Cecilie_Arcurs

Chegar lá, em qualquer profissão, não é fácil. Requer talento, conhecimento e vontade de fazer acontecer. Além disso, a mulher precisou direcionar energia extra para provar sua capacidadde no ambiente do management empresarial.

Na publicidade, o espaço feminino sempre foi reduzido, mas não a ponto de ofuscar o desempenho de profissionais como Christina Carvalho Pinto, Marlene Bregman e Ana Carmen Longobardi, por exemplo. Hoje, mulheres estão à frente de operações de grandes agências.

Cíntia Gonçalves divide a gestão da AlmapBBDO com Luiz Sanches. Gal Barradas, que ficou em 10° lugar no ranking do Agency Scope 2016 de publicitários mais admirados do país, era copresidente da BETC. Claudia Colaferro é CEO da área latino-americana da holding DAN (Dentsu Aegis Network). Christina é presidente do grupo Full Jazz e comandou a Young & Rubicam. Miriam Shirley lidera a Publicis Brasil, ao lado de Eduardo Lorenzi. Marcia Esteves divide com Rodrigo Jatene a Grey Brasil. E Silvia Panico é a diretora-geral da David. A relação de nomes é grande, mas ainda há espaço. Porque, como disse o “filósofo” Erasmo Carlos em uma canção: “sexo frágil é uma mentira absurda”.

O Agency Scope apontou que 35% dos 405 entrevistados (da área de anunciantes) consideram importante como critério para selecionar uma agência de publicidade, a presença de mulheres em áreas gerenciais. Dos nove diretores de marketing mais admirados pelo mercado, segundo a pesquisa da Scopen (ex-Grupo Consultores), cinco são mulheres. A primeira colocação neste ranking foi ocupada por Daniela Cachich, seguida de Cris Duclos (4ª), Andrea Salgueiro (6ª), Malu Lopes (7ª) e Paula Costa (8ª).

Há uma nova geração que vem fazendo frente aos clichês, machismo e preconceito. Elas estão demarcando território e fazendo a diferença em cargos-chaves nas agências. Aline Garcia é business leader da AKQA, com formação em publicidade e MBA em gestão empresarial. Ela fala que trabalha para inspirar e se inspirar no futuro.

“Acho complicado afirmar que um negócio vai melhor porque tem uma mulher ou um homem à frente, ou que tal área é melhor gerida por mulheres. Os indivíduos devem competir em igualdade para qualquer posição, independentemente do gênero. A melhor definição pra mim seria: qualquer indivíduo é capacitado para gerir qualquer área ou estar à frente de qualquer negócio, desde que tenha força de vontade e dedicação para construir o perfil profissional compatível a isso”, afirma Aline.

DISCUSSÃO
Eliza Gorgatti, que estudou administração na FEA-USP, passou por grandes agências como Wunderman, Sun-MRM e Ogilvy. Mas foi na IDTBWA que se iniciou como gestora de equipes, o que ajudou na criação do próprio negócio, a Today, da qual se desligou para dirigir a criação da Publicis.

“Se enumerarmos as características profissionais das mulheres, mesmo com todas as isenções possíveis, sempre corremos o risco de parecermos tendenciosos e entrar na berlinda da comparação. Hoje, trabalho em uma agência liderada por um casal de copresidentes, em que 61% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres e dos sete diretores de criação, três são mulheres. E ao olhar para todas essas pessoas, percebo que mais do que uma questão de gênero, estamos falando sobre perfis profissionais e principalmente sobre o grande valor que se agrega quando se tem diversidade. Ultimamente discute-se muito sobre a igualdade de gênero e acredito ser um grande passo, mas o que eu realmente acredito é na diversidade da gestão. A mistura não só de gêneros, mas de origens, backgrounds, classes sociais, estilos e perfis profissionais diferentes é muito poderosa. E é isso que vai agregar cada vez mais nas nossas vidas dentro e fora do trabalho”, argumenta Eliza.

Por outro lado, Marina Pires, que é formada pela ESPM, começou sua carreira na Abril, onde apresendeu a dar valor à produção de conteúdo. Na Agência Click, hoje Isobar, se tornou pioneira em consumer strategy. “Uma baita escola que me ensinou a trabalhar lado a lado com todas as áreas da agência e a pensar a comunicação verdadeiramente como uma experiência viva”, diz ela, desde 2012 ocupando a diretoria de planejamento da Africa. “Acredito que o mundo do trabalho se construiu historicamente muito identificado com os valores masculinos: o pragmatismo, a racionalidade, a disciplina e a competitividade. Valores que culminaram em uma dinâmica altamente pautada pela perfomance e – muitas vezes – só por ela. Não é por acaso que esse modelo de gestão esteja enfraquecido e os valores femininos ganhando cada vez mais espaço e protagonismo”, ela acrescentou.

COO da J. Walter Thompson, a executiva Ana Raquel Hernandez reconhece que há poucas mulheres em posições de liderança nas empresas, mas pondera que a presença feminina “traz uma diversidade de pontos de vista que é crucial para qualquer empresa”. Ela prossegue: “Também há vários indicadores mostrando que empresas com mulheres na alta gestão são mais lucrativas, reducionistas; a minha experiência indica que mulheres são mais colaborativas, inovadoras, lidam melhor com as incertezas e têm mais empatia, fazendo uma melhor gestão das equipes sem perder o foco dos resultados”, afirma.

TALENTOS
Líder de mídia omnichannel da VML, Luciana Schwartz é formada em publicidade com pós em marketing. Com 30 anos de mercado, tendo trabalhado na AlmapBBDO, Neogama e Wunderman, além de uma passagem pelo portal IG como COO e VP de mercado, ela tem projetos como levar as Casas Bahia para patrocinar o futebol da Globo, a primeira rede de varejo a ocupar esse espaço na emissora. Outro projeto que ela destaca na sua carreira foi desenvolvido para Ben&Jerry’s, da Unilever, em parceria com o canal Turner. “O que agrega valor nas entregas de uma agência é a sua capacidade de formar equipes com talentos complementares e megadedicados. E não uma questão de gêneros. Tendo oportunidades, as mulheres podem se destacar na liderança de qualquer área. Infelizmente, temos poucos exemplos, em todas elas. Fato que está mudando. Lentamente, mas está. Atualmente, a grande maioria dos departamentos de mídia, em clientes e nas agências, é predominantemente feminino”, constata Luciana.

A head de atendimento da David, Carolina Vieira, acumula 15 anos de experiência desde que se formou em publicidade e propaganda na Universidade Metodista de São Paulo e concluiu a pós-graduação em comunicação na ESPM. “Já trabalhei com clientes como Motorola, Kimberly-Clark, Burger King, Sony, Faber Castell, Nestlé e Coca-Cola em projetos locais, regionais e globais. Acredito que as mulheres têm uma liderança mais próxima das pessoas. São mais flexíveis e usam as competências emocionais para gerir pessoas. Isso gera empatia e faz com que todos trabalhem em um ambiente mais agradável. Além de construir um relacionamento com todos, o que é fundamental para o crescimento do negócio”.

Já Viviane Sbrana, diretora de data intelligence da Ogilvy, fascinada por assuntos com lógica e o raciocínio matemáticos, propõe igualdade. “O espaço que a mulher conquistou nesses últimos tempos só nos mostrou a importância do nosso talento no mercado de trabalho. Em algumas funções, as mulheres conseguem um desempenho superior, mas o mais importante, pra mim, é a diversidade: homens e mulheres trabalhando juntos em um ambiente igualitário, e podendo reunir o que cada um tem de melhor”.

Principal liderança do hub de negócios da F.biz, Juliana Nascimento ocupa a posição de CBO na agência. Ela é formada em administração de empresas pela FEA-USP e tem MBA Executivo no Ibmec-SP/Insper. “A sensibilidade está longe de ser um recurso exclusivamente feminino, mas acredito que, historicamente, as mulheres foram mais estimuladas a prestar atenção nela. E também não é sinônimo de fraqueza. Usá-la, na minha opinião, é garantia de vantagem competitiva, não importa seu gênero”.

A executiva Ana Ferraz é advogada, com MBA em negócios e especialização em contratos. É associada da BFerraz e trouxe sua experiência do mundo corporativo para a agência. “Aqui na agência temos um histórico forte de mulheres na liderança e hoje contamos com 24 ocupando cargos gerenciais. Além disso, temos mais mulheres do que homens no quadro de funcionários. Dos 128 colaboradores, 74 são mulheres. Acredito que no universo da comunicação, que demanda imensa flexibilidade, a mulher se adapta de forma mais fácil. Nesse século, tivemos de nos adaptar a inúmeras e simultâneas atividades: ser mãe, estudar, trabalhar, cuidar do corpo, cuidar da mente, cuidar da saúde, estar bem-vestida, enfim, são vários itens a se preocupar simultaneamente, nos preparando para sermos mais flexíveis. O movimento de empoderamento está na pauta de todos os mercados, não só no publicitário, e temos um longo caminho pela frente. O mercado publicitário tem exigido mais verdade e propósito. Se a prática de igualdade entre homens e mulheres não existir dentro das marcas e das agências, as mensagens ficam estereotipadas e vazias e a comunicação falha”, recomenda Ana.

Lucia Cucci, diretora de mídia da Tudo, é formada em publicidade e propaganda e desempenhou todas as funções da atividade de mídia, desde checking até a vice-presidência, tanto na Salles como na Publicis. “Na propaganda, temos alguns estigmas que aos poucos vão sendo vencidos, como o fato de ter poucas mulheres na direção da criação. Ainda se contam nos dedos a presença delas, mas é um território em que estamos avançando. Se não houver preconceitos contra nenhum gênero, o que vai valer é a competência”.

Diretora de criação da WMcCann, Viviane Pepe ingressou no mercado de trabalho aos 19 anos. “Já trabalhando, juntei uma grana para estudar na School of Visual Arts, de Nova York, onde tive contato com nomes emblemáticos do design como Milton Glaser, Paula Scher e Sagmeister. Anos depois, fui para Londres estudar moda e print na Central St. Martins de Londres. E fiz também dois anos de marketing na FGV. Nesse meio tempo, vi a telefonia móvel nascer, o índice batom cair, a bolha da internet estourar e o otimismo sempre virar o jogo na nossa profissão”.

CARACTERÍSTICA

Responsável pela área de estratégia da Mullen Lowe, Ana Luiza Santos estudou publicidade e fez pós em ciência do consumo na ESPM. “Acho que as mulheres, de forma geral, têm uma habilidade de compor, trabalhar junto e colaborar mais natural do que a maioria dos homens. Essa caraterística é muito natural em grande parte das mulheres. Não que isto seja uma regra imutável, mas muito em função da forma pela qual somos criadas, pela influência cultural que tivemos. Em projetos e áreas em que há liderança feminina, os resultados são atingidos, entretanto não à custa de qualquer coisa. Vejo mulheres liderando demonstrando mais respeito e cuidado com o time, compartilhando vitórias, acertos e erros, num exercício de empatia constante. A publicidade nunca esteve tão desafiadora e vibrante. Cada dia, cada job novo, exige uma completa desconstrução do que sabemos. As fórmulas vencedoras têm vencido cada vez menos. Por isso, a vontade de aprender algo novo, todos os dias, vira o novo dogma da nossa profissão”, detalha.

Investir no novo e agregar valor às transformações da publicidade faz parte da postura profissional de Denise Millan, vice-presidente de planejamento da Leo Burnett Tailor Made. “O que falta ainda em algumas áreas e empresas é o equilíbrio entre os gêneros. E isto deve ser buscado. “A mulher, sem dúvida, tem muito a contribuir na liderança das empresas e dos projetos. A mulher é apaixonada, dedicada e comprometida a entregar sempre seu melhor com muita competência e de forma harmoniosa. Além disso, pesquisas apontam que, entre as características da gestão feminina, uma das que mais chamam atenção é a grande preocupação com o indivíduo. E isso cria ambientes mais acolhedores, colaborativos e produtivos. Devemos sempre celebrar a diversidade de pessoas, de gêneros e de talentos”.

Daniela Bombonato, head de planejamento da David, acredita que a publicidade está no divã, passando por transformações e questionamentos. “A publicidade se autorreferenciou por muito tempo, por seu poder e glamour. Mas a evolução das tecnologias, das possibilidades de conversas diretas com consumidores em tempo real, de produção de conteúdo, a volta do valor das experiências, as novas formas de mensuração, tudo isso abre uma série de novas possibilidades de entregas criativas e de conexão bastante interessantes. Isso até pode despertar a sensação de que as coisas não são mais as mesmas. A essência da publicidade é buscar ideias que conectem marcas e pessoas e estabelecer novas formas de relacionamento para resolver problemas de negócio; isso não muda. No fundo, mudam-se os ‘como’”, finaliza ela.

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