Com mais de 120 anos no mercado e presente em 170 países, a Swarovski tem uma atuação mais diversificada do que se imagina. Além da venda de produtos no varejo, em lojas próprias e de terceiros, a empresa conta com uma divisão especializada em criar projetos que ajudam outras marcas a atingir consumidores de classes de maior poder aquisitivo. Nesta entrevista, Monica Orcioli, diretora-geral da Swarovski Professional, divisão B2B da empresa, revela as estratégias por trás de sandálias Havaianas ou óculos da Chilli Beans cravejados com cristais.

Marçal Neto

O que é exatamente a Swarovski Professional?
A Swarovski Professional é a divisão de B2B da Swarovski mundial. Essa é a área que deu origem à empresa há 120 anos. É anterior ao varejo. Enquanto a outra divisão faz a gestão das lojas, nós vendemos várias plataformas de produtos para uma série de clientes e indústrias. Uma das linhas que nós temos é a de cristal, que vendemos não só para produtores de bijuterias ou os varejistas, mas também para o mercado de moda, calçados, acessórios, além de vários outros segmentos, como embalagens e decoração. Nossa missão, principalmente no mercado brasileiro e latino-americano, é contribuir para a ‘premiumnização’ das marcas e das coleções dos nossos clientes. A ideia é gerar uma sofisticação que faça o consumidor estar mais disposto a pagar até 100% a mais do que ele pagaria nos mesmos produtos sem os cristais da Swarovski. O objetivo é agregar valor e inovação, ou seja, glamourizar a marca do cliente. Criar produto fashion e de qualidade.

Qual foi a estratégia de marketing que fez a empresa, fundada há mais de um século, tornar-se referência no mercado de luxo em todo o mundo?
Posso dar alguns exemplos que podemos ver até hoje. Desde a década de 1940, nós já vendíamos nossos cristais nas principais lojas e vestíamos as maiores celebridades. Um exemplo clássico é a Marilyn Monroe. Quando ela cantou o famoso Happy Birthday para o presidente John Kennedy, dos Unidos Unidos, ela estava usando um vestido com centenas de milhares de cristais da Swarovski. E essa estratégia continua. O cantor Pharrel Williams é um artista que tem uma jaqueta com nossos cristais. Claudia Leitte, na abertura da Copa, junto com Jeniffer Lopez, apresentou-se com uma roupa que tinha nossos cristais. Rihana, no ano passado, também usou um vestido. A cortina do Oscar é feita com nossos cristais. Portanto, essa é a estratégia que a marca usa para se posicionar e isso, mais do que uma ação, vira uma inspiração para a indústria da moda. Além disso, incentiva as pessoas a consumirem e admirarem produtos relacionados com a Swarovski.

Quais são os clientes da empresa no Brasil?
São vários. Temos Osklen, Animale, Dudalina (cristais aplicados nas camisas), Havaianas (cristais nas sandálias), O Boticário (cristais nas embalagens da linha “Make B*”), Chilli Beans (óculos), Alexandre Birmann (aplicação de cristais em calçados), Liz e DeMillus (aplicação de cristais nas lingeries), entre outros.

Qual é o risco de unir uma marca de luxo como a Swarovski com marcas de consumo mais populares, como O Boticário, Chilli Beans ou Havaianas?
Fazemos análises minuciosas para definir quais parceiros queremos trabalhar. Procuramos não desenvolver nenhum projeto que possa entrar em conflito com o nosso conceito. Avaliamos a reputação da marca, o segmento, tudo. Para criarmos projetos em conjunto, precisamos que os parceiros sejam líderes ou tenham destaque no mercado. No entanto, não fazemos essa distinção de marcas populares e marcas de luxo. Um bom exemplo disso é a Havaianas. Você pode comprar uma Havaianas por R$ 20 ou por até R$ 500, se ela estiver cravejada com cristais da Swarovski. O importante é que a marca parceira tenha objetivos tão definidos quanto os nossos e a mesma vibração que nós temos, pois os projetos são contínuos e oferecem resultados a longo prazo. Temos uma visão criteriosa para estabelecer as associações. Outro ponto é que, principalmente no Brasil, o objetivo é justamente ajudar no processo de premiumnização de outras marcas. A própria Havaianas não nasceu com a reputação que ela tem hoje. Foi um trabalho muito bem feito. Acreditamos que podemos contribuir inclusive para a internacionalização dos produtos dos nossos clientes brasileiros.

E qual é a reação do consumidor tradicional da Swarovski quando ele vê a marca associada com outra marca menos luxuosa?
É preciso entender que, hoje em dia, o consumidor tem vários momentos. Por mais alto padrão que seja um consumidor, ele não vai comprar marcas de luxo o tempo todo. Tem momentos em que ele também quer uma coisa que seja fashion, mas que tenha um valor mais baixo do que um óculos de R$ 6 mil. O consumidor cada vez mais transita nesses dois mundos. Acima de tudo, o consumidor gosta de ter a opção. Gosta de entrar em uma loja da Chilli Beans, por exemplo, e ver que a empresa está se preocupando em oferecer o que existe de melhor. Em relação ao case da Chilli Beans mesmo, é um privilégio participar desse processo de premiumnização da marca.

Como é feita a avaliação de resultados, já que, nestes casos, a Swarosvski não é a marca vendida?
Fazemos um trabalho de gestão de categoria muito próximo aos clientes. Desde o desenvolvimento do produto ou da coleção, a gente trabalha nas metas de vendas, nos potenciais, na margem. E esse trabalho não termina, porque, em geral, os parceiros não fazem um projeto só. A gente avalia os resultados por meio da performance de venda dos clientes. Temos a Havaianas, por exemplo, que trabalha conosco há mais de dez anos. Esse tipo de iniciativa trouxe o crescimento que temos hoje no mercado brasileiro. Em três anos, dobramos a nossa operação no país e agora queremos fazer o mesmo com os outros países da América do Sul.

A companhia está crescendo mesmo neste período de crise?
No ano passado, tivemos um crescimento de 15% e, nos outros países da América Latina, chegou a 40%. No Brasil, o crescimento é menor porque já é um mercado avançado em relação aos vizinhos, a base de comparação é maior. Por outro lado, também é verdade que ainda temos de fazer muito para chegar ao nível de países europeus.

Como o mercado de luxo reage a uma crise econômica?
Um dos reflexos da situação econômica atual é que os consumidores do segmento de luxo estão deixando de viajar ao exterior e, consequentemente, estão comprando mais dentro do Brasil. São bilhões que estão deixando de ser gastos fora e podem ser gastos no Brasil. O desejo de consumo é latente e continua existindo, seja por produtos importados ou mesmo por produtos nacionais que tenham diferenciais. Por isso, cada vez mais, a gente encontra oportunidades. Momentos como esses são bons para marcas locais buscarem diferenciação para atender à demanda do consumidor premium que está viajando menos e comprando mais aqui, além da própria necessidade de criar mais promoções. Por exemplo, lançamos recentemente uma área de brindes corporativos que está crescendo muito porque a gente realiza boas promoções e criamos produtos personalizados.

Qual é o público-alvo que vocês buscam quando realizam ações de marketing ou relacionamento?
Temos dois alvos na comunicação. O primeiro é o B2B, para falar diretamente com os clientes. Entretanto, também fazemos um trabalho para sensibilizar o consumidor final. Não adianta nada a gente estimular somente as empresas sem ter uma comunicação efetiva junto ao consumidor. Usamos todas as ferramentas possíveis para preparar e comunicar todo o público, desde vendedores, imprensa e formadores de opinião até os consumidores.

A operação brasileira acaba se favorecendo por clientes que a Swarovski já tem fora do país e querem começar a atuar no mercado brasileiro?
Não herdamos muitos clientes, não. Nós trabalhamos mais com marcas locais mesmo. Como as empresas estrangeiras produzem tudo fora do Brasil, a gente não consegue ter tantos benefícios de ganhar clientes por ‘herança’, digamos assim. Nós precisamos ralar aqui mesmo (risos). A prospecção é mais local.

Como é realizado o trabalho criativo das tendências lançadas pela Swarovski?
Temos uma espécie de agência in house formada por profissionais de comunicação, design e especialistas em branding. É uma equipe de cerca de 60 pessoas localizadas em grandes centros de estilo na Áustria, França, Inglaterra e Estados Unidos, entre outros países. Temos um designer no Brasil também. A cada seis meses a gente lança tendências de moda verão e inverno. O departamento criativo desenvolve ideias com todas as cores e efeitos, que são divididos em diversas categorias. Fazemos apresentações de tendências simultâneas para todos os clientes, desde os maiores até os menores, com a ideia de inspirar. A partir daí, o foco é atender os pedidos para desenvolver as coleções de acordo com o DNA das marcas. Em resumo, o nosso trabalho é preencher o espaço de demandas pouco percebidas pelo mercado e criar oportunidades locais para as marcas parceiras.