaming aponta um caminho desafiador para as marcas, visto que a grande tela do lar será cada vez mais dedicada ao conteúdo, eliminando o intervalo comercial.
De acordo com ele, há um caminho bem claro a seguir. “O pensamento precisa ser de relevância e entretenimento, algo antigo, porém premente. Para a publicidade, todo desafio é uma oportunidade para avançarmos e melhorarmos.”
Mesmo as empresas estão buscando novas formas de receita, além das assinaturas. Em 2019, quando completou 22 anos de história, a Netflix já sinalizava, a cada balanço aos acionistas, uma maior diversificação.
Um documento divulgado em julho daquele ano destacava o esforço de licenciamento e parceria com marcas como Coca-Cola, Nike e Burger King para Stranger Things, além de lembrar o anúncio de jogos com a Epic Games, desenvolvedora do fenômeno Fortnite. No report anterior, de abril, a questão de parcerias nem havia sido citada.
Nesse contexto, um dos formatos mais utilizados pela plataforma é o product placement. Com mais de 150 milhões de assinantes e alcance de 190 países, a empresa abriu a casa para inserção de produtos e marcas em seus produtos originais. Além das já citadas, Samsung, Estrella Galicia e Amazon também entraram por essa porta.
Seria uma para a publicidade? Com o retorno de La Casa de Papel e Stranger Things ao Tudum, bem como as dezenas de novidades em todos os demais streamings, resta apenas dar o play e conferir.