Alê Oliveira

Em um ano em que o Brasil publicitário está carente de boas notícias, como quase todos os segmentos da nossa economia, a gigante AlmapBBDO resgata nossos sonhos e se transforma na Agência do Ano do Cannes Lions 2016, com a conquista de 21 Leões somando a maior pontuação do maior certame da publicidade mundial. 

 Deve-se ressaltar o valor dessa conquista em um período crítico da economia brasileira, atravessando uma já duradoura crise que contaminou de pessimismo e falta de confiança todo o mercado. 

A redução das verbas publicitárias daí decorrente influiu de forma negativa no produto final da comunicação do marketing. Tratou-se e ainda se trata – embora hoje com sinais de reversão – de um nivelamento por baixo nas ousadias das ações dos anunciantes, que preferiram, com raras exceções, ficar no feijão com arroz, deixando para o futuro o risco de outros pratos mais tentadores.

É um comportamento que se repete em épocas de tormentas como a que ainda atravessamos no Brasil, embora para alguns já se divise uma luz difusa no fim do túnel.

Temos de considerar que os trabalhos inscritos pelo Brasil no Cannes Lions foram produzidos e veiculados, na sua grande maioria, entre julho de 2015 e maio deste ano, lembrando que o presidente da República interino assumiu a 13 desse mês.

Essas considerações são necessárias para explicar uma queda de criatividade no rendimento publicitário brasileiro. Sem dúvida, há uma corrente que espera dos publicitários maior criatividade em períodos de vacas magras, mas não é bem assim que a realidade funciona. Isto porque boas ideias que provocam atitudes mais arrojadas dos anunciantes requerem, quase sempre, maior aplicação de verba em um primeiro momento de produção e lançamento.

Além disso, requerem também equipes extremamente motivadas no marketing desses mesmos anunciantes, o que não é fácil de se obter, pois estamos lidando com seres humanos que sofrem todo tipo de desgaste oriundo de crises econômicas muito prolongadas como a atual.

Então, o que se acaba tendo é a opção pelo casual, ou seja, algo que não vai deslumbrar os consumidores, mas cumprirá o seu papel de bem comunicá-los.

No caso presente dos resultados deste ano do Cannes Lions, retratados em sua totalidade nesta edição especial do PROPMARK, podemos considerar, com a vitória da AlmapBBDO como Agência do Ano, que o nosso país brilhou intensamente, fazendo jus ao lugar privilegiado que ocupa não há muito tempo, no estreito topo da pirâmide que representa a criatividade publicitária mundial, no qual poucos países se alojam.

 

***

Sem trocadilho, a AlmapBBDO acabou tendo uma baita dor de cabeça com duas peças inscritas em categorias diferentes, mas com o mesmo conteúdo publicitário, para o seu cliente Bayer, produto Aspirina. O problema começou com a conquista de um Leão de bronze por uma delas, na competição Outdoor.

Essa peça criada pela agência hoje dirigida por Luiz Sanches, Cintia Gonçalves e Rodrigo Andrade, triunvirato responsável por equipes integradas por notórios profissionais de cada setor da AlmapBBDO, tem por título-texto Não se preocupe, amor, pois não estou filmando isso.

Não há nada nela explícito, mas nos dias que correm, o explícito caiu de moda, fortalecendo o oculto implícito, muito mais elegante, desafiador e estimulante.

Muito provavelmente, a conquista de um Leão de bronze pelo trabalho deve ter despertado maior atenção do público presente ao Cannes Lions, aí incluído, segundo relatos, um grupo de feministas publicitárias e da área de marketing de anunciantes, que classificaram-no como machista.

Sabemos que essa é uma das febres que movem os movimentos sociais em todo o mundo, hoje em dia. Mas, não cabe aqui discutir essa postura, segundo seus adeptos, politicamente correta. A questão se prende ao trabalho da AlmapBBDO, cuja observação das feministas foi parar nas páginas da Adweek, cuja editoria acrescentou mais uma pimenta no assunto: a veiculação da peça teria sido paga pela agência e não pelo cliente, que, segundo algumas fontes, teria concordado, desde que a veiculação fosse limitada.

Estava criada a encrenca, levando a AlmapBBDO, como sempre foi da sua natureza comportamental em situações adversas, a pedir desculpas ao público e solicitar aos organizadores do Cannes Lions o cancelamento dos dois Leões de bronze conquistados por essa peça (em Outdoor e em Print).

A rápida atitude da direção da agência evitou um incêndio maior, o que só merece elogios. Por outro lado, merece reparos a inscrição de duas peças em categorias distintas do Cannes Lions, com pagamento de veiculação feita pela própria agência, validando trabalhos que não foram regularmente veiculados pelo cliente-anunciante. 

O fato fica, porém, minimizado pela grandiosidade da conquista da AlmapBBDO. Uma espécie de gol impedido em uma goleada de 7 x 1. 

 

***

Para os leitores que ainda acreditam na lisura e inviolabilidade das urnas eletrônicas, objeto de grande desconfiança por parte de significativa parcela da população brasileira nas últimas eleições de 2014: repararam como o plebiscito no Reino Unido foi realizado com o voto em cédula de papel, depositada sigilosamente nas urnas espalhadas por todas as zonas eleitorais do mundo britânico?

E que ninguém se importou com a demora de algumas horas para que os votos fossem contados pelas juntas apuradoras, como se fazia antigamente no Brasil, antes dessa maldição das urnas eletrônicas?

Estamos falando de uma comunidade das mais avançadas do mundo moderno.

Armando Ferrentini é diretor-presidente da Editora Referência, que publica o PROPMARK e as revistas Marketing e Propaganda