Publicitários transformam redes em extensão do trabalho e viram influencers
Executivos compartilham bastidores sobre a indústria da comunicação e visões que moldam conversas no setor, com dicas e temas revelantes
Com o crescimento das redes sociais, a presença de profissionais de diversas áreas tornou-se cada vez mais frequente. O movimento, que ganha força no Brasil, acontece num contexto global em que a presença digital se torna automática. Segundo o relatório ‘Leading from the front’, da FTI Consulting, 82% dos líderes empresariais acreditam que suas companhias se beneficiam quando eles estão ativos nas redes sociais. De acordo com projeções do Goldman Sachs, o avanço da creator economy deve movimentar cerca de US$ 480 bilhões por ano até 2027.
Nesse território digital, líderes da publicidade passaram a ocupar também o lugar de comunicadores cotidianos, não como influenciadores tradicionais, mas sim como vozes que articulam suas visões de mercado, vulnerabilidades, bastidores e reflexões sobre o setor. A reportagem do propmark conversou com cinco executivos do mercado, que fizeram de sua rede uma extensão de seu trabalho.
Deh Bastos, multicomunicadora, diretora de estratégia e criação na Casulo Colab e fundadora da Brieflexia, cria conteúdo sobre comportamento, comunicação, estratégia e representatividade. Em seus perfis, compartilha processos, análises e reflexões traduzidas de forma acessível — especialmente por meio da Brieflexia, seu método de leitura de cultura e comportamento. Também lidera projetos como o @criandocriancaspretas, que, em suas palavras, “nasceu da urgência de discutir a maternidade negra com afeto e propósito”.
Ricardo Silvestre, CEO e fundador da Black Influence, usa suas redes como ferramenta de educação de mercado e fortalecimento da representatividade negra na comunicação. Silvestre publica conteúdos que articulam diversidade, cultura, influência e negócios, além de também atuar como influenciador. Produzindo vídeos e textos sobre empreendedorismo, rotina da publicidade e gestão, Saulo Camelo, CEO e fundador da CMLO&CO, fez a filosofia ‘Não existe tentar’ virar um podcast.
Já Hugo Rodrigues, sócio da WMcCann e ex-chairman do McCann Worldgroup, compartilha dados, pesquisas, estudos e análises sobre comportamento, economia, tecnologia e consumo do setor de comunicação. CEO da Nossa Praia, Dilma Campos utiliza o digital como extensão da sua agenda de ESG, inclusão e liderança. Produz conteúdos sobre equidade racial, carreira com propósito, gestão humanizada e transformação social, conciliando vivências pessoais e visão corporativa.
Para muitos deles, o ponto de partida foi um incômodo. Deh Bastos percebeu que a estratégia, área onde atua, era invisível para o público. “Comecei porque percebi que a estratégia quase nunca tinha rosto. As pessoas sabiam quem criava campanhas, mas não quem pensava os caminhos”, disse ela.
No caso de Ricardo Silvestre, o incentivo surgiu após um burnout, quando precisou reconstruir sua relação com o mercado. Além disso, como líder de uma agência de influência, enxerga as redes como uma vitrine de seu negócio – e da diversidade. “Eu escolhi usar as redes para construir um palco para as vozes negras, dando vida à missão da Black Influence. Educar o mercado e provar que diversidade é um gerador de valor o ano inteiro, não só em datas comemorativas”, refletiu ele. “Para um líder à frente de uma agência de influência, não estar no digital é estar fora da conversa principal.”
Saulo Camelo buscou algo mais direto. Ele procura dividir o que sabe de forma prática, sem promessas exageradas ou “fórmulas”. “Vejo muitos colegas torcendo o nariz pra criar conteúdo, como se fosse algo distante da publicidade. Mas, para mim, comunicar é parte do processo”, explica. Camelo conta que sua presença nas redes impulsionou o seu negócio, abrindo portas para novas parcerias, inclusive. “Já fechei contratos porque o cliente viu um vídeo e se identificou, às vezes sou reconhecido em eventos e o pessoal elogia o conteúdo. É gratificante também, mas, de fato, o retorno mais valioso é a reputação”, revela o CEO.
Hugo Rodrigues acredita que creators e publicitários dividem, hoje, a responsabilidade cultural. “O criador de conteúdo é, no fundo, um comunicador com uma nova linguagem”, define ele. No caso do executivo, o relacionamento é um dos principais retornos. Ele também coleciona reconhecimentos, como o selo Top Voices e a presença entre os Top 20 Influenciadores do LinkedIn pelo Prêmio iBest. “Acredito que estar presente nas redes não é apenas uma estratégia, mas quase uma obrigação para quem trabalha com ideias, comportamento e cultura. É o espaço onde o público se expressa, onde as marcas são cobradas e onde as narrativas se formam. E, se o papel da publicidade é compreender a sociedade para se comunicar com ela, não dá para ficar fora dessa arena”, avalia Rodrigues.
Assim como seus colegas, Dilma Campos também começou a produzir conteúdo a partir de um senso de propósito. “Mais do que criar conteúdo, eu vi ali uma oportunidade de democratizar o conhecimento, de escalar a mentoria e de inspirar outras pessoas, mostrando que é possível construir uma carreira com propósito e impacto. É uma extensão natural da minha luta por um mercado mais justo e equitativo”, reforça ela. Entre os benefícios, Dilma explica que o retorno é multifacetado, solidifica sua autoridade como especialista em ESG, comunicação e inovação, e, além de criar uma percepção de liderança e confiança, é uma ferramenta de networking em escala.
A presença digital não divide o papel institucional dessas lideranças. Dilma Campos, por exemplo, não define a dinâmica como um equilíbrio, mas como uma simbiose. “Meu ‘lado digital’ não é separado da minha liderança institucional, ele é a expressão pública dela”, sinaliza.
Para Ricardo Silvestre, a presença nas redes faz parte da responsabilidade de liderar um negócio que opera no campo da influência, e, portanto, não há distância entre o executivo e o comunicador. “Pessoalmente, como executivo que também faz publi, minha presença reforça a narrativa de que podemos ocupar todos os espaços, validando para o mercado a tese de representatividade que vendemos diariamente para os nossos clientes”, pontua.
“O futuro do nosso setor vai depender de como a gente integra essas duas forças: o criador e o publicitário, o algoritmo e a ideia, o dado e a emoção”, afirma Hugo Rodrigues. Em sua percepção, as redes abriram espaço para um tipo de liderança menos hierárquica, na qual o diálogo se sobrepõe ao palco. A visão é compartilhada por Deh Bastos, que define o conteúdo como o novo laboratório da publicidade. “É onde testamos formatos, linguagem e vulnerabilidade antes de levar para campanhas. O futuro da comunicação é híbrido: menos institucional, mais humano; menos palco, mais mesa. Se antes liderança era sobre quem fala mais alto, agora é sobre quem escuta melhor”, finaliza ela.
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