“Como você sabe que isso é melhor do que aquilo?”
Tratava-se de um elogio.
E veio seguido de “você tem o olho bom”.
Nunca mais me esqueci dessa frase.
Não por conta do elogio.
Criativos aprendem rápido que elogios duram uma reunião, um telefonema.
Reprovações duram noites a fio.
O que chamou a minha atenção foi o elogio a uma intuição.
Passei a prestar muita atenção nisso.
No fato de algumas pessoas enxergarem coisas que as outras não veem.
Isso, pra mim, é o que faz a diferença.
Isso me inspira.
Pessoas com essa capacidade, dom ou seja lá o que for, me inspiram.
E, pensando bem, sempre me inspiraram.
Eu era pequeno, paulistano, são-paulino e passava as tardes jogando bola na rua com a camisa 10 do Flamengo.
Por quê?
Porque ver o Zico bater uma falta nos gols do Fantástico foi diferente de todos os lindos gols de falta que eu já havia visto.
A pequena distância entre ele e a bola, o jeito dele inclinar o corpo para bater, a curva que ela fazia e até o modo de a rede estufar eram diferentes.
Uma pintura.
Parar em frente à Estátua de David, em Florença, mesmo depois de ter visto outras obras incríveis do Renascimento, é inspirador.
Fica claro, olhando para a escultura, que o realismo para Michelangelo era diferente do realismo para os outros.
Ele via através de uma lente que os outros, simplesmente, não veem.
Visite todas as igrejas do mundo e depois entre na Sagrada Família, em Barcelona.
Vai falar o que de um arquiteto como Gaudí?
Não tenho adjetivos.
Não tem explicação, a não ser a de que ele antevia o que nós, mortais, jamais veremos.
Pessoas assim são uma fonte de inspiração.
Pessoas assim criam ícones nas suas áreas de atuação.
Ferdinand Porsche desenhou o 911.
Apesar de atualizado, a base de design é a mesma desde a década de 1960, do século passado. E não vai mudar, não precisa. Isso é admirável.
Um exemplo mais pé no chão, literalmente: Sorriso, o gari.
Em 1997, ele parou o Sambódromo ao passar dançando com uma vassoura, enquanto executava sua rotina de trabalho.
Emocionou o Brasil, o mundo e ganhou fama da noite para o dia.
Ele queria isso? Aposto que não.
Estava fazendo seu trabalho da maneira que era natural pra ele fazer.
E isso fez toda a diferença.
Costumo dividir os seres humanos em duas categorias: os que inspiram e os que transpiram.
Eu jogo na segunda divisão.

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Celso Alfieri é diretor de criação da Y&R