1. Levando-se em conta os 115 Leões que o Brasil conquistou em 2013, batendo seu recorde até então, e mais os 116 de 2014, ocasião em que foram computados à parte nove deles por se originarem do segmento de Health (que a partir deste ano de 2015 se juntou ao Cannes Lions tradicional para contagem de pontos), a conclusão é a de que mantemos a nossa performance destes últimos três anos, enriquecida desta feita pelo Grand Prix de Film, atribuído ao trabalho da F/Nazca Saatchi & Saatchi em parceria com a produtora Stink, para o anunciante Leica Gallery (ver matéria nesta edição).

Vale lembrar aqui a sorte – para quem nela acredita – do SBT, que ao patrocinar a categoria Film no Cannes Lions deste ano, viu um trabalho brasileiro receber o Grand Prix. Bate com tradicionais discursos de Silvio Santos, que sempre destacou, para explicar o seu sucesso, os fatores trabalho e sorte.

A linha do tempo do Brasil, nesse que é o maior festival da comunicação do marketing do planeta, é claramente ascendente, ficando apenas para a história nossos primeiros tempos de participação, no final dos anos 60 e início dos 70, quando chegamos a receber um ou outro prêmio (na época só concorriam filmes), mas junto com eles uma avalanche de vaias para trabalhos que sequer deveriam ter sido inscritos.

Há que se considerar ainda nessa análise, que até 2012 o Cannes Lions julgava quem havia feito melhor (ideia + produção), em um método comparativo.

De 2013 para cá, esse conceito mudou, obedecendo à palavra-chave então imposta pelo Cannes Lions: inovação.

A partir daí, não basta apenas ser o melhor entre os seus concorrentes em cada categoria, mas também apresentar um sintoma de inovação na sua forma e conteúdo.

A competição passou então a ser mais atraente porque, além de mais exigente, impôs a obrigatoriedade do novo desde que realmente original.

Todos ganham com isso: os anunciantes, que têm a possibilidade de assinar trabalhos de comunicação mais instigantes, passando esse conceito imediatamente para os seus produtos e serviços. As agências, que melhoram o seu handicap, com destaque para aquelas que não se contentam com pouco.

Os fornecedores do mercado, cujo desafio passa a ser igualarem-se nessa corrida rumo ao que ainda não foi feito, valorizando com isso o seu trabalho e abrindo-lhes o leque de possibilidades de contribuir para esse desiderato, adicionando assim um maior número de pontos ao que entregam.

Os meios, que vivendo as dificuldades inerentes às bruscas e gigantescas transformações, têm a oportunidade – além da obrigação – de se entregarem de corpo e alma aos novos tempos, entendendo rapidamente que ficar no mesmo lugar não é mais como nos tempos idos: agora significa andar realmente para trás.

E o público, razão maior da existência de todos esses players, que acaba por se beneficiar diante de mensagens ainda mais criativas e diferenciadas em boa parte de tudo o que viu e ouviu até aqui. Não é sem motivo que estudiosos do comportamental humano têm atribuído à comunicação publicitária (e cada vez mais) grande dose de responsabilidade na formação do novo ser humano.

2. O contraponto de tudo o que acima foi dito reside no saudosismo da geração mais velha de publicitários – vamos ficar só nos brasileiros – que descobriram Cannes para o nosso mercado e hoje constatam que aquele festival já não existe mais. Se tudo mudou de lá para cá, o Cannes Lions mudou ainda mais, perdendo, segundo representantes dessa geração, o que podemos chamar de charme, quando por exemplo levas de profissionais de várias partes do mundo lotavam o Debussy e o Grand Audi, para vibrar com a projeção em tela grande de comerciais que fizeram época e mudaram para melhor a história de muitas marcas, produtos e serviços.

Ainda a mídia de maior verba no Brasil e em muitos outros países, a TV sai incompreensivelmente perdendo no Cannes Lions, com a sonegação dos grandes espaços que nele ocupava.

Os grandes auditórios estão reservados aos seminários e as suas palestras e palestrantes famosos (quem viu a de Monica Lewinsky, jura que foi uma das melhores, senão a melhor, arriscando a opinar que a partir daí passou a entender um pouco melhor Bill Clinton), servindo às plataformas eletrônicas somente nas cerimônias de entrega dos prêmios.

Fica aí uma discussão para os organizadores da versão 2016 do consagrado Cannes Lions, ótimo por ele mesmo, pela sua organização perfeita e por se realizar em um país e, mais especificamente, em uma cidade que enche os olhos de todos que a visitam, mesmo por apenas uma semana ou por dez dias, como é o caso dos 13 mil delegados que participaram da recém-finalizada versão deste ano.

3. Após abordarmos tanto avanço, cabe a lembrança de que o Cannes Lions, que começou como Festival Internacional do Cinema Publicitário e inicialmente se realizava um ano em Veneza e outro em Cannes, em 1972, devido a uma greve geral na Itália coincidindo com os dias do festival, optou por se instalar definitiva e somente em Cannes.

Veneza pagou caro pela greve que então atingiu todo o país e que obrigou os participantes do evento a carregarem suas malas e pertences nas mãos, após serem colocados pela tripulação dos voos na pista do aeroporto local.

Nos hotéis, cada qual era obrigado a arrumar suas camas e cuidar dos demais serviços internos por conta própria. Um verdadeiro caos que, como já dissemos, tirou o festival de Veneza, rendendo-lhe, porém, a homenagem de manter representando seus prêmios, um dos símbolos mais importantes da cidade das águas: o leão (ou leões) da Piazza San Marco, reconhecidos mundialmente e que lá estão por força da história de uma cidade que já foi República independente e que sempre fascina aos que sobre ela se debruçam para aprender um pouco mais.

Vivemos nos dias finais do Cannes Lions deste ano uma greve geral dos taxistas que se espalhou por todo o país, pelo mesmo motivo da greve recente do setor nas principais cidades brasileiras: abaixo o aplicativo Uber. E o passado e o presente querendo impedir o futuro. E castigando os que precisam dos seus serviços essenciais.

Aqui em Cannes, chegaram a bloquear estradas para automóveis particulares não passarem. O direito de ir e vir, como se vê, não é desrespeitado somente no Brasil.

4. Então, o homem era tratado por Brahma nos documentos confidenciais trocados entre os figurões daquela construtora? A que ponto chegamos, leitor. Em sua (dele) homenagem, reproduzimos a letra de um dos mais famosos jingles da cerveja que já foi a mais popular do Brasil: “Quem gosta de cerveja, bate o pé, reclama, eu quero Brahma, eu quero Brahma”.

Basta o leitor sonorizar para sentir a força do jingle.