Comercial do detergente OMO mostra crianças brincando em um mundo sem águaTodo dia 5 de junho, data em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, é comum ver marcas promovendo ações relacionadas ao tema. Hoje a proteção da natureza é compreendida pela grande maioria das empresas ao menos nos discursos das estratégias de responsabilidade social, mas ao observar o volume de investimentos é fácil constatar que as companhias ainda gastam somas infinitamente superiores em campanhas de consumo no Natal e no Dia das Mães, por exemplo, do que em ações de conscientização sobre os problemas ambientais. Mais além disso, especialistas em comunicação chamam a atenção para formas pouco engajadoras de expor o assunto, o que reduz a eficácia na tentativa de fazer a maioria das pessoas – a massa da população – compreender a importância de respeitar e preservar os recursos naturais.

O cineasta Fernando MeirellesSegundo o cineasta Fernando Meirelles, diretor dos filmes ‘Cidade de Deus’ e ‘O Jardineiro Fiel’ e que tem se dedicado a produzir obras que abordam a ecologia e a relação do ser humano com o ecossistema, a temática ambiental precisa ser comunicada de um jeito mais envolvente e criativo. “A comunicação, não apenas do cinema, mas também em suas demais formas, tem sido muito biodesagradável e ecochata quando se fala de meio ambiente. É preciso mostrar para as pessoas a importância da conservação da natureza sem focar apenas no catastrófico”, afirma.

Para Meirelles, que em setembro participará junto com outros especialistas do Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), realizado em Curitiba com organização da Fundação Grupo Boticário, é preciso colocar os temas ambientais dentro das narrativas de trabalhos que o público consome no dia a dia. A ficção parece que consegue tocar mais o coração do que documentários e fala com mais pessoas”, diz.  Em entrevista exclusiva ao propmark, ele fala sobre como interesses econômicos patrocinaram o American Way of Life por meio do cinema principalmente nas décadas de 40 e 50. “A mensagem central em última instância era “A felicidade é consumir. Quanto mais, melhor e sem culpa. That’s life”, analisa.

Diante do exemplo que comprova a eficácia de sua teoria em relação à eficácia da ficção para incentivar ideias e estilos de vida, o cineasta, que é sócio da O2 Filmes, destaca as dificuldades pela falta de interesse político e econômico em expandir temas ambientais como se faz com a promoção do consumo. “O problema é que não há muito dinheiro para se falar sobre acidificação dos oceanos, derretimento do ártico, derrubada de florestas ou aumento da temperatura, pois isso vai sempre contra interesses comerciais. São bilhões de dólares promovendo a indústria do petróleo, automobilística, da soja, da carne, contra grupos de idealistas lutando por princípios.  Uma luta até aqui desleal”, reconhece Meirelles, usando sua própria produtora como exemplo dentro deste cenário.

“É uma relação bastante esquizofrênica para mim. Tenho viveiro, planto milhares de árvores todos os anos, participo de campanhas sobre meio ambiente, co-produzi um filme sobre a importância de florestas (A Lei da Água), mas por outro lado tenho uma produtora onde 45% do faturamento vem da propaganda que basicamente estimula o consumo”, diz.

Apesar do “status quo” difícil de ser combatido, o diretor acredita que o pensamento está mudando lentamente e que as empresas mais antenadas e inovadoras estão dispostas a ajudar. “Vejo alguns clientes (da O2 Filmes) verdadeiramente mobilizados em relação à questão ambiental, tentando repensar seus processos de produção por saberem que o consumidor cada vez mais estará de olho nisso”, pondera Meirelles.

Novas tecnologias

Street View do Google Maps aproxima natureza de Fernando de Noronha a usuários da tecnologiaO cineasta opina que as novas mídias digitais podem ser úteis na missão de propagar a importância da natureza no cotidiano de todos ao oferecer a possibilidade de contornar a barreira dos interesses econômicos. Minha impressão é que jornais e TV tem dado muito menos atenção ao tema diante da gravidade que representa. A independência que esses grandes veículos têm em relação a seus anunciantes vai até certo ponto. As mídias sociais contornam esta barreira.   Este jogo terá que ser virado pelos eleitores e pelos consumidores bem informados. A iniciativa nunca partirá do poder político nem do poder econômico que lutam basicamente por sua própria sobrevivência”, analisa Meirelles.

Em linha com esse pensamento, uma das atrações do Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, o mesmo que o diretor participará em setembro, é a participação do engenheiro do Google Tomas Noráa, responsável pelo projeto Street View que mapeia Fernando de Noronha expondo as belezas e o funcionamento do ecossistema do arquipélago brasileiro. “A ideia é colocar consciência na mente das pessoas a partir do princípio de que quem vê, cuida”, revela. “Se a discussão estiver organizada, a pessoa terá mais acesso e consequentemente haverá uma conscientização em massa, o que por sua vez estimula discussões com mais embasamento”, diz Nora.

Engajamento pessoal

Guga Ketzer, diretor de criação da LoduccaNo ponto de vista do publicitário Guga Ketzer, diretor de criação da Loducca, a maioria das peças de divulgação sobre questões ambientais e inclusive sociais realmente utiliza uma linguagem pouco eficiente na hora de engajar. “As próprias ONGs estão um pouco distantes das pessoas no dia a dia. Muitos jovens têm receio de participar das doações. As campanhas ainda são baseadas em um modelo antigo de doar para lavar os pecados. Não é que está errado, mas não pode ser só isso ”, afirma o criativo. “A doação apenas como ajuda engaja muito pouco. O futuro da ajuda humanitária é que cada ser humano seja a sua própria ONG”, acrescenta.

Voluntário e ativista da organização Waves for Water, que desenvolveu um equipamento capaz de levar água potável para comunidades afetadas pela falta de acesso ao recurso, Ketzer defende o conceito de que todos usem as ferramentas que estiverem ao seu alcance para contribuir na solução de problemas. “As pessoas podem dar um propósito a mais naquilo que já estão fazendo. Seja no seu trabalho, diversão ou até em uma viagem. No caso de um publicitário, por exemplo, ao acompanhar uma filmagem no Nordeste, ele pode passar por uma comunidade e registrar as carências identificadas em suas próprias redes sociais. Em São Paulo há muitos lugares nos quais se pode expor alguma situação. Não fazer algo com a desculpa de que pode ser pouco, não é aceitável”, sugere.

Para Ketzer, todos precisam assumir a responsabilidade de melhorar o mundo, inclusive os publicitários e comunicadores em geral, que na era das redes sociais podem ser qualquer pessoa. “A comunicação vai ajudar a entender que os problemas mundiais não podem ser jogados para cima (governos). A essência é tentar achar coisas e maneiras de engajar as pessoas para uma causa”, diz. O diretor de criação ainda finaliza dizendo que cabe aos consumidores obrigarem as marcas a assumirem posturas verdadeiramente comprometidas. “Precisamos ter consciência sobre o que estamos consumindo. Uma marca de carro não vai deixar de fabricar automóveis, mas as reações das pessoas incentivam a empresa a ser mais sustentável. Não temos que parar o mundo, temos que mudar nossa relação com ele”.

Assista ao comercial de 30 segundos da marca de detergentes para roupas OMO, que utiliza a tradicional linguagem de crianças brincando e se sujando, porém em um planeta seco e afetado pela falta de água.

https://www.youtube.com/watch?v=nuOPB1BZKZE