Como é liderar uma agência voltada para o mercado hispânico nos Estados Unidos, em plena era Trump? Temas como esse, foco multicultural, relacionamento com clientes e drive criativo estão entre os assuntos desta entrevista com o brasileiro Isaac Mizrahi, copresidente e COO da Alma (do Grupo Omnicom), considerada uma das mais bem-sucedidas agências de publicidade dirigidas para os latinos, com escritórios em Miami, São Francisco, Tallahassee (Florida) e Chicago. Isaac também é presidente da associação de agências e veículos de mídia focados no mercado hispânico, o Culture Marketing Council. Ele está nos EUA há 20 anos e, depois de ser cliente durante 18 anos, se juntou à agência dos sócios Luis Miguel Messianu e Eduardo del Rivero. Premiada e destaque no segmento em que atua, a Alma foi eleita no ano passado Agência Multicultural do Ano. “Não abrimos mão de nossa identidade criativa. Na nossa opinião, o mercado está saturado, com marcas que possuem pouca diferenciação. Neste contexto, a importância da criatividade só aumenta”, disse Isaac.

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Como é, afinal de contas, liderar uma agência como a Alma em plena era Trump?
Eu acho que o país todo está tentando entender e se adaptar ao novo ambiente político. Mas, no fundo, a economia americana é tão dinâmica que, para nós do mercado publicitário, o foco do dia a dia acaba sendo mesmo o negócio de nossos clientes, e como ajudá-los a crescer num ambiente tão desafiador e competitivo. A economia americana é muito resiliente, e acho que é à prova até mesmo de turbulência política.

Qual o tamanho hoje, do mercado hispânico nos EUA? E que outros públicos vocês consideram e trabalham na agência?
São 61 milhões de latinos vivendo nos EUA (18% da população total), com um poder de compra estimado em mais de US$ 1,5 trilhão por ano. Praticamente é um país dentro de um país. E o mais atraente é que esse segmento vem crescendo ano após ano, e nas próximas décadas vai representar um quarto da população total dos EUA. Se fosse um país, seria o segundo maior país de origem hispânica, somente atrás do México! Nos últimos anos, esse mercado está sob transformação. Em vez de vermos um processo de assimilação, em que a segunda e terceira gerações de hispânicos no país tendem a adotar a cultura anglo como padrão único, hoje vemos que não só a cultura hispânica ainda é forte entre os mais jovens, mas também observamos uma forte tendência de cross over quando vemos as últimas tendências em música, esporte, comida, moda, política etc.… Isso acaba criando um ambiente multicultural vibrante, abrindo um espaço interessante do ponto de vista criativo. Nossa agência tem um perfil alinhado com essa tendência, com uma base essencialmente latina, mas com uma mistura entre imigrantes, segunda e terceira gerações. É essa diversidade que é a base do nosso trabalho, representando uma visão diferente em relação ao mercado tradicional de agências americanas.

Por que é importante ter foco e se voltar com exclusividade para este público?
No passado, a comunicação com esse segmento era feita principalmente através do idioma, ou seja, traduzir ou adaptar comerciais para o espanhol, dado que a grande maioria dos hispânicos nos EUA preferia consumir mídia em espanhol. Esse processo se acelerou a partir das décadas de 1980 e 1990, quando houve explosão na oferta de veículos de mídia nesse idioma, desde opções locais até redes nacionais de TV, como Univision e Telemundo. Nos últimos anos, houve um maior equilíbrio demográfico entre os imigrantes e os hispânicos nascidos nos EUA, e essa transformação também impactou o marketing para esse público, evoluindo de uma estratégia baseada em espanhol apenas para um conceito amplo de cultura. O idioma espanhol é ainda muito importante (41 milhões dos hispânicos nos EUA falam espanhol no seu dia a dia), mas o marketing para o segmento ficou um pouco mais complexo, pois as pesquisas demonstram que uma grande maioria desses consumidores tende a preferir marcas que reconhecem o background cultural desse consumidor, refletido através de elementos como suas paixões (como mencionei antes, música, esporte e comida), suas tradições (feriados específicos como Dia dos Mortos, Hispanic Heritage Month etc.) ou suas idiossincracias (como comportamentos em família e amigos, religiosidade, ou mesmo hábitos de compras que podem ser distintos do comportamento do segmento anglo).

Como a atuação de Trump junto aos imigrantes tem afetado ou motivado campanhas por parte de anunciantes, por exemplo? Anunciantes tendem a se posicionar ou calar?
Na minha opinião, vemos aqui nos EUA um fenômeno que também se observa em outros países, que é a divisão da sociedade em torno de temas sociais e políticos. Com isso, é natural que anunciantes tentem evitar um posicionamento sobre esses temas, pois a probabilidade de desagradar algum lado é grande. Mas, mesmo assim, temos visto em alguns casos algumas marcas com uma visão bem acentuada. Talvez um caso bastante famoso nesse mercado seja o da Honey Made, que em 2014 colocou no ar um comercial homenageando todo e qualquer tipo de família nos EUA, incluindo as famílias LGBT, e, após receber uma grande quantidade de emails de consumidores com críticas, decidiu manter sua posição e ainda mandou uma forte mensagem de tolerância através de uma ação que virou um case. No nosso mercado, um dos maiores riscos é achar que todo hispânico é um imigrante sem documento de imigração (não é justo chamá-los de imigrante ilegais, não existe um ser humano ilegal), na verdade eles representam uma minoria do segmento.

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Qual o papel da comunicação, a seu ver, diante de conflitos como os atuais, envolvendo imigrantes?
Várias agências e seus clientes procuram sair da visão estereotipada sobre os hispânicos e buscam projetar um cidadão hispânico que não fica atrás de nenhum outro cidadão. Por exemplo, nós da Alma temos muito orgulho de termos sido escolhidos pela HP para uma campanha de recrutamento de profissionais na área de tecnologia. O conceito foi bem simples, entrevistar não-hispânicos nas ruas com uma pergunta apenas: “pra você o que significa um latino job?” (o termo hispânico ou latino é usado de maneira recorrente aqui nos EUA). Depois perguntamos o mesmo para profissionais hispânicos e o contraste foi impressionante.

Quanto tempo tem a Alma e como o mercado se transformou ao longo do tempo?
A Alma foi fundada em 1994 por Luis Miguel Messianu, um dos mais talentosos redatores do mercado mexicano, e seu sócio, Eduardo del Rivero, que estavam trabalhando nos EUA e viram uma oportunidade de elevar a qualidade da comunicação para o mercado hispânico, que na época ainda era bastante estereotipado. Nosso primeiro cliente foi o McDonald’s (que está conosco até hoje) e, após seu sucesso nos primeiros anos, em 2004 a Alma foi adquirida pela holding Omnicom, passando a fazer parte da rede DDB. Hoje nós somos uma agência que acompanhou a evolução do mercado e oferece aos nossos clientes soluções estratégicas e criativas para o mercado hispânico, mas também para o que chamamos de “mercado geral” americano, refletindo esse novo multiculturalismo mencionado anteriormente. Em 2009, nós éramos uma agência com cerca de 65 pessoas, focada somente no mercado hispânico, com uma oferta “Above the Line”. Hoje em dia, temos cerca de 140 funcionários, sede em Miami, escritórios em São Francisco e Chicago, e uma oferta mais robusta em estratégia e insights, com mídias sociais e digital integrados.

Em que modelo vocês apostaram e qual a importância dos prêmios para vocês?
Nosso DNA é 100% de criação e não abrimos mão de nossa identidade criativa. Na nossa opinião, o mercado está saturado com marcas que possuem pouca diferenciação, que continuam tentando cercar o consumidor com mensagens que nem sempre são bem recebidas. Nesse contexto, a importância da criatividade só aumenta, para construir marcas mais relevantes, para utilizar a comunicação como ferramenta de mensagens que não só apelam para o lado racional dos consumidores, mas também para o lado emocional, para o coração e a alma deles (daí o nosso nome!). Com relação a prêmios, nossa posição é clara, eles são uma consequência natural do trabalho do dia a dia. Nosso principal objetivo é ajudar nossos clientes com seus desafios de mercado e acreditamos que a criatividade tem um papel fundamental nesse processo. Quando nossas ideias são reconhecidas pelas melhores mentes da publicidade, isso nos enche de orgulho, pois é um reconhecimento importante dos nossos clientes e de nossa equipe. É a publicidade da publicidade! Isso nos ajuda também a recrutar e reter nosso talento, o que é um grande desafio nos dias de hoje. Um outro fator importante para nos é o reconhecimento que agência de menor porte, ou de “nicho de mercado”, também é capaz de criar e competir com as maiores agências do mercado, com padrão de qualidade – igual ou maior de qualquer agência nacional. Só nos últimos seis anos a Alma alcançou 22 Leões em Cannes, número maior do que muitas agências americanas, independentemente de tamanho ou foco.

Que balanço você faz hoje da sua carreira e da sua decisão de atuar fora do Brasil? E da sua atuação e contribuição na Alma?
Comecei minha carreira na Souza Cruz, em 1991, e quando saí do Brasil, no começo de 1999, transferido para os EUA pela Coca-Cola, o plano era ficar 3 anos e depois voltar ao Brasil. Nunca pensei que depois de 20 anos estivesse por aqui ainda! Eu me considero uma pessoa de sorte por ter tido tantas oportunidades, de ter trabalhado com tanta gente competente, que me abriram tantas portas. Trabalhar no exterior não foi algo planejado. Eu acho que planejar (carreira, vida) é sempre positivo, mas você tem de estar aberto para algo inesperado e agarrar as chances que a vida lhe dá. A transição depois de 18 anos como cliente para agência também foi assim. Nunca planejei essa mudança, mas ocorreu. E, em 2009, estava saindo da Sprint (empresa do mercado de celular aqui nos EUA) e fui apresentado ao Luis Miguel Messianu, que estava procurando uma pessoa com um lado de negócio para compor a liderança da agência. O primeiro ano foi um pouco difícil, mas acredito que, depois de um tempo, eu mudei um pouco minha cabeca e acho que ajudei a agência de alguma forma a melhorar sua oferta no mercado. Depois de 9 anos, a agência dobrou seu faturamento e seu lucro, saiu da 13ª posição no ranking de agências do setor e se tornou a agência número 1 no segmento e a mais premiada a nível local e internacional. Sinto-me realizado, mas ainda há muito o que fazer e muito o que crescer.

O que aprendeu de mais importante nesta transição cliente/agência?
A minha maior lição dentro da agência foi aprender a valorizar ainda mais o produto criativo de qualidade e entender o quão pouco os clientes entendem sobre como se relacionar com suas agências. A maioria dos clientes não entende que a qualidade do trabalho da agência não está relacionada exclusivamente com o tamanho do fee, mas sim com a qualidade do relacionamento. Comunicação aberta e constante, acesso aos executivos chaves no lado do cliente, confiança, clareza nos objetivos e valorização da criatividade como motor de crescimento dos negócios são, às vezes, mais importantes do que o tamanho da verba, na minha experiência.

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