A Tap, companhia aérea portuguesa, quer vender muito além do bilhete aéreo e não pretende mudar de negócio para isso. A estratégia da multinacional, controlada pelo consórcio Atlantic Gateway, formado pela DGN Corporation, empresa de David Neeleman, fundador da brasileira Azul, e pela HPGB, do empresário Humberto Pedrosa, que detém 45% do negócio, sendo 50% do governo português e 5% dos funcionários da companhia, é agregar experiências para não ser percebida por preço. Exemplo deste movimento é o recente lançamento do programa “Tap Portugal Stopover”, em que os passageiros com destino final além Portugal, na Europa ou África, são convidados a usufruir de benefícios, em Lisboa ou Porto, por até três dias, que incluem estadas em diversos hotéis a preços diferenciados e uma série de vantagens exclusivas, por meio de uma rede de 150 parceiros, sem nenhum custo adicional na tarifa. O novo produto está disponível tanto para classe executiva como à classe econômica.  

Atualmente a Tap tem oferta de voos de norte a sul do país, com a saída de 10 cidades com mais de 65 voos semanais. Francisco Guarisa, diretor de marketing da companhia, que há oito anos está na empresa, conta nas próximas páginas sobre a operação da Tap no Brasil e a nova campanha publicitária, da agência AFT, que permanece no ar por dois meses, nos principais veículos de comunicação, além de ações prorrogadas até o fim do ano no digital e no trade de turismo.

A Tap foi privatizada no fim do ano passado, na época o consórcio Atlantic Gateway disse que faria investimento de até 800 milhões de euros na empresa, além de expandir as rotas para Estados Unidos e Brasil, com o objetivo de que a endividada companhia aérea passasse a dar lucros já neste ano.

 

Por que a criação do Portugal Stopover?

Nos últimos anos, o setor aéreo tem vivido diversas transformações: o comportamento de compra do consumidor mudou; o acesso ao bilhete; a ascensão socioeconômica permitiu que mais pessoas viajassem de avião. Mudou a dinâmica dos negócios. Tudo isso provocou uma alteração na percepção do bilhete aéreo. Alguns segmentos passaram a inferir que o bilhete estava virando uma commodity, coisa que sou contra. Na medida que se compara um bilhete aéreo com ferro, aço, trigo, qual o valor agregado que se tem? O bilhete envolve um alto grau de intangibilidade, atributos como férias, período sabático, negócios. A Tap entendeu esse cenário e a partir daí passou a se estruturar, principalmente no Brasil, trabalhando o bilhete com valor agregado. O Portugal Stopover é um benefício real para quem viaja à Europa além Portugal. Somos a maior companhia aérea entre Brasil e Europa, saindo de 10 cidades brasileiras, com mais de 65 voos por semana. Com este grande volume de voos queremos proporcionar muito mais do que uma viagem, uma experiência de valor. Se for fazer uma conexão em Portugal, por que não ficar até três dias e ganhar uma série de benefícios? Como descontos em hotéis, restaurantes conveniados que oferecem garrafa de vinho no jantar, passeios gratuitos. Só é preciso entrar no portal e escolher. Oferecemos uma série de benefícios para que o cliente descubra Portugal no meio do caminho. A ideia é ofertar cada vez mais benefícios. Também temos parceria com o Clube de Experiências.

 

O valor do bilhete aumenta por conta destes benefícios?

De maneira nenhuma. Isso é à parte. Quero que o bilhete seja percebido como uma mais valia. O valor do bilhete é determinado por um conjunto de fatores, como sazonalidade, concorrência e dinâmica do mercado, além de obedecer a critérios lógicos de práticas competitivas do mercado.

 

 

Qual foi o investimento neste projeto?

Não tenho números do projeto em si, é global. A matriz que criou. Temos o Stopover no Brasil, Estados Unidos e outros países da Europa e África onde a Tap opera. O investimento, em tecnologia, foi feito para poder receber toda essa demanda, de criar uma ferramenta para gerenciar. Além do aplicativo, que dá dicas como o que fazer em 24, 48 ou 72 horas. Tem o aporte dos parceiros para atender à demanda gerada pelo produto.

 

Quantos parceiros possui?

Mais de 150, entre hotéis, restaurantes, passeios e museus.

 

Qual a projeção de crescimento com essa estratégia?

Nos últimos três anos nós transportamos em média 1,6 milhão de passageiro/ano na rota Brasil-Europa. Deste montante, em torno de 60% é o exportativo, são passageiros que saem do Brasil com destino à Europa, voando Tap. A nossa expectativa é que, nos próximos três ou quatro meses, possamos aumentar, em 10%, a quantidade de passageiros que não parariam em Portugal, mas decidem parar no país. Atualmente são cerca de 30% que já param no país.

 

Como estão os negócios da Tap?

O setor aéreo tem vivido um momento extremamente complicado nos últimos dois anos. Não diferente de outros setores, em função do momento que o país vive. Nós conseguimos crescer um pouquinho em volume de passageiros neste ano em relação ao mesmo período do ano passado, em 2%. Estamos mantendo a média de 1,6 milhão de passageiros transportados na rota. O que mudou foi a rentabilidade, que houve perda. Nosso trabalho hoje tem sido no sentido de aumentar o volume de passageiros transportados para aumentar a receita. O setor vem passando por uma situação difícil, as empresas estão fazendo ajustes, assim como nós, que ajustamos rotas, reduzindo frequências, movimento natural de oferta e demanda. A Tap lá trás começou a trabalhar a descentralização dos hubs, entendeu que o Brasil, por ser um país continental, não podia concentrar no eixo Rio-São Paulo. Tenho voos de norte a sul do país. Recife, Fortaleza, por exemplo, possuem voos diários. Isso permite à companhia ter um equilíbrio maior nestes momentos em que precisa passar por ambientes turbulentos.

E qual a perspectiva para o próximo ano?

Com a privatização da empresa, com um olhar de mar-
keting, isso se apresenta de forma extremamente positiva. Primeiro porque ela começa um processo de retrofit. As aeronaves terão novo design interno e, no fim de 2017 início de 2018, chegarão as novas aeronaves. Seremos a primeira companhia aérea a ter o A330 Neo, um novo conceito que vai ampliar os negócios. Será um valor agregado, já que temos essa ideia de garantir uma boa experiência. Hoje já temos, vamos melhorar. Nosso menu é diferenciado, com chefs assinando o cardápio, como Danio Braga e  Filipe Sobral, por exemplo. Além da carta de vinhos, selecionados com teste cego em terra e a bordo. São coisas que às vezes não são percebidas pelos passageiros, mas com que nós nos preocupamos, para minimizar o tipo de experiência negativa em relação ao serviço. Os pontos altos da Tap são comodidade e conveniência.

 

A operação brasileira tem alguma especificidade em relação aos demais países em que a companhia opera?

Tem. O Brasil representa em média 30% do volume dos negócios da Tap. Por conta disso, ela exige um cuidado maior da companhia no ajuste da malha, na conectividade. Temos horários estratégicos, com voos do Brasil que chegam pela manhã em Lisboa, período que sai a maior parte dos voos para o restante da Europa. Em 2016, comemoramos 50 anos do primeiro voo a jato no Rio de Janeiro. No ano que vem será a vez de Recife celebrar 50 anos. No mês passado, comemoramos o passageiro número um milhão no voo de Belo Horizonte. Tem um conjunto de atributos que fazem com que a Tap tenha importância para o mercado brasileiro. Com a vantagem de ir falando português até Moscou.

 

O turismo no Brasil não cresce, isso seria um gap ao crescimento da Tap?

O Brasil ainda não entendeu quem é seu consumidor, seja o doméstico ou o estrangeiro. Por exemplo, é inconcebível ver a região da Catalunha, em três meses, receber o que o Brasil recebe num ano (2015). Acho que eventos internacionais como Copa do Mundo e Olimpíadas ajudam a trazer visibilidade ao país, vai gerar um aumento do fluxo, mas não é o determinante. É preciso entender o que o turista espera dos destinos brasileiros, para que se consiga desenvolver um produto que atenda às necessidades do mercado. Eu sempre digo que temos de ser mais locais com pensamento global. Caso cada mercado consiga desenvolver sua identidade de valor e preparar o seu produto, estrategicamente coordenado por um grande centro e transformar isso em oportunidade de negócio, seríamos surpreendidos pelo crescimento do turismo, que é um ativo importante ao país. Caso me perguntem dois segmentos em que aposto que continuarão se desempenhando bem, apesar da economia, eu diria turismo e entretenimento.

 

Qual o faturamento da companhia?

O global é de 2,4 bilhões de euros. O resultado de uma companhia aérea sempre é menor que o faturamento, porque temos um conjunto de fatores que fazem com que o custo da operação seja muito alto. A Tap tem trabalhado na eficiência operacional. Excluindo o ano passado, em que teve prejuízo, ela vem apresentando lucro operacional.

 

Qual a verba de marketing?

Ela é determinada pela matriz, em Portugal. Tem um cálculo, se por um lado, perde um pouco, por outro se tem um ganho considerando que o pensamento é global. As estratégias são discutidas na matriz e tropicalizadas para os mercados. 

 

Quanto custou a campanha de divulgação do Portugal Stopover?

Essa é a maior campanha que faremos este ano. Com um investimento significativo na TV aberta e fechada, além de rádio, digital e impresso, serão dois meses de duração, com alguma ação extrapolando esse período. Porque temos de trabalhar todas as cidades de forma customizada, primeiro é nacional e em seguida regional.

 

Quais as estratégias de marketing adotadas pela Tap no Brasil?

Em termos gerais, o meu desafio quando vim à empresa (há oito anos) foi de tornar percebido aquilo que já era real. Eu precisava que o brasileiro entendesse a dimensão e a importância da Tap no Brasil. Foi uma tarefa difícil, num país continental como o nosso. Trabalhamos em médio e longo prazo para chegar aos nossos objetivos. Em função da nossa verba restrita, procuramos trabalhar de forma inusitada. A internet foi relevante nesse sentido. Fomos a primeira companhia área a criar ações nos aeroportos do flash mobs, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Trouxemos vídeos no YouTube com mais de um milhão de visualizações orgânicas. Somos a companhia área com maior engajamento nas redes sociais, próximo a 200 mil seguidores na página do Brasil. É um importante canal de vendas para nós. Facilita trabalhar a marca, o produto e o preço. Procuramos criar ações inovadoras. O que queremos mostrar através da nossa comunicação é um novo Portugal, com Lisboa como um destino de compras, com vinhos entre os melhores do mundo. A campanha que está no ar foi a maior dos últimos anos, só fazemos filmes quando inauguramos rotas. Neste caso é maior, mostra o produto e a companhia.

 

De que forma a Tap trabalha com a agência AFT?

Faz quatro anos que estamos com a AFT. Uma agência de comunicação integrada que tem nos dado bastante resultado. Fazemos um trabalho muito forte com o trade turístico, que representa uma parcela importante do nosso negócio – em média 60% vem deste segmento. Eu crio diversos materiais e eventos direcionados ao setor. Em parceria com o turismo de Portugal, nos meses de outubro, novembro e dezembro, realizaremos um road show de capacitação para o trade em algumas capitais do Brasil com um bondinho de Lisboa, ele tem três configurações. É uma forma diferente de trabalhar o trade.

 

A Tap divulgou investimento de 800 milhões de
 euros. O que está incluído dentro deste aporte?

Os investimentos começaram neste segundo semestre, em que ocorreu o intraeuropeu, com duas ou três aeronaves já entregues. No início do ano que vem serão remodeladas as aeronaves que fazem Brasil-Europa e no fim de 2017 começam a chegar as novas aeronaves 330 Neo.

 

A Tap foi privatizada no ano passado. Atualmente quem são os proprietários da companhia?

O controlador é o consórcio Atlantic Gateway –  de David Neeleman, da Azul, e do empresário Humberto Pedrosa -, que detém 45%. O governo de Portugal tem 50% e 5% são dos funcionários da companhia.

 

O que mudou com a privatização?

Na diretoria, continua o Fernando Pinto como CEO. A mudança é natural, como a que ocorre em qualquer empresa com uma nova diretoria, além de ter sido privatizada. Ganha-se em agilidade de processo, há uma nova dinâmica. Temos um novo VP de marketing global, antes havia um executivo que cuidava de marketing e comercial, hoje isso foi dividido. Passamos por uma remodelação, mas a empresa ainda está em revisão de processos. As mudanças trouxeram novos ares à empresa. Atualmente falamos mais com a matriz.

 

Novidades?

Estou em final de negociação para ter mais dois parceiros no Brasil, no mesmo conceito do nosso parceiro atual, que é o portal Clube de Experiências. São benefícios também, mas são diferentes. Espero ter isso fechado até janeiro, mês que cresce a demanda de passageiros. A ideia é não ser percebido por preço. Meu produto não cabe ser percebido assim, mas por diferenciação, por experiência e por benefício. Até porque a viagem é isso, buscamos experiências!