Dois dos cases mais premiados em Cannes este ano têm muita coisa em comum. Ambos foram originados da ideia da criação de um personagem forte. Não aquele personagem criado para estrelar campanhas, como o saudoso Baixinho da Kaiser, o Garoto Bombril ou, ainda, o Bom de Boca, da Cepacol. São personagens em três dimensões.

Por incrível coincidência, esses dois cases, que ganharam milhões de views, likes e compartilhamentos nas redes sociais, são… estátuas. Sim, estátuas produzidas por artistas plásticas. Ambas foram expostas ao público e geraram intensa comoção. Refiro-me a Fearless Girl (Garota sem medo), case ganhador de nada menos do que quatro Grand Prix, além de muitos ouros, pratas e bronzes; e o Graham, ganhador de dois Grand Prix e também outros Leões em diversas categorias.

E o que esses cases fantásticos têm mais em comum? Eles não foram objetos de uma campanha publicitária convencional. Não foram julgados anúncios, filmes ou outras peças publicitárias. Sua força está representada pela materialização de uma ideia. Literalmente! Materialização expressa em figuras em 3D, vistas e admiradas por milhões de pessoas pelo mundo inteiro (na verdade, foram mais de 1 bilhão de views de cada uma delas).

Peças que se sobressaíram pela sua forma, mas também por outros fortes motivos. Impactaram pela sua pertinência e relevância para muitas pessoas.

A primeira, expressando o empoderamento feminino de forma impactante e inequívoca. Um grupo financeiro cria um fundo formado só por empresas lideradas por mulheres e, para divulgá-lo, encomenda uma estátua de uma garota em posição altiva e corajosa e a instala, exatamente no Dia da Mulher, em frente ao famoso touro de Wall Street, numa posição de sereno enfrentamento.

Não há mulher que não se projete naquela garota corajosa. A estátua foi concebida para ficar por um período naquele lugar, mas já há petições para fazê-la permanente, com o apoio até do prefeito de Nova York. Que outra campanha poderia impactar mais as mulheres, público-alvo da State Street?

Foquemos agora a outra estátua: o Graham. Vendo suas campanhas de prevenção de acidentes caírem na mesmice, apesar do uso de imagens chocantes de acidentes, a Transport Accident Commission Victoria, órgão responsável pela segurança de trânsito do estado de Victoria, da Austrália, lança mão de um recurso diferente. Encomenda a criação do único “ser” que poderia resistir à maioria dos acidentes de carro, o Graham.

Com o apoio de um cirurgião especializado em traumas de acidentes e de um engenheiro de trânsito, uma artista plástica cria uma figura que estaria imune aos acidentes. O resultado é uma estátua com traços humanos, mas muito mais parecida com horrendos seres do imaginário de ficção, de outras galáxias. O recado está dado: se você não se parece com o Graham, tome cuidado ao dirigir, porque você pode se ferir seriamente.

Pois bem, duas ideias fantásticas foram criadas por excelente agências: McCann New York e Clemenger BBDO, de Melbourne – esta última a Agência do Ano do Cannes Lions 2017.

Mas a questão é a seguinte: são elas agências de propaganda? Sim, e das melhores! Mas que propaganda é essa? Supostamente, os publicitários não deveriam se ater às expressões típicas de campanhas publicitárias? E a resposta é simples: não mais!

As agências precisam se habituar a um processo de criação que extrapola formas convencionais. A boa ideia é aquela que impacta, envolve, engaja e mobiliza, sem se restringir a formatos e convenções.

A partir dessa constatação, outras questões aparecem. Como são remuneradas as agências que geram ideias como essas? Por um percentual sobre o custo da estátua?!

Nossas escolas estão formando profissionais com esse descondicionamento de raciocínio? Essa nova propaganda reflete a essência do termo, que vem do latim: Propagare, que significa multiplicar, por produção ou geração.

Essa é a verdadeira propaganda. Acostumemo-nos a ela.

Alexis Thuller Pagliarini é superintendente da Fenapro (Federação Nacional de Agências de Propaganda)