O executivo Abel Reis, CEO do grupo Dentsu Aegis Network Brasil, que envolve as operações das agências mcgarrybowen e Dentsu, a consultoria brasileira de negócios Cosin e a rede Isobar para a América Latina, planeja investimentos em 2017. Ele participou da estruturação da AgênciaClick, que em 2007 foi absorvida pela holding inglesa de mídia Aegis, hoje integrada à rede DAN. As áreas de life style marketing e branded content vão integrar o portfólio brasileiro com as marcas globais MKTG e The Story Lab, respectivamente, por aquisições. Nessa entrevista, Reis afirma que o grupo quer ser 100% digital em 2020.

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Como a operação brasileira pode gerar valor para o grupo?

São duas as razões. Primeiro, temos um olhar sobre a comunicação e a mídia que é originário do grupo e vai além da inserção de uma peça publicitária. E mistura tecnologia, experiência, conteúdo, entretenimento, esportes e publicidade. Isso pode ajudar a operação no Brasil com novas abordagens.

É uma senha para os planos locais?
Conteúdo e life style marketing serão áreas de negócios importantes para o DAN no mercado brasileiro nos próximos anos. A partir de 2017 isso vai ficar bastante evidente, a começar pelas aquisições que vamos fechar. Essas arenas serão implementadas por meio de compras, como foi feito nas outras disciplinas.

E quais marcas vão dar suporte?
Na área de life style será a global MKTG. A The Story Lab vai ficar à frente das produções de conteúdo. Ambas chegam ao país no próximo ano com a compra de empresas locais com esse perfil. Essas operações não olham o Brasil como território below the line, mas pelo ângulo de oportunidades para marcas e anunciantes, como é na mídia e como compreendemos os canais tradicionais. É uma assinatura muito forte do DAN que construiu uma reputação única no digital. O grupo tem a ambição de ser 100% digital em 2020 e, provavelmente, vai estar relacionado como segundo ou terceiro no ranking global de investimentos em mídia. No Brasil, o plano é ter esse mesmo perfil, mas com ritmo de crescimento orgânico, por aquisições e o compromisso de oferecer inovação e digital nos serviços das agências do grupo e das que serão incorporadas.

Qual é o futuro de uma visão de negócios restrito à mídia?
Não compramos mais mídia, mas canais e comportamentos. Essa visão decorre da constatação de que os consumidores têm sua atenção fragmentada em múltiplas telas e canais. Alcançar a atenção através da inserção de publicidade em espaços e formatos é cada vez mais difícil, senão for impossível. A audiência dos meios tradicionais vem sendo acossada por outras plataformas e o carro-chefe delas é a mobilidade. Muitos jovens não assistem mais televisão, não escutam rádio, nem leem jornais e revistas, mas se informam e se entretém em algum lugar.

Qual é o desafio da mobilidade?
Esse destino, particularmente nos smartphones, não é por meio de um canal único. A atenção é fragmentada por um ecossistema de aplicativos que vai se pulverizando. Como, então, capturar o coração desses consumidores? Usar a tecnologia para encontrar perfis de comportamento determinados através desses múltiplos canais. Os vestígios são uma boa trilha para segui-los. E se essas pegadas têm uma granularidade fina ou grossa, dependendo do objetivo, pode-se fazer ações sob medida para os comportamentos compatíveis com a mensagem de uma marca, produto ou serviço. Não queremos pensar em programa de televisão ou qualquer outro meio, mas os comportamentos mais relevantes. A tecnologia disponível está à mão, principalmente, para o digital.

A tecnologia vai ajudar os meios tradicionais?
Sim. O formato de ofertas de espaços pode ter o valor agregado das tecnologias disponíveis. As revistas, por exemplo, não vão mais poder se restringir à segmentação clássica por critérios sociodemográficos. Porque, dessa forma, atinge um volume pequeno de pessoas e restringe a real preferência de um assinante. Como poderíamos cruzar a assinatura digital de um usuário de revistas que permitisse fazer mídia segmentada na versão impressa? Não é um problema técnico, mas de modelo de negócios e mentalidade. Quando se cruza o conhecimento dos comportamentos nos espaços digitais com a mídia tradicional, de alguma maneira, é como se estivesse a digitalizando e preservando sua identidade e natureza.

Não é uma negação?
Não. O estatuto de linguagem e de capacidade de entregar experiências e informação para usuários permanece. Porque o fato mais relevante do digital não é ver um filme no smartphone ou ler um artigo no iPad, mas a retenção da memória da interação e do percurso de navegação dos seus usuários no tempo, que os canais impressos e as TVs não conseguem.

A memória é o que você define como comportamento?
Exatamente, porque quando há cruzamentos dos meios tradicionais com o digital, ficamos diante de uma reinvenção do modelo. Dificilmente a era de ouro, materializada por pouquíssimos meios que concentravam o destino dos orçamentos dos anunciantes, vai voltar diante do cenário de fragmentação. Mas, a linguagem, resultado dessa exposição diante do digital, que revela o comportamento e as intenções reais das pessoas. Isso é valiosíssimo do ponto de vista mercadológico. Já imaginou poder comprar um anúncio impresso e saber que o assinante é um compulsivo navegador de eletrônicos do Buscapé? Esse cruzamento permite inovação. O que buscamos comprar são comportamentos em qualquer meio.

Como lidar com essa geração uberizada que costuma negar as marcas?
As novas gerações, que são bastante engajadas no digital, são muito mais céticas e cínicas do que eram as gerações passadas. O desafio é gigantesco porque as pessoas não estão dispostas a ouvir qualquer coisa e no ritmo que interessa às marcas e aos anunciantes. As novas gerações operam sempre on demand e just in time que são palavras essenciais para a experiência de consumo dessas gerações. Esse ceticismo e o cinismo, porém, se refletem em várias coisas como a política, amor e atitude diante da vida. O fio condutor é o mesmo. No caso da política, a desilusão e o desinteresse ideológico. Essa geração uberizada é marcada pela economia de acesso e não a de bens. É a natureza de ‘sofituerizar’, uma tendência dos millennials, mas esse passo está adiante do Uber e do Airbnb. A Mary Barra, da General Motors, deu uma declaração afirmando que o seu KPI nos próximos anos deixaria de ser carros vendidos para contabilizar quilômetros rodados. Isso é muito interessante, porque o que importa é que o usuário esteja a bordo no Uber ou pelo Maven, lançado pela GM, como sistema compartilhado de mobilidade e que o Brasil vai ser piloto. A hora que um grande fabricante de hardware oferece a experiência em primeiro lugar, é a ‘sofituerização’ on demand.

Como uma assinatura?
Exatamente. Os serviços de cloud computing permitem que as grandes empresas que processam software em larga escala, não sejam mais donas de parques de computadores gigantes. A desmaterialização tem a ver com um modo de vida e de consumo on demand que busca a conveniência. E são desconfiados de abordagens e mensagem que vendam atributos mágicos.

Mas o digital exige uma entrega física, não é mesmo?
Esse cenário nos põe à prova em situações limites, mas nos faz pensar sobre a natureza das relações. Os jogos, os ambientes de realidade virtual e a experiência de relacionamento romântico no mundo virtual podem parecer uma deformação do contato, mas a tendência vai na direção oposta. No Japão, isso já uma realidade. Os japoneses podem ser mais exagerados, mas nos fazem pensar nos significados da amizade e na opinião alheia. O que quero dizer é que as experiências digitais não são uma doença embarcada que exige o frente a frente. Pense na educação a distância, que pode revolucionar a democratização do conhecimento.

Como será essa virada em um mundo cada vez mais comprimido?
Com o analytcs, a tecnologia de desk boards e todo o arsenal de recursos disponíveis que são imprescindíveis ao marketing. Os parâmetros de monitoração são mais nervosos.

O ambiente mutante do digital não afeta a confiabilidade?
O problema é do excesso e não da escassez de dados. O digital é abundante em índices; o desafio é sintetizar esse volume para, a partir de um número claro e comparável, permitir a tomada de decisões. A tecnologia também muda. Ela é como se estivéssemos caminhando em um trem em movimento. Nesse caso, não vamos estar na nossa velocidade. E a indústria da comunicação está assentada no trem da tecnologia da informação, que funciona por obsolescência contínua. A cada 18 meses surgem novos aplicativos de medição. O Snapchat não era relevante há um ano. Hoje discutimos o que vamos oferecer nesse canal, que tem um critério de consumo antagônico ao Facebook. O novo ciclo vai exigir novas métricas. Os ciclos no passado eram tão longos que tínhamos de olhar para trás.

Qual é aderência da Cosin no grupo DAN?
Quando os anunciantes começaram a refletir sobre a otimização de investimentos, descobriram que precisavam de ciência. E logo viram que as respostas não viriam de grupos de comunicação. Essa foi a porta de entrada: a análise do mix de investimentos em comiunicação. Daí a compra da Cosin, que tem essa expertise. Essa capa de relacionamento com o consumidor se aprofundou nas empresas, o que era problema de comunicação passou a ser um problema de negócios. As consultorias entram pela segunda porta porque entregam gestão de projetos complexos, tecnologia e começam a se preocupar com temas como experiencia, design de produtos e serviços, além de começarem a entender que há uma avenida de dinheiro que não estava no foco. Oracle, IBM e Accenture ingressam nesse terreno por conta das plataformas tecnológicas.