No mundo das marcas e do marketing, qual é o limite ético de um jornalista para divulgar notícias? Outro dia me vi diante de um dilema pelo qual ainda não havia passado, e vou relatar aqui sem nomes ou associações mais óbvias. Recebi uma sugestão de pauta sobre uma empresa de bebidas alcoólicas que vende um tipo de destilado voltado para o público jovem. A notícia que me sugeria sua assessoria era o fato de que a bebida havia conquistado um espaço grande nas redes sociais se conectando com a juventude. Acompanhando o material, recebi dois vídeos que mostravam exemplos de ações da marca nas ruas e exibiam, entre outras imagens, uma garotada solar virando alegremente garrafas da bebida no gargalo, literalmente enchendo a cara, como se diz.

Não sou careta: beber é ótimo, tem seu espaço e seu lugar. Sou velha e já vi muita coisa: entre elas, a indústria de cigarros com liberdade total no mundo da propaganda. Vivi um universo em que tudo podia, menos, possivelmente, a venda ostensiva de drogas pesadas ou remédios tarja preta. Ocorre que, ao me deparar com aquele material de divulgação, não pude me descolar de quem sou como ser humano.

E, entre outras coisas, sou mãe de uma adolescente de 13 anos, já cercada por diversos fantasmas – como a própria bebida e as drogas em geral. Jovens recém-saídos da infância têm amplo acesso a tudo isso e vários já estão se excedendo, muitas vezes sem que os pais sequer sonhem com isso. É bastante popular o termo “PT” (perda total), utilizado para rotular quem bebe demais e dá vexame em festas. Bebida alcoólica não é para todos: principalmente não para muito jovens, que estão começando a vida. Disso acredito que poucos discordam: sua venda exige controle e sua comunicação, alguma responsabilidade por parte de fabricantes.

Existem diversas maneiras de estar no mundo, tanto pessoas como empresas, e não quero dar uma de poliana, mas tive a impressão de, naquele momento, estar diante de algo vazio, raso. Tive a sensação de que aquela mesma empresa poderia usar as valiosas ferramentas do marketing, e todas as suas possibilidades criativas, para estar no mundo de maneira menos… comum. Porque o fato é que o mundo mudou mesmo, não se trata de um clichê: não estamos mais no vale tudo de antigamente.

É bacana refletir sobre o que, como, por que e para que se faz. Tomei coragem e disse à assessora que não escreveria a matéria naquele momento, pois não me pareceu haver mérito verdadeiro naquelas ações de marketing, não importa seu tamanho, sua força de vendas, seu sucesso em faturamento. Que talvez, em outra oportunidade, pudesse abordar alguma outra ação dessa mesma empresa. A moça ficou perplexa, disse que estava fazendo o seu trabalho, que aquele era um job como qualquer outro.

Aí é que está. Não considero esse o meu job, para o qual levanto da cama todos os dias, como “qualquer outro”. E possuo um set único de crenças e valores – para guiar decisões de ordem pessoal e profissional. Talvez seja esta a diferença essencial entre pessoas, entre empresas. O que separa, mesmo, o joio do trigo. É um jeito, mesmo, de estar, atento, no mundo. Chama-se coerência, que no dicionário – e na vida – é sinônimo de conexão e de harmonia.

Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK