No campo e no mercado, a gente joga juntas
Primeiro de dezembro de 2018. Tarde quente de muitas chuvas em Porto Alegre. O juiz apita. A final do campeonato de futebol feminino da Copa das Agências vai começar. A torcida vibra e se organiza na beira da rede pra assistir ao jogo.
Dentro da quadra, lembro que aquele nervosismo de sempre deu lugar a um sentimento bom. Foi quando várias meninas, de ambos os times, fizeram o mesmo apelo: vamos fazer uma roda única? Ninguém se opôs.
E não foi porque éramos amigas que jogavam juntas toda quinta-feira. Ou porque a gente se conhecia do mercado. Ou porque a gente se encontrava o tempo todo nos rolês de final de semana. Também não foi porque a gente queria fazer cera, não. Foi porque a gente queria “jogar que nem mulher”. E isso significava ter empatia, respeito e sororidade.
Final feminina da Copa das Agências, campeonato de futebol que reúne agências do mercado publicitário gaúcho
Essa foto foi um divisor de águas na minha vida de “boleira”. Eu sempre fui muito competitiva e acho que esse era o principal combustível que me movia dentro das quadras. Meu negócio era entrar pra ganhar. Até esse momento. Eu posso olhar para essa foto mil vezes e vou me arrepiar em todas elas.
E, justamente, de tanto olhar pra ela, percebi que essa foto não é só um retrato da realidade do futebol feminino. Ela também é um retrato do mercado publicitário.
Nos últimos anos, surgiram vários projetos, iniciativas e discussões que colocaram em evidência as necessidades e preocupações das mulheres no mercado.
Em 2017, o Grupo de Planejamento divulgou uma pesquisa que revelou que 90% das mulheres já foram vítimas de assédio nas agências.
Em 2016, foi criado o grupo Mad Women no facebook, uma iniciativa que conecta criativas mulheres para combater a desigualdade na criação das agências. Em 2017, esse mesmo grupo deu início à campanha #MeuCorpoNãoÉPúblico, um apelo em resposta ao caso de abuso sofrido por uma mulher em um transporte público de São Paulo.
Em abril do ano passado, o More Grls surgiu como uma iniciativa para incluir mais mulheres no mercado publicitário e o grupo cobra uma posição das agências para garantir um equilíbrio nos seus times criativos.
Este ano, foi lançado o primeiro prêmio criado em homenagem a uma redatora publicitária que conta com um júri 100% feminino, o Gerety Awards.
E não é só nos grandes movimentos do mercado que a sororidade tem poder transformador. Também dá pra revolucionar esse cenário com atitudes pequenas dentro de casa.
Passando mais a bola pra uma colega falar durante a reunião, reconhecendo líderes femininas que são craques no que fazem ou criando espaços para possibilitar mais essa troca de passes sobre o assunto.
Afinal, quando a gente denuncia o assédio, forma grupos para conectar mulheres a oportunidades, cria campanhas para combater a injustiça, estabelece metas e questiona padrões, a gente se une em uma roda, metaforicamente igualzinha a essa da foto. E nessa roda não cabe nada além de empatia, respeito e muita inspiração.
Lembro de ter falado, no meio da roda, que mais importante do que ganhar qualquer competição era poder compartilhar aquele momento com mulheres tão incríveis. E não era papo de capitã de coração mole, não.
A verdade é que no campo ou no mercado, melhor que levantar qualquer troféu, é levantarmos umas às outras.
Paloma Peixoto é redatora na W3haus.