Fundado ainda nos anos 50 do século passado, o Festival de Cannes começou atraindo algumas dezenas de pessoas para discutir e avaliar a publicidade em cinemas, na época meio que maiores recursos dispunha para se criar e produzir as mensagens mais espetaculares, devido à magia do cinema e às dimensões da tela em que seriam exibidas. Dos 187 concorrentes de 14 países da primeira competição aos 41.170 em 24 áreas de hoje, muitas transformações ocorreram, do nome do evento à sua propriedade, do perfil de seus participantes ao interesse da imprensa ao redor do mundo.

Eu, pessoalmente, participei de 30 desses anos de mudanças, da época romântica da competição apenas em cinema e TV (ainda tímida) e algumas poucas apresentações à loucura multiplataforma, multimeios e com centenas de pessoas tentando passar suas posições e pensamentos a muitos milhares de profissionais.

Mas algumas poucas lições permaneceram sendo expostas e repetidas à exaustão nestes anos todos. A principal delas é a insubstituível força da criatividade, da grande ideia, na comunicação de marketing. Ou, como os publicitários descolados gostam de dizer, a Big Idea (assim, com maiúsculas). Mas entre a defesa entusiasmada e generalizada da grande ideia há sempre vozes mais argutas que lembram que a criatividade em publicidade não pode ocorrer no vácuo, na inconsequência da ideia pela ideia – que é um fenômeno recorrente da propaganda em todo o mundo.

Os mais experientes e sábios lembram constantemente que, para fazer sentido no campo da publicidade, a grande ideia tem de, necessariamente, atender a três requisitos: relevância, pertinência e declinação. A grande ideia precisa ser relevante para as pessoas às quais a mensagem é direcionada, ou seja, consumidores, compradores (estes nem sempre são os consumidores) e influenciadores de qualquer gênero. Porque se não for relevante, o público não vê, não entende e não absorve a mensagem.

A grande ideia tem de ser pertinente para as marcas e empresas, sua situação presente de mercado e sua estratégia. Sem atender a este requisito, a publicidade pode até falar com as pessoas visadas, ou seja, sendo eficiente, mas termina sendo ineficaz. A grande ideia precisa ser declinável no maior espectro possível de mídias e plataformas, pois a realidade da hipercompetição pela atenção das pessoas determina que as campanhas precisam, mais e mais, utilizar diversos meios e instrumentos de comunicação para passar suas mensagens.

Dessa forma, uma grande ideia só é realmente grande se ela puder trafegar com a mesma qualidade por todo o espectro de peças necessárias a uma campanha publicitária.

Entra ano sai ano e essa lição do Cannes Lions tem sido evidenciada pelas premiações, pelas apresentações e toda a sorte de manifestações. Mas, infelizmente, essa lição basilar da publicidade não tem sido aprendida na profundidade e extensão que seria de se esperar, por sua importância para todos que militam na área.

Na maioria das vezes, os responsáveis pelo desenvolvimento das ideias, seja no anunciante, seja na agência, interrompem muito cedo o esforço de sua criação ou lapidação, antes de chegar ao ponto em que ela pode ser definida como grande. Além disso, não é simples se cumprir os predicados da relevância, da pertinência e da declinação. Mas, quando se chega lá, a recompensa é extraordinária. Para as marcas e empresas que a utilizam e, por consequência, para o anunciante, a agência e os profissionais envolvidos.

Porque uma grande ideia vale ouro, platina, diamante ou qualquer outro símbolo de elevado valor que se deseje utilizar como referência.

Rafael Sampaio é consultor em propaganda