Desde seus primórdios, há cerca de duas décadas, a mídia digital vive o dilema de apresentar muitas pesquisas e processos de mensuração, mas sem a adequada robustez. Faltam critérios, metodologias e processos de execução que garantam a mesma qualidade das pesquisas que são feitas sobre os demais meios. Muitas das pesquisas do digital são realizadas pelas próprias empresas interessadas, usando o meio digital como instrumento e sua base de clientes/usuários como amostra. Dessa forma, tendem a não representar de fato o impacto do digital sobre o conjunto ou determinados segmentos da população e levam a informações e conclusões distorcidas – feitas basicamente para amparar a tese de que o digital está alterando de forma rápida e irreversível o panorama de todas as mídias.

Isso até tem certa verdade em relação a alguns meios, mas ainda não abalou a liderança da TV como mídia mais consumida pelas pessoas e mais utilizada pela publicidade (com exceção do Reino Unido, neste caso, pois a BBC não aceita publicidade). Os últimos números globais indicam que em 2015 a TV tinha 37,7% de share no bolo da publicidade mundial, contra 29,1% do digital. O número da TV, inclusive, era ligeiramente maior que o de 2005, de 36,8%. No caso do Brasil, a participação da TV aberta é a maior do mundo, na faixa de 72%, patamar que permanece estável há muitos anos.

Vira e mexe, porém, surge uma “pesquisa” ou estudo afirmando que a TV brasileira está com seus dias contados, na esteira do que acontece “em todo o mundo”, principalmente entre os mais jovens. Mas essas afirmações têm se mostrado descoladas da realidade do mercado, que registra o vigor extraordinário da TV, que, inclusive, tem utilizado o digital como um canal de distribuição adicional. Recentemente foi divulgada no Brasil mais uma dessas “pesquisas” que não se sustentam. No caso, denominada de Radar Jovem e de responsabilidade da B2, uma organização cuja principal atividade é a realização de festas de formatura de cursos universitários, mas que tem ampliado seus serviços oferecendo assessoria e projetos para as empresas que desejam falar com esse target.

A tal “pesquisa” não revela a participação de nenhuma empresa ou mesmo profissional especializado no assunto que tenha sólida reputação. Também não revela a metodologia utilizada, critérios de seleção da amostra, processo de inquirição e tratamento dos dados e outros fatos básicos de uma pesquisa realmente séria. Ao contrário, o próprio material sobre o estudo fala em “levantamento” e menciona a consulta a mais de 2.600 jovens de 17 a 30 anos, que estão cursando de graduação a pós-graduação completa.

Os “resultados” anunciados sobre essas bases pouco robustas, porém, são “revolucionários”, pois indicam que 35,2% dos entrevistados afirmam ter lembrança de campanhas publicitárias via Facebook, contra 32% na TV aberta e 14% no YouTube. Sinceramente, não dá para acreditar nesses números, pois não correspondem à lógica do que se conhece em outras pesquisas efetivamente robustas, feitas no Brasil e no mundo. O Target Group Index, feito pelo Kantar Ibope Media desde 1968 em 70 países e no Brasil desde 1999, indica que em 2015, nas regiões metropolitanas e no interior de SP, no Sudeste e no Sul, o consumo de TV aberta nos últimos sete dias antes das entrevistas foi de 93% para a TV aberta e de 69% para a internet, no caso do público em geral, e de 90,4% e de 89,9%, respectivamente, na faixa de 17 a 30 anos.

Nos Estados Unidos, que, desde o ano passado, tem uma pesquisa multimídia nacional, feita pela Nielsen, os dados indicam que a TV ao vivo é assistida diariamente por quatro horas e 27 minutos e em DVR/time-shifted TV por mais 32 minutos, o dobro da soma de apps e web no smartphone (1 hora e 12 minutos), web no desktop (55 minutos) e apps e web no tablete (23 minutos).

Rafael Sampaio é consultor em propaganda