Salão do Automóvel tem desafios que refletem tendência mundial

Nas próximas semanas o mundo deve conhecer a nova casa do Internationale Automobil-Ausstellung, ou simplesmente Salão de Frankfurt. A Verband der Automobilindustrie (VDA), associação da indústria automotiva alemã, confirmou que o evento que ocorre desde 1951 terá novo endereço: Berlim, Hamburgo ou Munique.

A mudança não é pela paisagem, mas para reencontrar a relevância e alcançar as transformações exigidas por consumidores e montadoras: foram 550 mil visitantes em 2018, contra aproximadamente 800 mil e 900 mil em edições anteriores.

No mesmo continente, no terceiro maior mercado automotivo da Europa e o sexto do mundo, o Salão de Paris viu em 2018 talvez sua edição mais vazia em 120 anos. Volkswagen, Ford, Fiat e Nissan, por exemplo, não participaram.

Do outro lado do oceano, em julho de 2018, o Salão do Automóvel de Detroit, que ‘abria’ o ano anunciou mudança do gelado mês de janeiro para o convidativo junho.

A troca, no entanto, também não está relacionada apenas ao clima, mas ao ‘monstro’ que a Consumer Electronics Show (CES), realizada em Las Vegas virou. A nova feira queridinha do mercado passou a atrair montadoras ávidas por falar e mostrar avanços em eletrificação, conectividade e infotainment.

A Mercedes-Benz, por exemplo, está presente na CES há dez anos e avalia que a feira ganhou bastante força e notoriedade nos últimos três anos. Há cerca de 20 dias, a marca apresentou no evento – e em primeira mão – o Mercedes-Benz Vision AVTR, carro-conceito inspirado no filme Avatar.

Ainda mais distante do mercado europeu, o Salão de Tóquio teve em 2019 um pavilhão de exposições com apenas 13 marcas de automóveis de passeio, com basicamente apenas Mercedes-Benz e Renault de estrangeiras.

No Brasil, o Salão do Automóvel de São Paulo, terceiro maior do mundo, passa por questões semelhantes. Nos últimos dias pelo menos 13 marcas disseram que não estarão presentes em 2020: BMW, Chevrolet, Citroën, Hyundai Motor Brasil, Jaguar Land Rover, Lexus, Lifan, Mini, Mitsubishi Motors, Peugeot, Suzuki e Toyota e Volvo.

Peugeot, Citroën, Jaguar Land Rover já não estiveram em 2018, enquanto Jac Motors e Volvo deixaram de participar em 2016.

Salão do Automóvel de São Paulo em 2018 recebeu 742 mil pessoas, reuniu 30 marcas e teve 45 mil tests drives

A Hyundai Motor Brasil explica que a estratégia global vem valorizando eventos diferenciados e foco maior no ser humano, proporcionando um “engajamento mais exclusivo com seus clientes e públicos interessados”. “Avaliamos bastante a situação aqui no Brasil e decidimos substituir a participação no Salão do Automóvel por outras atividades mais exclusivas ao longo do ano”, indica Angel Martinez, vice-presidente comercial.

Das que saíram, a decisão será reavaliada a cada biênio. Confirmadas, por enquanto, estão Dodge, Fiat, Ford, Jeep, Nissan, Ram, Renault, Troller e Volkswagen. A reportagem aguarda retorno de Chrysler e Jac Motors.

Audi, CAOA Chery, CAOA Hyundai, CAOA Subaru, Honda, Kia Motors, Ferrari, Lamborghini, Maserati, Mercedes-Benz, Porsche e Rolls-Royce devem definir em breve. A Ducati, empresa de motocicletas do Grupo Volkswagen (Audi, Porsche e Volkswagen), expôs com a Audi e diz que “a participação da marca está atrelada à decisão” do mesmo.

Montadoras saindo, outras marcas entrando
Apesar de iniciar um ano de edição histórica com o dobro de desistências, o Salão vê seu público e seu impacto financeiro na cidade crescendo.

O que começou em 1960 com 12 fabricantes e 400 mil visitantes chegou a 756 mil pessoas em 2014. Houve uma queda para 715 mil em 2016 e uma recuperação ao alcançar 742 mil em 2018. Essa última edição teve cerca de 30 marcas, 45 mil tests drives feitos (em 2016 foram 35 mil), movimentação de R$ 320 a R$ 350 milhões em São Paulo e aproximadamente 30 mil empregos diretos e indiretos.

Para novembro de 2020, a expectativa da organizadora Reed Exhibitions Alcântara Machado é fazer a “maior edição de sua história”. Paulo Octavio de Almeida, vice-presidente executivo da operação brasileira, defende a relevância do evento. “Ao longo de sua história se tornou a maior plataforma de live marketing do Brasil”, diz.

Sobre as desistências, ele avalia que todos os setores da economia estão passando por mudanças e com o automotivo não seria diferente. Nesse sentido, qualquer lista de saídas é “parcial” e estas podem ser revertidas, uma vez que seriam uma forma “posicionar no processo de negociação”.

Além disso, ele lembra que em 2018 já houve espaço dedicado a mobilidade. E isso deve ser intensificado uma vez que há marcas relacionadas a tecnologia e mobilidade bastante interessadas em entrar no evento.

Elas devem ser reveladas a partir de abril, período em que tradicionalmente começam os anúncios. “Respeitamos as decisões e estratégias de todas as marcas. Eles estão se posicionando para o passado do evento, mas o evento está evoluindo. Todas as marcas são bem-vindas e nosso diálogo está aberto”, afirma.

Uma das inciativas para reverter tem a ver com o que o que está acontecendo na CES, por exemplo. “Fizemos esse benchmarking. Nossa movimentação é contrária a da CES, que de uns anos para cá se posiciona no setor e tem marcas de automóveis indo para lá. Estamos convidando empresas de tecnologia para o Salão do Automóvel.”

Então por que não participar?
A lista de motivos para deixar o principal evento do setor é variada. A questão de custos encabeça a relação ouvida pela reportagem. Fontes citam valores que vão R$ 5 a R$ 30 milhões entre espaço, montagem, operação e comunicação. Tendo na ponta do lápis o que é investido, as montadoras estão reavaliando a efetividade do retorno.

Segundo a organização, o valor do m² é o mesmo. O que é feito a partir da quantidade escolhida depende de cada companhia. A estimativa é que a Reed recebe 15% a 20% do total investido, o restante é dedicado às demais empresas de montagem, serviços, produção etc.

Para Octávio, as montadores podem ter custos menores em fases como montagem e produção, e a organização está disposta a orientar na busca pelo equilíbrio. “Queremos que os investimentos para qualquer evento sejam otimizados. Esse é o diálogo que estamos tendo hoje. A própria dinâmica do setor foi buscar o ROI, inclusive na participação de eventos”, conta.

Outro ponto citado por fontes é a perda de interesse no formato mais focado em exibir os carros nos estandes. O planejamento inclui cada vez mais falar mais sobre temas como mobilidade, conectividade e infotainment. Para empresas, a jornada de informação do consumidor atual tem diversas oportunidades de conhecer e de interagir com o automóvel. Eventos precisam oferecer mais experiências e interação.

Além disso, com lançamentos e novidades ao longo do ano, é “complexo” e “quase desnecessário” aguardar um momento do ano para mostrar tudo. Isso tornaria mais interessante fazer eventos proprietários, frequentes, customizados e regionalizados, distribuindo a verba de apenas um momento para vários que atinjam o público-alvo.

Ponto de virada
Na quinta-feira (6), durante sua coletiva de imprensa mensal, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfaea) apresentou não apenas os dados de janeiro, mas um olhar sobre a década de 2010 a 2020.

Entre os destaques, a entidade mostrou que em 2020 o setor chegou a 67 fábricas em dez estados, o que rendeu mais de 2400 modelos e versões de veículos leves em 2019. E citando dados do Google Play, destacou que o país já tem mais de 250 aplicativos relacionados a mobilidade.

Para Luiz Carlos Moraes, presidente da entidade, os próximos dez anos serão decisivos. “A década de 2020 dá todos os sinais de que será a mais disruptiva na história do setor automotivo e da mobilidade”, disse.

Questionado sobre o que a Associação faria sobre a saída de montadoras, ele destacou um cenário mais amplo e sinalizou que este é um momento de transição. “Nem todas as montadoras estavam em Detroit, em Frankfurt ou em Tóquio. O custo está sendo discutido em todas dimensões. O Salão de São Paulo já vem mudando desde 2016. Cada país está tentando encontrar o seu modelo. Qual o definitivo? Ninguém sabe. Isso é para uma mensagem para a indústria automotiva e para a indústria de eventos. É preciso se reinventar.”