O CEO global da Ipsos Connect, Yannick Carriou, está na área de pesquisa há quase duas décadas. Nesta entrevista, concedida na semana passada, durante a visita do executivo a São Paulo para participar do ABA Insight, ele falou sobre as métricas estarem sempre mudando. A empresa está lançando primeiro no Brasil, o Connect:Live, uma ferramenta para testar os filmes de campanhas no Facebook. A estreia local mostra a importância do mercado para a empresa. “O Brasil é um dos países no mundo para o qual olhamos quando queremos entender quem pode ser o novo consumidor”.

Alê Oliveira

Por que vocês escolheram lançar o Connect:Live no Brasil primeiro?
Eu acredito que seja, em grande parte, devido à escolha de começar com o Facebook. O país é uma das maiores bases do Facebook no mundo. E, claro, esse tipo de produto e abordagem é particularmente melhor adaptado a este país, onde a força do Facebook é importante. Ainda estamos em crise, então temos de gerir os projetos de nossos clientes e ter a certeza nós ofereceremos a melhor qualidade com um preço razoável. O que é uma preocupação global. A escolha do Brasil é tática, mas as necessidades globais são praticamente as mesmas. A ideia (da ferramenta) veio de muitas discussões com todos os nossos clientes. A maioria deles diz a mesma coisa: eles estão se afogando em tantos dados e métricas. O que quer que você faça no mundo do digital, você tem acesso imediatamente. Os nossos clientes não são focados em publicidade e eles precisam entender o impacto da atividade em suas marcas e, frequentemente, as métricas disponíveis não falam de marca. Assim como eles têm acesso a métricas técnicas, como viewability, engajamento etc., eles também precisam ter um jeito simples de medir de maneira realisticamente qual o impacto do investimento deles. É isso é o que Connect:Live faz.

A ferramenta serve só para vídeos?
Prioritariamente, sim, porque é o segmento que mais cresce no digital. Também pode fazer em banners, mas não acho que os clientes estejam interessados. A maioria dos banners é material de BTL, que leva tráfego para a próxima jornada do consumidor. E o aspecto criativo do vídeo também é muito mais complexo que o de banners.

Como funciona a ferramenta?
É muito simples, como muitas boas coisas. Mandamos a publicidade para pessoas que seguem alguns critérios de público-alvo, sendo leal ao que seria a estratégia do cliente, interceptamos novamente essas pessoas depois da exposição e medimos o impacto com algumas métricas específicas, em comparação aos que não foram expostos. Isso é parte do DNA da Ipsos. Medir a elevação de uma marca é uma coisa, mas ter certeza de que compreendemos o impacto de uma campanha em comparação a quem não foi impactado é um método muito mais preciso e adequado.

Funciona como um teste com alguns consumidores?
Sim. Nós costumávamos dizer que o investimento digital era tão baixo que ninguém se importaria em testá-lo. Mas isso está errado. Pegarei o exemplo da P&G. Recentemente o CMO da P&G, Marc Pritchard, disse que mesmo em uma empresa como a dele, conhecida por ter uma estrutura rigorosa, cai no que ele chamou de “crap ad trap” (armadilha do anúncio porcaria). O que ele quis dizer é que nós fazemos um monte de anúncios em diversos formatos e não sabemos em que isso tudo impacta nas marcas. A ideia de que grandes anunciantes podem fazer bobagens nas plataformas digitais se foi. O custo da mídia está ficando mais caro. Os anunciantes sabem que anunciar muito e não do jeito certo pode prejudicar a percepção da marca, por isso eles estão tomando cuidado com performance e aquisição de publicidade até nas plataformas digitais.

Onde Connect:Live está disponível?
Primeiro, a ferramenta foi disponibilizada no Brasil e agora já pode ser usada em mais 18 países. Mas, tecnicamente, pode ser lançado em qualquer lugar onde o Facebook tenha atividade. Devemos expandir para outras plataformas. Escolhemos o Facebook por ser uma das plataformas mais importantes para os anunciantes, ao lado do Google. Apenas para introduzir os conceitos para os nossos clientes.

Qual o peso do Brasil para a Ipsos?
É um país-chave. Falando de maneira geral, temos feito muita pesquisa sobre tendências, previsões sobre o que pode acontecer na sociedade brasileira etc.. Estamos fazendo isso, claro, porque o Brasil é uma grande economia, com uma grande população, e naturalmente um mercado importante para nós. Mas também porque o Brasil é um dos países no mundo para o qual olhamos quando queremos entender quem pode ser o novo consumidor do amanhã. A Ipsos tem sua sede na Velha Europa, em Paris. Nós lutamos contra nossa tendência natural de ver as coisas com as lentes do velho povo europeu. O Brasil é um grande país em diferentes categorias, como beleza. Os valores e atrativos culturais são diferentes no Brasil, do que é na América Latina, mas até mais se comparado com Estados Unidos, França etc…. Nós precisamos ter um profundo conhecimento do consumidor brasileiro e da sociedade brasileira. Todas as grandes multinacionais estão aqui. A economia está passando por um momento duro, mas não estamos de olho no curto prazo. Tudo o que a gente aprender aqui pode usar em outros países, agora ou mais tarde.

O que você veio apresentar no ABA Insights?
O tema que me foi dado é muito abrangente: como gerenciar marcas em tempos modernos. Eu sou um pesquisador em uma companhia de pesquisa e é verdade que, na indústria de publicidade e branding, o pesquisador sempre foi aquele bom aluno que senta na fileira da frente, com óculos de lentes grossas… Não é o primeiro cara que você pensa quando quer ter uma conversa divertida. E o mercado está precisando de um pouco de seriedade. Tentamos muitas e muitas coisas com pessoas diferentes, com empresas pensando em novas maneiras de falar sobre a marca… E ainda temos um monte de perguntas. Sinto que isso é uma tendência global, até porque toda essa métrica não é tão simples de ler como se pensa. Os clientes precisam do bom aluno da fileira da frente para tentar responder algumas das perguntas. Com frequência esquecemos que o CMO tem de lidar com a organização. É muita pressão e, para poder gerir esse tipo de complexidade, ele precisa das métricas para saber como eles estão performando. Mas ele também tem de lidar com gente real, e o modo como essas pessoas se relacionam com as marcas não é o modo como a marca gostaria que fosse. Você não define sua relação com a marca por atributos de tendências, nem sabe como definir sua relação com a marca. Além das métricas, tem um mundo de complexidade humana profunda. Se eu quero vender meu produto para você, eu preciso entender como você vai tomar a decisão e isso é muito difícil. Tem uma dicotomia entre a necessidade de métricas simples e a complexidade profunda do ser humano para enfrentar. As empresas de marketing tentam usar big data para tentar construir uma ponte entre elas, mas gerenciar marcas no mundo moderno é uma combinação das duas coisas. Você precisa ter uma abordagem de cima para baixo – quero que minha marca seja A, B, C, D – e uma abordagem de baixo para cima – ouvir pessoas e transformar isso em métricas. Esse difícil exercício explica a atração por neurociência e tecnologias como analytics, inteligência artificial etc..

Às vezes as pessoas não sabem explicar o que pensam das marcas…
Tradicionalmente, as pesquisas tentam forçar as pessoas a pensar sobre o que elas esperam das marcas. Minha marca tem bons valores de cidadania? Se você é um consumidor talvez você não saiba, talvez você não se importe, mas você responde. Qual o valor desta resposta? É uma estrutura falsa. Eu forcei você a falar, mas esse não é o jeito que você quer falar sobre a minha marca. Especialmente no Brasil as pessoas têm muito a dizer sobre marcas, não é um tópico neutro. Mas não quero forçá-los em um sistema preestabelecido, quero que se expressem livremente sobre isso. É espontâneo. Profunda verdade humana.

Quando o digital surgiu, uma das vantagens apontadas era a eficiência da medição. Mas parece que, atualmente, não se tem mais esta certeza. Precisamos melhorar nossas métricas?
Como eu disse antes, os clientes sentem que estão se afogando nas métricas. O problema é o número de métricas. Pode ter um monte de métricas certas, mas, se elas vêm como uma tempestade tropical, haverá dificuldades em conseguir qualquer insight delas. O primeiro elemento é tentar usar o método certo, a seleção certa, dependendo do seu propósito. As métricas às vezes são questionadas porque são um ambiente instável. Todo mês há um fenômeno ou um fato novo de tecnologia que coloca em perigo o sistema de métricas existentes. Falamos bastante de robôs, depois tivemos a discussão sobre sistemas antifraude, questionamentos sobre viability… Estabelecer uma boa métrica não é um ato definitivo, você tem de se mexer todos os dias. Não é um ambiente estável. Foram feitos anúncios públicos sobre métricas que não são tão precisas quanto deveriam ser. Isso será sempre parte da indústria. Claro, quando o Facebook disse “nossas métricas não são exatamente o que deveriam”, eu imagino que, no Brasil, as pessoas ficaram pensando “que droga”, mas, para ser honesto, eles foram muito corajosos ao dizer “nós corrigimos”. Amanhã pode acontecer com outra plataforma porque o contexto da tecnologia está mudando. No fim, voltando aos estudantes sérios, o que importa é que o lucro de um anunciante não cresce só porque a viewability do anúncio digital está crescendo. (O lucro) é indexado ao impacto da marca, às vendas etc. É hora de ir aos estudantes com os óculos grossos e perguntar “qual é o impacto na minha marca?”.

Acontecimentos como este do Facebook fazem a medição parecer menos verdadeira?
Os técnicos que conhecem medição do avesso sabem que é uma questão de normas, métodos, não uma questão de verdade. Não podemos chegar perto da verdade absoluta, e o digital apenas amplificou isso. Eu acredito que o problema para a indústria é concordar no conjunto de métricas que sejam razoavelmente verdadeiras. Eu não sou ingênuo a respeito da medição. Eu confio na indústria e estou aqui representando não apenas a indústria da pesquisa, mas todas as pessoas sérias que tentam fazer o seu melhor para colocar as métricas na mesa. Claro, haverá alguns solavancos na estrada.

Como você avalia esses primeiros anos de existência da Ipsos Connect?
Nós criamos a Ipsos Connect baseados na visão de que as questões de mídia e as criativas seriam inerentemente incorporadas. Nós ficamos muito felizes com essa visão porque está acontecendo mais rapidamente do que pensamos. A novidade introduzida pelo mundo digital é que a criatividade precisa ser diferente de acordo com a plataforma. Nós recebemos muita atenção dos nossos clientes por pensar assim. Isso é novo para eles também. É um desafio intelectual, mas estamos orgulhosos de participar desta mudança porque essa indústria precisa de seriedade e força intelectual. Não acho que o mundo da publicidade será um mundo de tentativa e erro porque as empresas têm também os CFOs, que olham para os orçamentos e para as estratégias. Precisamos de força intelectual, e Connect é uma resposta para isso.