Prestígio dos títulos tradicionais garante relevância no digital

Enquanto o modelo digital orienta cada vez mais o negócio dos jornais do mundo inteiro, pesquisas continuam apontando que títulos impressos lideram no quesito confiança entre os meios de comunicação. Também no Brasil, estudos como a Pesquisa Brasileira de Mídia, encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência ao Ibope e divulgada no início de 2017, mostra que 59% das pessoas confiam sempre ou muitas vezes nas notícias publicadas em jornais, e se dizem mais desconfiadas quando as informações são de sites, blogs e redes sociais. Trata-se, naturalmente, do resultado de uma longa jornada de construção de confiança, ao longo de gerações e gerações pós-Gutenberg, que pode levar outras tantas gerações da era pós-digital para se desconstruir. Ou não. 

“Foi no impresso que os jornais se tornaram, ao longo dos anos, campeões de credibilidade. As marcas jornalísticas são vistas pelos cidadãos e pelos leitores como sinônimo de curadoria dos fatos, organização das fatos, da realidade. Isso é muito forte, é algo que não se constrói da noite para o dia. Ao mesmo tempo, a plataforma digital é vista como um terreno onde facilmente se pode manipular os fatos, propagar informações falsas. Nesse aspecto, vale registrar que também no digital as marcas jornalísticas são campeãs de credibilidade, pois as informações que veiculam são reconhecidamente produzidas com responsabilidade”, diz Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais).

Fernando Luna, diretor-editorial da Editora Globo, afirma que há 500 anos vale o escrito. “Estamos acostumados a confiar no impresso desde que Gutenberg popularizou o meio. E com essa popularização, e depois o surgimento da comunicação de massa, as empresas de mídia se organizaram em torno de publicações impressas, criando estruturas e processos capazes de garantir sua qualidade. O terceiro ponto é a explosão das fake news no ambiente digital, que acabou reforçando a importância de conteúdo preciso, bem apurado e editado”, opina.

Fernando Luna, diretor-editorial da Editora Globo, afirma que há 500 anos vale o escrito.

Flávio Pestana, diretor-executivo comercial do Grupo Estado, que costuma liderar muitas pesquisas de confiança em veículos no Brasil, afirma que as pessoas confiam em marcas que conhecem e as associam a edições impressas, especialmente as mais tradicionais. “Por isso o esforço dos meios tradicionais para transferir o prestígio que possuem também para suas versões digitais”, comenta o executivo. Segundo ele, no Estadão, o impresso continua sendo o carro-chefe em prestígio e faturamento publicitário. Em audiência, no entanto, o digital atinge um número dez vezes maior de pessoas em um mês do que as edições impressas.

“Cada vez mais os dois modelos são complementares. Inclusive já são alguns milhares de assinantes que preferem receber a edição digital de segunda a sexta-feira e em papel no fim de semana. A carteira de assinantes impressos tem grande relevância e a venda via canal web representa a maior parte das vendas do impresso, o que demonstra que mesmo para aqueles que utilizam o canal web em suas compras, o impresso é importante”, argumenta Pestana.

No caso do jornal O Globo, 80% dos assinantes são do impresso e os mais fiéis estão no impresso ou migram do impresso para o digital. “O tratamento que dispensamos a eles é prioritário. E cada vez mais as pessoas acreditam, no digital, na marca que produz o impresso”, afirma Ascânio Seleme, diretor de redação de O Globo.

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Ascânio Seleme é diretor de redação de O Globo

Murilo Bussab, diretor-executivo de circulação e marketing da Folha, fala que o assinante do impresso é considerado o mais valioso da carteira de clientes. E, portanto, recebe os maiores benefícios.

Um fato é inegável: o impresso construiu a força e a reputação das principais marcas de veículos de comunicação que seguem fortes no digital. E fazem a diferença para uma grande massa de leitores, especialmente os que desconfiam do mar de sites de notícias duvidosos ou dos blogueiros e influenciadores de plantão. E servem de fonte para a imensa maioria dos sites e blogs dedicados a comentar ou repercutir notícias dos mais variados tipos.

“Nesse ambiente de cacofonia digital, é mais importante do que nunca separar o joio do trigo (e postar o trigo!). O jornalismo, em todos os meios, tem um reconhecimento extra, por conta disso”, raciocina Luna.

Seleme, de O Globo, afirma que em grande medida blogueiros e influenciadores digitais só podem desempenhar seus papéis porque leem conteúdo publicado por marcas consagradas. “Blogueiros e influenciadores são analistas de conteúdo. Não sabem o que está ocorrendo no plenário da Câmara. Quem sabe, somos nós. É fundamental haver conteúdo de qualidade disponível até para que essas pessoas prosperem”, argumenta Seleme.

O jornalista Pedro Dória, ex-editor-executivo do jornal O Globo e ex-editor-chefe de conteúdos digitais do Estadão (atual colunista de ambos e da CBN), e dono do próprio veículo digital, a startup Meio, afirma que passado o oba-oba do ‘todo mundo pode ser jornalista’, ocorreram em 2016 decisões políticas muito importantes tomadas por eleitores desinformados por noticiário falso ou distorcido.

“É o caso do Brexit, que venceu por uma campanha eleitoral abertamente mentirosa. É o caso da eleição de Donald Trump, um demagogo perigoso que mente sem pudor. Quanto mais cidadãos trocam informação concreta pelo debate político polarizado das redes, no qual ideologia supera fatos, pior a qualidade da democracia”, observa Dória, esclarecendo ainda que não é corporativista e acredita que qualquer um possa ser um bom jornalista, no entanto acredita que “jornalismo bom é trabalho para ser feito todo dia, por várias horas por dia, não é bico para as madrugadas.

“Demora anos para virar um bom jornalista. Não é abrir um blog e começar. O Vale do Silício está muito atento para o problema. A despreocupação com o negócio do jornalismo que havia alguns anos atrás se foi. Jeff Bezos comprou o WaPo. O Google tem iniciativas relevantes. O Facebook está sob pressão pelas fake news. Há um movimento inicial claro. Mudou o tom”, pondera Dória.

VIABILIZAR

O bom jornalismo nunca vai morrer. Mas ele precisa se viabilizar economicamente. E terá de, cada vez mais, encontrar seu espaço no digital, em detrimento do impresso, ainda que o modelo digital, como negócio, dificilmente supere o impresso. Em faturamento, talvez nunca supere.
“O bom jornalismo nunca vai morrer se reencontrar a maneira de se viabilizar como negócio. O desafio de todas as empresas de comunicação do mundo é completar a transformação do seu modelo de negócio sem comprometer o negócio em si – que sempre foi e sempre será decifrar e contextualizar os fatos e tendências para seus leitores, seja no papel, rádio, TV, eventos ou meios digitais. Para isso ocorrer, é preciso reunir talentos diferentes daqueles que costumavam monopolizar as redações: jornalistas e designers, claro, mas agora ao lado de programadores, especialistas em SEO, analistas de dados e outras habilidades complementares”, argumenta Luna.

Sergio Almeida, gerente de marketing do Infoglobo, afirma que o jornalismo de qualidade segue como um aliado essencial ao jornal impresso. “A melhor maneira de fortalecer o jornal impresso e manter sua relevância é continuar realizando o jornalismo de qualidade, com credibilidade e responsabilidade que nos habituamos a produzir, aproveitando os novos meios e plataformas como ferramentas para uma apuração ainda mais completa e rigorosa”, comenta.

Segundo o executivo, impresso e digital tendem a se complementar. “O jornal impresso é tradição, aquele que chega na banca ou na porta de casa de manhã bem cedo e traz tudo que precisamos para começar o dia bem informado. O digital vai atualizando essa informação ao longo do dia, em um ciclo 24/7. O impresso tende a ter textos mais longos, mais aprofundados, porque a pessoa se concentra no momento da leitura. O digital tem o atributo da agilidade, de saber antes, em primeira mão, mas não necessariamente de uma forma pesada ou aprofundada, porque a leitura tende a ocorrer em concorrência com outras atividades. Se pensarmos nos primórdios do jornalismo, era comum o lançamento de edições vespertinas, quando a pauta tinha relevância e interesse excepcional. O digital faz a mesma coisa, só que de uma forma mais direta e dinâmica, com todos os assuntos e ao longo de todo o dia.

Pedro Dória fala que não se pode “tapar o sol com a peneira” em relação ao futuro do jornalismo impresso. “O negócio das empresas jornalísticas é informar. Papel é suporte. É um formato. Uma interface. Parece-me que o jornal tende, conforme passam as décadas, a caminhar para se tornar um produto de nicho. O negócio das empresas que fazem jornais não é fazer jornal. É informar com qualidade. É buscar formatos que atraiam os leitores mais jovens para o noticiário de qualidade. É isso que a gente tenta fazer no Meio: buscar esse formato que traga qualidade e, ao mesmo tempo, seja atraente para novos leitores. A transição digital continua, do ponto de vista estratégico, sendo o ponto-chave para as empresas tradicionais”, conclui.

Ascânio Seleme, editor do jornal O Globo, concorda que há um “caminho inexorável para o digital”. E bom jornalismo custa caro. “Nos adaptamos, juntamos três jornais num só, estamos buscando ganho de eficiência. E, principalmente, anunciantes e leitores que paguem pelo conteúdo de qualidade. Fechamos todas as portas para que isso ocorra, apostamos que é o único caminho. Hoje a publicidade sustenta, ainda, 70% dos nossos custos. Mas precisamos reverter isso”, diz Seleme, enfatizando que o foco do jornal é no jornalismo bem apurado.

“É preciso investir em grandes reportagens, matérias bem apuradas. Muita análise e profundidade. Não queremos que o leitor sinta falta do papel quando estiver no digital. Porque é no digital que vamos prosperar. Não há a menor chance de prosperarmos se não for no digital. Se ficarmos só no papel, temos data para morrer”, conclui.

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