“Fazer o número dois”, “estar naqueles dias” e outros eufemismos dão uma pista da dificuldade que ainda temos de comunicar situações naturais como fazer cocô ou menstruar. O desafio das marcas de higiene íntima nesse contexto é justamente trazer abordagem mais humana às propagandas, sem expor ou constranger seu consumidor. 

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A missão não é simples e envolve tabus e questões culturais ainda mal resolvidas na sociedade. Recentemente, a marca britânica de absorventes BodyForm foi alvo de discussões nas redes sociais após campanha que mostrava o líquido menstrual vermelho, algo aparentemente corriqueiro, mas que foi feito pela primeira vez no mercado local.
Até então, a coloração mais utilizada em propagandas do segmento é o azul, algo que também é seguido no Brasil não apenas para absorventes, mas também para fraldas descartáveis. A polêmica envolvendo a campanha mostra como a intimidade do consumidor é um tema que exige cuidados.
“Nem tudo o que você faz em ambiente privado e privativo deve ser escancarado. Em categorias de produtos que são considerados tabu, é complicado mostrar de forma explicita”, alerta Marcelo Pontes, líder acadêmico de marketing da ESPM.

“Se eu for vender espaço em um cemitério, o pensamento é semelhante, já que algo mais natural do que morrer não existe, mas nem por isso precisa mostrar um cadáver na propaganda. Isso pode trazer incômodo. Mais do que tudo, comunicação nesse nicho exige cuidado”.

O receio de pecar pelo excesso pode levar as marcas a tornarem a sua comunicação apática, e até certa forma careta. O consumidor está cada vez mais exigente não apenas a respeito dos benefícios dos produtos, mas na sua proposta de valor. Aja vista o sucesso da campanha Like a Girl, do absorvente Always.

Para não cair na vala comum, a Prudence tem optado por falar sobre sexo, prazer, intimidade e menstruação abertamente, livre de preconceitos. Uma de suas principais campanhas nesse sentido é o concurso Testadores de Camisinhas Prudence, que incentiva os consumidores a contarem suas aventuras sexuais em uma plataforma online de contos eróticos. Em sua 8ª edição em 2017, a campanha elege os cem novos testadores da marca e tem como objetivo incentivar o sexo seguro e mostrar que a prática também pode ser divertida. 

“Sexo, prazer, intimidade e autoconhecimento são temas que precisam ser tratados abertamente. Falar de prazer com responsabilidade, de sexo divertido, inovador, ao mesmo tempo seguro, independente da opção sexual e da idade. Falamos de respeito à diversidade e as escolhas de cada um, em primeiro lugar”, destaca Daniel Marun, diretor-executivo da DKT do Brasil, detentora da Prudence.

Confessionário

Levar com bom humor e leveza sua comunicação tem sido a estratégia da FreeCô para encorajar seus consumidores a experimentarem o produto. A marca de bloqueador de odores sanitários resolveu fazer piada de si mesma para mostrar que é normal fazer cocô. Como garota propaganda, escalou Adriane Galisteu que aparece fazendo mistério no vídeo. “Chega um certo ponto que você não consegue evitar. Não dá para segurar. Todo mundo tenta esconder, até eu”, relata a apresentadora.

O produto chegou ao mercado brasileiro há dois anos e, como é o primeiro no país com a proposta de bloquear o maucheiro das fezes, a marca precisou descobrir sozinha qual seria a melhor abordagem com o público, como explica Rafael Nasser, sócio da FreeCô, ao lado de Renato Radomysler.

A estratégia da marca também incluiu inserções de merchandising com influenciadoras como JoutJout e Kéfera. No Facebook, a marca investiu no fim do ano passado em um chatbot “confessionário” em que os consumidores puderam admitir quais foram suas maiores “cagadas” do ano e trocar as confissões por descontos. A abordagem parece estar surtindo efeito. Nos comentários das postagens da marca não são raras histórias bem-humoradas dos próprios consumidores.

 Consumidores pedem boicote a Personal Black

A chegada do primeiro papel higiênico preto do Brasil tinha tudo para ganhar a atenção do consumidor. E, de fato, o Personal Vip Black chamou, só que pelos motivos indesejados pela Santher, detentora da marca. Com proposta de aliar design e estilo ao banheiro, o produto foi lançado na semana passada com ensaio fotográfico estrelado pela atriz Marina Ruy Barbosa.
A campanha, assinada pela Neogama, trouxe como conceito Black is Beautiful e foi alvo de críticas nas redes sociais após consumidores chamarem atenção para um dado histórico importante: o movimento de resistência da luta dos negros contra o preconceito, nos Estados Unidos, nos anos 1960, teve o mesmo slogan.

A associação, ainda que não proposital, do papel higiênico preto com o movimento norte-americano trouxe acusações de racismo. Muitos consumidores pediram, inclusive, boicote à marca.

Mea culpa

Agência e anunciante divulgaram nota oficial pedindo desculpas pelo ocorrido, além de negar as acusações de racismo. “Santher e Neogama vêm a público informar que tal assinatura foi retirada de toda comunicação da campanha e apresentar suas desculpas por eventual associação da frase adotada ao movimento negro, tão respeitado e admirado por nós”. Marina Ruy Barbosa também se desculpou.

Segundo Marcelo Pontes, líder acadêmico de marketing da ESPM, os argumentos de design e estilo poderiam ter apelo devido aos diferenciais, mas acabaram sem segundo plano com a polêmica de seu slogan. “O conceito não é só de mau gosto, mas também absolutamente inadequado. Mostra que cliente e agência cometeram um erro grave, foram insensíveis a situação que o mundo vive hoje de racismo. Pode até ser que não tiveram a intenção, mas mostra que também não tiveram repertório”. O publicitário Ian Black, propriatério e diretor-executivo da agência New Vegas também se posicionou contrário à campanha. Em comentário nas redes sociais, destacou que o movimento Black is Beautiful teve seu significado esvaziado para vender papel higiênico. “Não tem como defender, não tem como não dar na cara que não tem um único preto trabalhando aí, não tem como defender que aí não é uma agência racista”, publicou na página da Neogama no Facebook.

Apesar das críticas, até o momento, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) não tem nenhum processo aberto para avaliar a campanha. No Artigo 20 do Código há disposições sobre o veto a propagandas que estimulem qualquer tipo de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade. “Se o slogan fosse outro, talvez marca e agência se isentassem, mas quando você se apropria de um slogan histórico era evidente que daria confusão”, finaliza Pontes.