Costumo brincar que na próxima encarnação quero vir blogueira de maquiagem. Essa brincadeira começou quando passei a avistar, em coletivas, moças cercadas de atenções incomuns e claramente de outra estirpe que nós meros mortais jornalistas. Eram as blogueiras – ou youtubers, ou vlogueiras –, mocinhas muitas vezes comuns que um dia ligaram uma câmera e decidiram repartir suas vidas e hábitos de consumo com quem estivesse disposto a assistir. Seja pelo desejo mais pueril de inspirar pessoas, pela busca de uma voz, por vaidade ou ambição: a coisa toda foi ganhando fôlego e hoje há canais de meninas e meninos (de variadas idades) que se transformaram em mídia e entraram – aplicadamente – no budget de gigantes do mundo dos anunciantes.

O complicado disso tudo é que já não se sabe mais quem ganha o que, para dizer o que, para fazer o quê. O que se percebe como lifestyle e inspira legiões de “seguidores” em vídeos e fotos é genuíno ou regado a polpudas verbas de marketing? Conteúdo e publicidade misturam-se num emaranhado de recomendações a respeito de produtos e marcas. Quase todo mundo ao meu redor é “influenciador” e pode “organicamente” ajudar a espalhar novidades das mais diversas. No mundo do “boca a boca digitalizado” de vlogueiras, blogueiros e influenciadores não há fronteiras e não sabemos mais quem é franco ou enganador. Já foi menos tênue a linha entre dois mundos: o da informação e o da publicidade.

Suspeito que esses (talvez supervalorizados?) personagens do planeta digital podem estar entrando na vala comum da “compra de espaço” – que, porém, nem sempre é assumida, como no velho e autêntico “marketing da interrupção”, que tantos dão como condenado ou morto. No lugar de se comprar espaço em veículos, compra-se recomendações, endossos, opiniões e ideias. Compram-se estilos de vida, visões de mundo. O que parece novo, de repente me parece mais velho do que minha bisavó.

Um amigo especialista me fala que é assim mesmo nesse admirável mundo novo: tudo se funde no chamado “Inbound Mar- keting”, que consiste em ganhar a atenção organicamente, o oposto do “outbound marketing”, aquele que interrompe o fluxo das atividades e no qual se insere a “propaganda tradicional”. Há agências com departamentos de “DWOM” (Direct Word of Mouth), hoje altamente estratégicos para as marcas.

No compasso desse movimento, no afã de inserir marcas suavemente na vida das pessoas, sem que elas se sintam incomodadas, perde-se de vista a premência de marcar as fronteiras entre o que é propaganda daquilo que não é. Ou os consumidores estão bem grandinhos para reconhecer a diferença? Ou isso não tem, afinal de contas, nenhuma importância?

Alguém me desafia: se o que alguém publica – de forma remunerada – é verdadeiro, é sincero, qual é a diferença entre publicidade e conteúdo? Pois é. Como saber? Algo me fala que toda essa história vale uma boa reflexão sobre para onde estamos caminhando. Gosto de uma frase atribuída a André Berthiaume que diz o seguinte: todos usamos máscaras e chega uma hora em que não podemos tirá-las sem arrancar a própria pele.

Claudia Penteado é jornalista e repórter do PROPMARK