Rabenschlag: ambição deveria ser criar campanhas com as quais a humanidade se importe

 

Olivier Rabenschlag chegou ao Google em 2012 como diretor de criação para assumir uma função singular dentro da companhia: ajudar clientes e agências a executar campanhas a partir da inteligência de engenharia da empresa norte-americana. O criativo, que construiu sua carreira em agências de publicidade e passou por empresas como TBWAChiatDay, Ogilvy & Mather e CP+B, afirma que “a indústria precisa ir além do próprio universo se quiser criar campanhas de impacto”. Rabenschlag fica baseado em Los Angeles (EUA) e esteve em São Paulo na semana passada para um evento do Google com agências brasileiras. Nesta entrevista ao propmark, o criativo fala sobre o impacto da tecnologia na narrativa publicitária, sobre a importância de apostar mais em protótipos e sobre a necessidade de testar e errar mais vezes.

Você é diretor de criação dentro do Google. Em linhas gerais, qual é exatamente sua função?
Comecei cuidando da relação do Google com as agências da Costa Oeste dos Estados Unidos e hoje sou responsável por toda a América. Meu trabalho é me unir a agências e clientes para ajudá-los a resolver seus problemas de negócio e de marketing, auxiliá-los a chegar a ideias e nas estratégias que se traduzam em novas campanhas. Meu papel é criar uma aproximação entre tecnologia e marketing, unir os dois para desenvolver algo de maior impacto.

Que tipo de problemas os clientes levam até vocês?
Varia muito. Muitos dos meus clientes são do setor automotivo. Eles pedem ajuda com seis meses a um ano de antecedência para lançar carros porque, na indústria automotiva, várias campanhas são similares e marcas repetem umas às outras. Há sempre um desafio que precisamos resolver. Alguns dos meus trabalhos dentro do Google foram para Nissan (TBWA), Toyota (Saatchi & Saatchi), Nike (Wieden+Kennedy), entre outros. Uns querem usar a tecnologia para mudar a percepção do consumidor sobre ela, outros estão focados em lançar ações específicas. Em meu trabalho, tento solucionar problemas por meio da criatividade aliada à tecnologia. Uma vez que conseguimos entender qual é a grande ideia por trás da campanha, então conseguimos encontrar os caminhos em que a tecnologia se encaixa a essa ideia para trazê-la à vida.

Você veio ao Brasil falar de storytelling por meio da tecnologia. Como clientes e agências podem abrir possibilidades com o digital?
No ano passado, Larry Page disse algo interessante: “se você não está fazendo algumas coisas de maneira maluca, então você está fazendo as coisas de uma maneira errada”. No Google, temos a filosofia de sempre forçarmo-nos a pensar de maneira grandiosa, o máximo que pudermos. Temos um conceito que é: em vez de melhorar alguma coisa em 10%, pensamos em como fazer algo 10 vezes melhor. Isso significa pensar em ferramentas que nem existem ainda para tirar ideias do papel, rever tudo o que se sabe e reaprender de uma maneira diferente.

E esse discurso ressoa bem com a indústria de publicidade? 
Se o pensamento do “10x melhor” puder ser aplicado na construção de protótipos, os resultados são projetos como Google Glass ou uma grande rede wireless global (Projeto Loon for All). E esse conceito pode ser incorporado no storytelling. Tudo o que fazemos na publicidade é contar histórias. É narrar. A questão é: como melhorar 10 vezes mais essa narrativa? Todos esses projetos do Google têm algo em comum com o mundo publicitário, que é a noção de construir protótipos. E, assim como esses produtos nasceram dessa forma, acredito que, na publicidade, podemos apostar muito mais em protótipos para melhorar a narrativa.

Vemos algumas agências fazendo isso, como a R/GA, que tem alguns cases para a Nike. Mas elas não são de forma alguma a maioria. É necessário intensificar a produção de protótipos na publicidade?
Acredito que podemos nos arriscar mais. E, na verdade, não vejo a construção de protótipos como uma tomada absurda de risco. É acerca de falhar e aprender rapidamente. É acerca de provocar emoções humanas. Se você tem uma ideia que parece absurda no papel, pode fazê-la aparecer numa tela e as pessoas poderão sentir essa ideia na ponta dos dedos.

Você vê mais curiosidade ou ação entre as agências?
Há muita curiosidade sobre como é produzir protótipos, mas também há muito mal-entendido. Não é algo tão difícil quanto se pensa. E construir projetos assim não irá consumir milhares de dólares. Um dos trabalhos que fizemos foi em parceria com a Saatchi & Saatchi para ajudar consumidores da Toyota a escolher seu carro. Todas as montadoras têm ferramentas digitais que permitem às pessoas escolher a cor do automóvel e testar isso na tela do computador, mas é sempre a mesma experiência e é entediante. Trabalhamos em um projeto utilizando o Google Hangout partindo do pressuposto de que a experiência de testar a cor do carro virtualmente não precisava ser baseada somente na exibição de vídeos. O protótipo que construímos era um site que permitia ao cliente convidar amigos para a página e, coletivamente, por meio do Google Hangout, selecionar a cor mais interessante do carro. Fizemos esse protótipo e desenhamos passo a passo a experiência com a agência, muito rapidamente.

Então construir protótipos não está ligado apenas ao design de um novo produto. Isso pode ser um software ou uma experiência?
Ou um filme. Havia uma marca (Kmart – rede de lojas de departamento nos EUA)que queria lançar uma grande campanha na televisão. Ela tinha alguns roteiros possíveis, mas não sabia qual poderia ser o mais bem-sucedido. A marca filmou cinco versões diferentes e colocou todas no YouTube com o TrueView (espaço publicitário dentro do YouTube), para testar qual seria a peça mais assistida. A melhor delas, então, foi a escolhida para ir para a televisão. Isso é construção de protótipo em sua definição – você vê o que funciona e o que não funciona, apara as arestas e leva isso para um novo nível que, nesse caso, era um comercial de TV. Foi, provavelmente, o mais amplo focus grupo já realizado. Protótipos podem ser para softwares, experiência de usuário, filme, para muitas coisas. A questão é que você só pode melhorar suas ideias a partir de testes. Você só pode melhorar algo 10 vezes mais se tiver erros e aprender a partir disso. E a regra é a mesma para o mundo da publicidade.

De onde veio esse conceito do “10x”?
É um mandamento interno do Google. É nossa ambição. Todos na empresa devem pensar na ideia de fazer algo 10 vezes melhor em vez de considerar fazer algo 10% melhor.

Da perspectiva de uma agência offline, entrar no digital não é tão fácil quanto parece. Muitas têm seguido receitas, mas não conseguem obter o sucesso que esperavam. O que poderia ajudá-las?
Há muitos ingredientes para essa “receita secreta”. A primeira é saber sobre as possibilidades da tecnologia. Ela evolui tão rapidamente que até nós, do Google, temos dificuldade em acompanhar tais mudanças. As agências têm muitos deveres para com os clientes e sobra pouco tempo para acompanhar essa evolução. Porém, acredito que é um passo importante se forçar a se manter informado. Outra questão é talento. É importante criar mecanismos para encontrar as pessoas certas que fazem sentido para o seu negócio. Hoje, por exemplo, temos nas agências tradicionais a combinação do diretor de arte, redator e do diretor de criação. E se essas empresas recrutassem um criativo especializado em tecnologia para esse time? Um profissional assim traria uma perspectiva diferente para a ‘grande ideia’, para que ela não seja mais um filme, e sim uma plataforma.

Reclama-se no Brasil de um apagão de talentos, especialmente em agências digitais, que precisam de profissionais com novas habilidades. Como recrutar ou formar essas pessoas?
Há um problema recorrente que é a fuga para empresas de tecnologia das pessoas interessadas em criação e com repertório tecnológico. Com isso, as agências perdem o acesso a esses talentos. Para mim, os desenvolvedores importantes para o negócio são aqueles interessados no poder da criatividade. E, independentemente do cargo, se é um diretor de arte, redator, criativo especializado em tecnologia, o necessário é a paixão por storytelling. Porque, em essência, tudo o que você faz nessa indústria é contar histórias.

E como se faz um bom storytelling no digital?
Acredito que o digital, como termo, está morto. Hoje o digital está em todos os lugares, está engendrado no dia a dia. É preciso abraçar a tecnologia. Não é possível somente divulgar um filme de 30 segundos na televisão ou no YouTube e esperar que as pessoas, passivamente, assistam a isso. Depois dos 30 segundos, o que acontece? A experiência precisa continuar, é necessário que o engajamento vá além de uma peça. Vejo um filme publicitário como um convite às pessoas, que abre caminho para outras ações de engajamento.

Mas vemos muitas campanhas feitas para engajar que falham totalmente. O que separa um trabalho bom de um ruim?
São as famosas “campanhas de redes sociais”. E não estou dizendo que redes sociais são algo errado, mas só funcionará se as conversas acontecerem de forma espontânea. Para mim, a questão-chave para uma campanha de sucesso é que ela seja centrada em pessoas. É nesse momento onde entram os planejadores e estrategistas. Não adianta a campanha ser de uma criatividade fantástica, mas não ter nada a dizer para as pessoas que você gostaria de atingir. É tudo acerca de quem é sua audiência, seus interesses, entender do que ela gosta e como se comporta. Precisamos humanizar a tecnologia. As campanhas que falham são aquelas que não são emocionais, que não dialogam com ninguém. São apenas pedaços de programação visualizados. Não têm uma face ou nada de bonito para mostrar. Para funcionar, precisa ser algo focado em pessoas e com o qual elas queiram se engajar porque diz algo a elas.

Qual campanha recente teve essa orientação e se sobressaiu?
A estratégia da Red Bull, “Stratos”, com Félix Baumgartner, é um exemplo (em 2012, a marca bancou o projeto para o paraquedista saltar da estratosfera e transmitiu a façanha ao vivo). Muitas vezes a ambição está muito focada no mundo da publicidade, as agências querem criar campanhas que ganhem prêmios. A ambição deveria ser criar campanhas com as quais a humanidade se importe. Isso significa criar estratégias que alcancem muito mais que o universo da publicidade, que é um universo muito pequeno. A campanha da Red Bull teve essa orientação. E eles não ganharam nenhum prêmio, em lugar algum. É um trabalho que simplesmente foi além das fronteiras da indústria.

Cresce a demanda, tanto na publicidade quanto na indústria de mídia, por profissionais que saibam codificar e programar. Para você, como criativo, como foi entrar para uma empresa puramente baseada em tecnologia?
A razão pela qual eu fui para o Google é porque isso me permite ser um criativo, mas de um ângulo diferente. Ser um criativo numa empresa de tecnologia significa enxergar que muitas das coisas que você sempre sonhou em fazer não são tão impossíveis de executar. Agora que estou mais próximo de engenheiros e de desenvolvedores sei o que é necessário para fazer as coisas acontecerem e posso levar esse conhecimento de volta para as agências. Eu codifiquei um pouco nos meus primeiros trabalhos como uma forma de expressar minhas ideias. Mesmo depois, quando virei um criativo puro, sempre estive atento à tecnologia. Para mim, estar mais próximo desse universo foi transformador. É incrível. E, hoje, fazer parte de um time que não existia na época em que eu trabalhava em agências, é muito bom. Se, naquela época, eu tivesse esse time, minha vida teria sido tão mais fácil. Muitas ideias simplesmente morreram porque não havia como executá-las. Mas as coisas mudaram muito agora.