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O anúncio semana passada da Unilever de que deve seguir os passos da Procter & Gamble e reduzir investimentos globais de publicidade no Facebook e Google pode não ser apenas uma retaliação ao fake news e às publicações de ódio e conteúdo tóxico veiculadas inadvertidamente pelas redes sociais. Tudo indica que, após alguns anos de “duopólio” das gigantes digitais, anunciantes buscam retomar o controle e, principalmente, o diálogo transparente que sempre marcou o relacionamento com veículos de uma maneira geral. É o que acreditam alguns especialistas ouvidos pelo PROPMARK a respeito do tema, depois que Keith Weed, responsável pela área de marketing da Unilever, anunciou publicamente a redução de investimentos nas plataformas digitais, por falta de contribuição positiva para a sociedade. “Não podemos abastecer uma cadeia digital que entrega quase um quarto dos nossos anúncios aos consumidores que, às vezes, é pouco melhor que um pântano em termos de transparência”, disse o executivo do grupo, dono de marcas como Dove, Knorr e OMO, que investiu cerca de US$ 9 bilhões em publicidade no ano passado, segundo dados do mercado.

“A provocação do Keith Weed é uma chamada para o back to basics. Unilever e P&G são marcas fundadoras do marketing contemporâneo. Com a experiência acumulada de mais de um século de marketing, elas sabem que não basta audiência, é preciso cuidado com a ‘ambiência’. Os veículos de comunicação sempre foram os curadores do ambiente que envolve as marcas. O fato de Google e Facebook descuidarem da ‘ambiência’ demonstra os limites da algoritimização da mídia. Marcas precisam de cuidado e a ‘ambiência’ é o grau inegociável de cuidado com as marcas”, analisa Flávio Cordeiro, sócio da Binder e fundador da consultoria de marcas Brand Community.

Globalmente, a P&G já havia começado, ainda em 2016, a pressionar o Google e o Facebook a acabar com as fraudes no digital. No ano passado, o maior anunciante do mundo cortou US$ 100 milhões do seu budget de marketing digital em um trimestre – e ainda afirmou que a decisão não afetou suas vendas.

“Entendo que os anunciantes querem ter controle maior sobre os ativos construídos com suas campanhas. Querem poder cruzar os dados entre as plataformas, mas não conseguem porque ambas brigam em outra esfera entre si. O ‘boicote’ que se fala é só mais uma carta nesse intrincado baralho. Muitas empresas percebendo que há vida fora do Facebook e do Google”, comenta Leonardo Brossa, sócio e planejador da agência Quintal.

Para ele, com o amadurecimento do mercado, profissionais mais qualificados e contestadores nas empresas, além da evolução significativa das análises de dados, fizeram uma ficha cair: a de que ninguém é, de fato, refém das gigantes digitais. “O engajamento tão defendido hoje é olhado com mais desconfiança, não haver audição externa cria insegurança e os anunciantes se sentem mais empoderados para pressionar”.

Concorda que o movimento é fruto de evolução e amadurecimento a CSO da F/biz Renata d’Ávila, principal liderança do hub de estratégia da agência, onde está hoje a área de mídia. “A dimensão e a relevância que as plataformas digitais ganharam nas nossas vidas significa que elas têm uma responsabilidade maior. Hoje, elas têm um papel social e de construção de cultura, e é fundamental a discussão de como ser melhor, banir fake news, não incentivar o ódio etc. Mas não acredito numa evasão de anunciantes, e sim no trabalho conjunto de construir um ambiente digital mais saudável e consciente para as pessoas e marcas”, conclui Renata.

Em resposta às pressões de vários lados, o Facebook entrou em 2018 anunciando mudanças no seu algoritmo, que passou a priorizar posts de amigos e familiares dos usuários em detrimento de publicações feitas por páginas. A mudança de algoritmo seria uma tentativa de melhorar a qualidade do conteúdo apresentado para as pessoas. Segundo Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, os usuários estariam reclamando do excesso de posts de empresas, marcas e veículos de comunicação, o que afastou a rede de seu propósito de promover o senso de comunidade e “ajudar a conectar pessoas”. Ele afirmou, na ocasião, que uma pesquisa apontou que as mídias sociais contribuem para o bem-estar quando utilizadas para conexão com pessoas importantes. Segundo ele, esta felicidade não estaria associada ao “consumo passivo de conteúdo” – como assistir vídeos ou ler artigos.

Seria um tiro no próprio pé? O novo algoritmo restritivo já incomoda veículos como o jornal francês Le Monde e, no Brasil, a Folha, que anunciou que deixou de atualizar sua página no Facebook, movimento que se tornou notícia na imprensa internacional. “A decisão da Folha tem forte aspecto político e pode até levar à queda no acesso ao seu site. São quase 6 milhões de seguidores que deixarão de receber as postagens do jornal. Como ficará a relação deles com a Folha? Não dá para prever. Por outro lado, pode ajudar a forjar nova relação das empresas jornalísticas com o Facebook, ainda mais se outras publicações seguirem a mesma direção”, disse a colunista da Folha Paula Cesarino Costa, em artigo intitulado Facebook, eu acuso, publicado junto a uma entrevista com o editor-executivo do jornal, Sérgio D’avila, na qual ele acusa o Facebook de abrir espaço para a proliferação de notícias falsas, ao banir o jornalismo profissional das páginas.