Quer escrever storytelling? Esqueça as marcas e foque nas pessoas. Nas histórias das pessoas. Estique o pescoço e ouça as conversas. No metrô, no ônibus, na praça, no bar, no supermercado, esperando o farol abrir, na fila do cinema, na antessala do dentista… Esqueça os comerciais de televisão, esqueça os vídeos no YouTube, esqueça as postagens no Facebook. Respire vida. Só assim você vai parar de correr atrás do rabo e se abastecer de argumentos para desenvolver narrativas verdadeiramente originais.

As histórias das marcas, com raras exceções, não são interessantes. Por isso, os seus gestores encomendam histórias com elas. Histórias reais. E qual a primeira coisa que a gente faz? Ignora todas as vivências e passa a procurar referências na internet. Como assim?!

Semana passada, tive a oportunidade de falar sobre storytelling para uma plateia do Whow! Festival de Inovação, promovido pelo Grupo Padrão. Foi divertido tanto criar como apresentar a palestra As marcas da minha vida. O objetivo era fazer uma provocação e um alerta de que, a princípio, para formatar um storytelling interessante não é importante se a experiência com a marca foi boa ou não. Tem de ser verdadeira. Só assim, baseados naquilo que é real e profundamente humano, podemos trabalhar criativamente uma boa narrativa. Contei que a primeira marca de que lembro na vida é Johnson & Johnson, que associo a frio. Porque, perto dela, estava sempre pelado ou molhado.

Depois, vem Merthiolate, que associo à tortura (nunca vou esquecer do meu coleguinha que, chorando, forjou um anticonceito de marketing maravilhoso para Merthiolate, depois que a mãe passou o produto no machucado: “tá vendo? Não tava doendo e agora tá”). Associo à felicidade a Farinha Láctea Nestlé. Não me lembro mais do gosto, mas meu cérebro insiste que foi o melhor sabor que senti na vida; a sonho, associo Ferrorama da Estrela (o dia mais feliz da minha infância); a ódio, Cobertores Parahyba e seu amaldiçoado jingle que lembrava nossos pais de que tínhamos de ir dormir; a choque, Lorenzetti, aquele pavoroso chuveiro de metal, cuja resistência queimava no meio do banho; Goiabada Cica e refresco Q Suco, à pobreza (era o que tinha de sobremesa e “refri” nos piores momentos); General Electric a status: a primeira geladeira e a primeira tevê; Pepsi Cola deu sentido à minha vida (quando fui morar com a minha avó, ela comprava Pepsi toda a semana e eu ia para o jardim beber e mostrar para o mundo a minha inclusão).

Não é incrível que não tenha sido a Coca a marca que deu sentido à minha vida, mas a Pepsi? Porque o Rio Grande do Sul era o único lugar no Brasil onde a Pepsi vendia mais do que a Coca. Para terminar, contei o meu “case” recente com a marca Chivas.

Num fim de tarde, estava lendo debaixo da mangueira quando, de repente, me deu vontade de beber um uísque. Fui à cozinha, coloquei gelo no copo, servi e quando voltei ao quintal havia um cocô de passarinho espalhado bem no meio do assento da cadeira. Criei um anúncio na hora: quando pressentir que vão cagar na sua cabeça, sirva um Chivas. E conto a história no texto. Puro storytelling.

Stalimir Vieira é diretor da Base Marketing (stalimir@gmail.com)